NAS VESPAS DE UMA INLEIÇÃO

"NAS VESPAS DE UMA INLEIÇÃO"

(Hilário Sonoguetti)

Eu tive a infilicidade de tê nascido na roça

in tarimba de paioça e cumo animá, crescê,

Sem nunca tê lido um livro, onde pudesse aprendê.

E eu digo sem tê vregonha, sô fio de anarfabeto,

Tudo é bronco na famia, desde o avô, o pai e o neto.

Só adispois qui eu vim simbora, de lá daquele fundão

fui que eu sube o qui é iscrita e tive um livro na mão.

Levei mais di 21 ano só pra sabê inscrevê a rabiscá o meu nome

e assuletrá o ABC.

Mais a curpa num foi só mia, nem mermo dos meus maió,

a curpa é só dus guverno, que guverna essa Nação,

e si isquece dus qui vive, interrado nu Sertão,

sem tê cunforto, sem tê iscola, sem sabê o qui é istrução.

Nóis lá, só sabe o qui é bicho, feitiçaria, coisa feita.

U qui é mato, u qui é miséra, u qui é ispinhela e maleita

U qui é frumiga saúva, jararaca, opilação, dô no baço, sarna braba,

Reumatismo e assombração. Tudo qui é ruim, nóis lá sabe,

nóis lá só num sabe, u qui é bão, nóis só num sabe u qui é conforto,

Num sabe o qui é istrução.

Mais uma coisa nóis sabe muito bem, é us dia di inleição.

Si o Dotô quisé qui eu conti, antonce, preste atenção.

vóismicê mi adiscurpa, si tudo num vô contá.

Eu só vô falá das vespas das campanha ileitorá:

- Muito antis da inleição, a gente vem feito besta, incima do camião

a caminho do arraiá. Quando a gente chega lá, tem povo qui só frumiga

E nóis fica tudo inservano, quanta promessa bunita

e mermo adisconfiano, naquilo tudo acridita.

Em cada canto da Praça tem um grupo de inleitô

No meio de cada um dele, tem 3 ou 4 dotô,

qui vem lá da cidade e cada quá qui mais fala, mais promete, mais garante

qui a partí de oje in dianti as coisa vão miorá:

O sol vai sê mais bunito, tê mais luz, mais claridade, vai chuvê semente, arado,

inxada, foice e machado. Vai chuvê pinicilina, pumada, píula, unguênto,

frutificanti...e o dotô inda garanti qui a parti do oje in dianti vai chuvê filicidade.

Num bati boca inferná, arriscano, sai in briga, in tempo di si matá.

U dono dos inleitô, leva a genti pra casa e disgraça a dá café e adispois,

otra disgraça, enche a gente di cachaça inté mais num si aguentá.

E daí num ribuliço, leva a gente pru comiço, pru mode os inleitô orientá.

E aí cumeça a falá e diz qui nóis somo u partido qui o Brasil vai guverná,

qui vamo tê benefiço du guverno federá. Vamo tê instrada nova, Ingreja,

cinema, ospitá, adonde us cabôco tudo, suas doença vão curá.

Seu moço, tem lá quem aguenti cum tanta prumessa boa?

a gente cai direitinho, cumo os pato na lagoa.

Ocê num pode sabê, pur qui razão qui nóis crê, nus ome sem coração,

qui nus faiz tanta promessa, nas vespa di uma inleição...