ENTRE O ESTUDO E A ENXADA
Minha Santa, Mãe de Deus
Protetora de nós, Artistas
Eu te peço em oração
Proteção pros Cordelistas
Em cada canta da rima
Admiro os Repentistas.
Na arte de fazer verso
Sento inteiro na bancada
Boto a cabeça no tempo
Às vezes não chega nada
Ando de um lado a outro
E avisto uma enxada.
Penso no trabalhador
Usando este instrumento
Sai de casa ao nascer do sol
Montado no seu jumento
Volta no final da tarde
Esquecendo o sofrimento.
Liga o rádio no programa
Na hora de uma cantoria
Ele arregala os olhos
E é grande a alegria
Os cantadores só despertam
O seu amor pela Maria.
Com dez filhos no terreiro
E muita coisa pra comprar
Ele não pensa na vida
Só quer o rádio escutar
O alívio à sua alma
Vem aos poucos se chegar.
O café está na mesa
Fruto de sua plantação
Batata doce e charque
Faz uma boa refeição
A cantoria de viola
Faz tão bem ao coração.
O jumento no cercado
Já sabe o que fazer
Vai se aconchegando
Até aquele dia nascer
O seu dono está feliz
Tem muita água pra beber.
Maria é cuidadosa
Sabe muito bem educar
Dez filhos ao seu redor
Ela vai alimentar
O mais velho já estuda
E de ano quer passar.
O mais novo é tão pequeno
E só vive se arrastando
Passando por toda sala
E fica ali chorando
A mãe tão delicada
Vai o filho amamentando.
No pé do rádio o marido
Dá aquela cochilada
O sono vem derrubando
Feito uma trovoada
O homem está sonhando
Com a cama preparada.
A filha com doze anos
Ela gosta muito de ler
No banco ela se senta
Só estando lá pra ver
Ela cuida dos demais
Lhe ensinando o dever.
O pai tem pouco estudo
E bem cedo se casou
Pra cuidar daquela terra
Que a família lhe deixou
Ele era filho único
E isto sempre incomodou.
O casal tem quatro homens
Entre o estudo e a enxada
Cada mulher dali
É amável e educada
Desperta muitas paixões
Daquela gente estudada.
Seis mulheres do casal
Feitas só para estudar
Bem prendadas na escola
Não é hora de casar
Estudando sobre a vida
Elas querem se preparar.
Eu quero aqui me dispor
Pra falar desta primeira
Filha daquele casal
Que pensa ser enfermeira
Estuda pela manhã
E trabalha a tarde inteira.
Tinha o nome de Maria
De Amélia o sobrenome
Sofria com a família
Só falando da fome
Queria então se formar
Pra valorizar seu nome.
A segunda era Joana
Maria o seu primeiro
Ela já tinha um foco
Um sonho verdadeiro
Queria ser da Marinha
E casar com marinheiro.
Maria Alice era a terceira
Tinha os olhos esverdeados
Linda como uma flor
Os cabelos cacheados
A pele tão bronzeada
Dos dias ensolarados.
Eu agora vou falar
Da filha também Maria
Tinha como sobrenome
O belo nome de Luzia
Era também muita bela
Chamada Dona Sofia.
Era somente Maria
Que havia no lugar
E a quinta se chamava
Maria de Eloá
Um nome tão diferente
Que resolveu ali ficar.
A Maria sendo a última
De chamou de Aparecida
Nome de uma padroeira
Que protege nossa vida
As seis Marias eram tão belas
Pela família tão querida.
Quatro filhos do casal
José foi escolhido
Como nome a ser dado
De todo filho querido
Daquele casal da enxada
Que no estudo foi aquecido.
José Pedro dos Santos
Era seu filho primeiro
Nascido no mês de maio
Estudava sobre o estrangeiro
Conhecia muito país
Viajando no banheiro.
A enxada como instrumento
Foi muito útil no terreiro
Aquele filho mais velho
Queria ser o primeiro
Pra se formar em veterinária
E dá um jeito no galinheiro.
O segundo também José
João dos Santos filho
Tinha o nome do pai
Porém com muito brilho
Era muito inteligente
Nada tinha empecilho.
José Tenório dos Santos
Na enxada era doutor
O terceiro filho
Que tão cedo casou
Já era pai de um menino
Que apelidavam de Dodô.
O quarto filho também
Se chamava de José
Simeão dos Santos completava
Aquele nome de fé
Viciado em gibi
E do gole de café.
Aqui eu já falei
De toda irmandade
Os filhos de José
Eram todos Zé de verdade
Plantadores de algodão
E estudante na cidade.
Dez filhos era a conta
Que naquele tempo existia
Todos os filhos José
Todas as filha Maria
Entre a enxada e o estudo
Foi muito grande a valentia.
Os homens de Seu José
Queriam ter uma profissão
Limpavam mato ao redor
E tinham muita devoção
Estudavam com gentileza
Dando valor a educação.
Maria Amélia e Joana
E o grande José Tenório
Duas irmãs e um irmão
Criaram o supositório
Para o fundo de galinha
Aprovado em laboratório.
Vou terminar este cordel
Com o coração agradecido
Esperando que ele chegue
Ao meu povo querido
A história de uma família
De viver tão protegido.
FIM
João Pessoa-PB, 08 de janeiro de 1999.