O JULGAMENTO DE DOIS CABAS SAFADOS
Me dê licença minha nobre gente
Que a nobre história já vai começar
Pois, espere que eu também vou contar
Muito mais forte que esse repente
Quem ouve bem, fica logo decente
Quem contou isso não sabe nem a hora
Desse verso que rima e também chora
É tudo que tenho para dizer
Nesse meu eterno sonho de prazer
Fique aqui e por favor não vá embora.
Se certo alguém está pedindo
Nunca tenho e nem devo negar
Eu vou direto é pra navegar
Neste cordel que está subindo
Sem rodeio não estou mentindo
Com tantas peripécias do Mixengo
Com Xadaigo foi mais mulherengo
Dois amigos que só aprontaram
Foi assim que pessoas dele falaram
Escute tudo e bote no quengo.
Já Xadaigo está sem condição
Um quase e sujo desmantelado
Um corpo atleta desengonçado
Ele não gostava de piração
Com Mixengo era só união
A amizade se fortalecia
Xadaigo forte e de valentia
Ele só gostava de vida mansa
Naquela rede, cheio de pança
Jamais o cabra teve covardia.
Mixengo o mestre da putaria
Ensinava o que se deprava
E sorria com quem contava
A todo moleque que lhe ouvia
Enquanto o Xadaigo parecia
Moço honesto e leal sujeito
Lutador de fato e de direito
Vencedor de chutes e arranhões
Um dos mais profundos garanhões
Em suma já é ótimo conceito.
Moleque Xadaigo num assustado
Muito abraço e beijo na boca
Com uma morena pra lá de louca
Depois cada um ficou no seu quadrado
Aquele Xadaigo logo vidrado
Pensando ele somente investir
Num beijo ardente e depois sentir
Morria o cabra de tanto desejo
E quando ele soube do ensejo
É que a jovem era travesti.
Eu te peço pelo amor de Deus
Nunca me faça interrogação
Foi sim, a maior organização
O Xadaigo aos caprichos seus
Quis se esconder como os fariseus
Foi, porém, Mixengo quem caboetou
O povo calado somente zombou
Xadaigo confuso não entendia
No pensamento o nome vadia
Sinceramente ele nunca notou?
Xadaigo modificou a contento
Com Mixengo uma dupla imortal
Apesar de tudo não faziam mal
E até hoje na alegria e no tormento
Safados são eles em padecimento
Não se pode julgar dessa maneira
Dois cabas viventes da brincadeira
Baliadeira na mão e bola no pé
Dançavam e gostavam de mulher
Quem zombasse levava rasteira.
O universo dá muita rodada
E sempre se volta ao começo
Neste rodear não contei um terço
Paizinha com Mixengo é casada
Felismina continua apaixonada
Uma grande comerciária
E fala que no amor não é otária
Ganha dinheiro e tem respeito
Sai com Xadaigo com mágoa no peito
Por causa de uma universitária.
Felismina e Paizinha
Duas amigas do negócio
Estavam em busca de um sócio
Uma lanchonete bonitinha
Abriram lá na prainha
Felismina majoritária
Não transpareceu otária
Investiu num potente som
Queria apenas um garçom
Que tivesse na faixa etária.
Não deu outra no lugar
Foi grande a recepção
Quando receberam com emoção
Mixengo de farda a trabalhar
Com Paizinha olhares a trocar
Até hoje não se sabe a verdade
Porque Mixengo tão bondade
Pro estrangeiro teve que partir
E só Xadaigo não deve encobrir
Revelações de pura lealdade.
Xadaigo dispensou Felismina
Mixengo com Paizinha ficou
No restaurante Mixengo lucrou
De garçom a dono de cantina
Não quis mais saber de menina
Viveu só pra Paizinha
Mas numa certa tardinha
Queria de casa fugir
Pois Xadaigo com Nair
Surge a dupla pra uma farrinha.
Xadaigo mecânico de se torar
Mixengo um mestre da construção
Naquele tempo na televisão
Logo depois da ceia familiar
Filmes mexicanos a passar
Com nomes de forasteiros
E desses nomes foram herdeiros
Safados, não como satanás
Queriam guerra em vez da paz
E lutavam como desordeiros.
Mixengo era calado
Calado e falava pouco
De vez em quando rouco
Assim era o caba safado
Porém um tanto louvado
Um Ser de puro coração
Acreditava na voz do cidadão
Mas quando gritava o chão tremia
E nesse tremer de longe se ouvia
Chamava Xadaigo com devoção.
Mixengo e Xadaigo, solteirões
Solteirões de fazer dó
Levavam sempre a pior
Viviam de brigas e confusões
Toparam sentir outras emoções
Com mulheres casadas
Eram cartas marcadas
Quase que os dois perdem a vida
Um dos maridos da atrevida
Quis que as contas fossem acertadas.
Esse assunto rendeu gargalhadas
Por muitos anos bem sei
Feito um cururu tei tei
Mixengo declara as trapalhadas
De Xadaigo eram espalhadas
Meu leitor agora que tá bom
Baixe um pouco esse som
Sem muita enrolação
Dizia Xadaigo com razão
- “o cara cheirava a talco pompom”.
