O MENINO DO LIXO
Num belo dia de sol
Tocando minha concertina
Bem perto havia um lixo
Era grande a fedentina
Um choro vindo da lata
Coberto com gelatina.
Olhei bem de pertinho
E o choro logo aumentou
Um menino tão bonito
Dentro dela se encontrou
O tempo fazia muito frio
E ele comigo se pegou.
Era um menino lindo
Como ali nunca se viu
O olho bem azulzinho
Meu coração logo se buliu
Fui direto ao abrigo
Que se chamava Rua Brasil.
Ao chegar naquele abrigo
Fui direto entregar
Aquele ser desgarrado
Que estava a soluçar
A diretora logo sorriu
E com o menino quis ficar.
No lixo que ele estava
Tive uma tal curiosidade
De voltar no dito cujo
Somente para encontrar
Quem sabe se tinha alguém
Que ia comigo falar.
Fiquei ali muito contente
E ao lugar eu não voltei
De volta pra minha casa
À mulher eu nem contei
Fui dormir a noite inteira
E com o menino eu sonhei.
Noutro dia bem cedinho
Fui ali naquele abrigo
No intuito de encontrar
E parece que foi castigo
Roubaram o pobre menino
E vi ali logo um perigo.
A noite foi muito longa
Me falou o nobre vigia
Foi impossível entrar
Falava a dona Maria
Só sei o pobre menino
Vive noutra freguesia.
Esperei a diretora
Que comigo assim falou
O inquérito foi aberto
E a procura já começou
O menino não saiu andando
E o vigia queixa prestou.
O delegado por nome Zé
Ficou ali tudo anotando
Pediu ao cabo Honório
Que fosse logo procurando
Trouxesse aquele menino
Solto ou amarrado.
Eu não quis acreditar
Naquele afoito delegado
Eu sei o que ele queria
Até porque foi consultado
Ele gosta de dinheiro
E ao mal tem se sujeitado.
Eu me cansei ligeiro
E pra casa fui embora
Não sei o que foi que houve
Só sei que dei o fora
Não ia perder meu tempo
Pra ganhar tudo na tora.
Fiquei onde eu morava
E só pensando no acontecido
Os anos logo se passaram
E fiquei, porém, entristecido
Muito depois daquele tempo
Ele era um desconhecido.
Andei por muito tempo
Sempre o menino procurando
Mas, de nada adiantava
Ia só me desgastando
Deixei de lado o caso
Pra de ódio não ir ficando.
No abrigo da cidade
Ninguém sabe o paradeiro
Alguns dizem sem a prova
Que ele hoje é macumbeiro
Faz despacho na esquina
E lhe chamam Zé Trigueiro.
Isto foi uma fofoca
Que Dona Lica me contou
De certo não há verdade
Em tudo que se falou
O menino quem sabe foi
Adotado com muito amor.
Isto pode ter sido
O destino daquele rapaz
Que foi achado por mim
Faz muitos e muitos anos atrás
Dentro de uma grande lata
Invenção do satanás.
Eu queria muito saber
Onde foi aquele menino
Só há especulação
Ninguém sabe o seu destino
Dizem que é empresário
Na venda do gado bovino.
De fato estou jogando
Com a minha consciência
Às vezes fico zangado
Busco logo a paciência
O que houve eu não sei
Se foi a tal maledicência.
Se hoje vivo estiver
Vinte anos o menino tem
Pode até ele ser famoso
Ou quem sabe um Zé Ninguém
Se eu encontrasse ele
Gostaria que fizesse bem.
Um homem tal Malaquias
Foi quem de fato adotou
Ele era um deputado
E do menino logo gostou
Sua mulher muito novinha
Pelo menino se engraçou.
Dezenove anos completo
Veja então o que aconteceu
Ele matou o deputado
E a mãe logo agradeceu
Se casar com o pobre filho
Que o diabo lhe prometeu.
Eles se cortaram todo
E o sangue foi tomado
Ela bebeu mais de um litro
E o resto foi derramado
Ele assumiu aquele posto
Que era daquele deputado.
O casal teve dois filhos
Não é bom nem se contar
Um sem perna e sem braço
Logo me chego a me arrepiar
O outro nasceu sem cabeça
Mas tinha boca para falar.
Era o fruto do pecado
Que Deus fez acontecer
A vida daquele jovem
Foi muito ruim até morrer
Com a ajuda daquela mulher
Os filhos não chegaram a viver.
Mataram as feias criaturas
Com tiros no coração
Os mortos gritaram tanto
Depois veio a queimação
A justiça logo prendeu os dois
E foi muito mais judiação.
Ele mordeu aquele guarda
E logo o cabra se envenenou
Tomou um litro de ácido
E sozinho logo se ferrou
A mulher na outra cela
Assim o guarda me contou.
Gritava que só o diabo
Com a boca de detergente
Ela tinha acabado ali
De matar um grande agente
Enforcou ele com o sutiã
E meteu muita aguardente.
O presídio foi incendiado
E não restou uma só pessoa
O corpo daqueles seres
Foi jogado numa canoa
O destino daqueles dois
Tanto tempo me magoa.
Lembro daquele lixo
Quando ele eu encontrei
Com aqueles olhos azuis
Logo dele eu gostei
Mas repare o que se deu
E até agora o que passei.
O menino e a madame
Aquela que lhe criou
Fez dele um assassino
Muita gente ele matou
A dupla por onde andava
Tanta gente ela assustou.
Na cadeia da cidade
Houve muita confusão
O corpo daquele jovem
Levou tanta maldição
A falsa mãe também levou
O menino à perdição.
Naquelas águas do passado
Muita gente ali morreu
A alma daquela gente
Numa noite apareceu
Gritando que só o diabo
Depois disso escafedeu.
Aonde colocavam lixo
Hoje é um grande hotel
Não vai uma só pessoa
Por causa de um coronel
Ele vestido de uniforme
Ostenta na mão um anel.
Aparece de madrugada
Depois fica igual um bicho
Vem chupando aquele leite
Da senhora carrapicho
Que adotou aquele menino
Da lata cheia de lixo.
O pecado não esconde
E deixa grande explicação
Mostra tudo de quem fez
O mal feito de uma mão
Nunca há quem explique
Onde se dar a salvação.
FIM
João Pessoa-PB, 25 de janeiro de 1990.