Mixengo impressionante
Era o rei da criançada
Sentava em cada calçada
Vasculhava lorota interessante
Torcia pelo Mengo e era pedante
Chorava quando seu time perdia
E olhe que tanta agonia
Por que o caba enlouqueceu
E por pouco não morreu
O neto de Sinhá Luzia.
É que Mixengo na parada
Em Xadaigo confiava
Pois uma donzela namorava
E achava ela engraçada
De fato era letrada
É que Xadaigo tido esperto
Planejou e fez tudo certo
Criou toda uma ciência
E com muita paciência
Pisou fundo no concreto.
A relação dos camaradas
Ficou um pouco sem brilho
Xadaigo um modesto filho
Mixengo das presepadas
Que mesmo nas escaladas
Contratou um cordelista
Fez uma grande lista
E de posse dessa pôs a recitar
Falou tudo por falar
Xadaigo ficou até mal de vista.
Para os meninos da rua
Isso era coisa de moribundo
Xadaigo machista profundo
Viver assim no tempo da lua
E não cuidar da vida sua
Se agarrar com desconhecido
Pois só Mixengo era querido
Xadaigo no esquecimento
Mixengo criador de movimento
Galanteador sempre protegido.
Mixengo na bola demente
Comprava camisa e calção
Até chuteira e meião
E ainda ficava suplente
Passava no cabelo o pente
Quando entrava, ninguém se iluda
Dava pesada, não queria ajuda
Quebrou de um jogador a costela
E chamou o peladeiro de cabidela
E seu time eufórico: “Deus nos acuda”.
Lembro de uma pelada
Num empate sem gol
Time de Mixengo entrou
Xadaigo dava pernada
A disputa era acirrada
Mixengo no banco olhava
O time inteiro apanhava
Queria no final apenas a taça
E dava sorriso, achava graça
Zero a zero o placar marcava.
Numa festa que eles estavam
Esta é a fase vingadora
Um dos maridos da traidora
Levou pessoas que não prestavam
Só porque eles gostavam
De mulher comprometida
Que mesmo sendo perdida
O dono é ruim e quer respeito
E mesmo não fazendo efeito
Dar no cara e fica com a bandida.
Felismina solteirona
Pra Xadaigo queria voltar
Vamos ver o que vai dar
Sentado numa poltrona
Xadaigo pensava na dona
O telefone está tocando
É Mixengo chamando
Mesmo contra Felismina
Que era uma boa vitamina
Chegou lá e foi logo entrando.
Paizinha lá no fim do mundo
Como serpente veio avistar
É que Felismina chegou lá
Disse que Mixengo era imundo
Além de tudo, vagabundo
Paizinha também topou
E nessa noite o cancão piou
Foi chuva forte no sertão
As duas de posse de um negão
Mixengo quando soube se ferrou.
O nome estranho de corno
Ecoou por todo lado
Mixengo como um pobre corneado
De quente passou pra morno
Ninguém botava a mão no forno
O nome de corno que já foi dito
Do amigo leal e maldito
Por todo canto se espalhou
E a molecada se vingou
- “Levasse chifre do Nego Expedito”.
Coitada de Felismina Maria
Veio parar na capital
Ficar com o caba que por sinal
Era safado e ela jamais sabia
E se soubesse não permitiria
O marido tremendo chifrudo
Acima de tudo sortudo
Xadaigo sonso por natureza
Era respeitado como vossa alteza
O contrário apenas ficava mudo.
Felismina ficou enfurecida
Fez pouco e pintou o rosto
E viveu um profundo desgosto
Sabendo que foi traída
Ficou solta sem guarida
Invadiu o cabaré de Dona Maria
Deu nas quengas com ousadia
Tocou fogo nos quartos
Não sobrou nem os sapatos
E provocou tremenda estrepolia.
Na escola Mixengo valia por três
Usava lógica e muita tática
Fera em matemática
Sempre dez em português
Mas da bagunça era freguês
Era da safadeza que gostava
Com Xadaigo se juntava
Mesmo os dois bons de escola
Na sacola, caderno e bola
Na rua “doutor” o povo gritava.
Mixengo fez formatura
Engenheiro de construção
Já Xadaigo era sensação
E a amizade dos dois, que loucura
Está guardada com ternura
Amigos e irmãos na alegria do vento
Como bem reflete o momento
Unidos para sempre na esperança
Toda a amizade é confiança
No riso e no sofrimento.
Usando uma bela corrente
Xadaigo mais safado ainda
Só gostava de mulher linda
Pelos cantos sorridente
Foi num tal Polivalente
Lá conheceu Maria das Dores
Fez jura de vários amores
Tendo Mixengo sabedor
Que o admirava com fervor
Não é que os cabas eram atores!
Meus amigos começa agora
Tudo tem início, meio e fim
Terminando muito ruim
Imediatamente a senhora
Descobriu e muitas deram o fora
Coitada de quem ficou
Uma surra ela levou
Pense numa grande peia
No jantar das seis e meia
Xadaigo furioso se estrepou.
Desta forma chego nesse final
Falando de tudo que já contei
Se nesses versos eu nunca pequei
Já é fato para lá de normal
Vou botar este cordel no bornal
Vender todos eles a quem quiser
Seja um homem ou seja uma mulher
Pois, cada verso escrito tem seu preço
Nessa história da dupla tenho apreço
Eu vou orar pedindo somente fé.
F I M
João Pessoa-PB, 25 de março de 2000.