O ENCRENQUEIRO E A ENCRENQUEIRA EM TRÊS VOLUMES
(Parte I)
Tenho tanto o que fazer
Na tal elaboração
Quando faço este cordel
Tenho farta gratidão
Pro meu prezado leitor
Com amor no coração.
VIU era um sujeito
Com bastante tentação
Vivia aprontando tudo
Em qualquer ocasião
Não escolhia momento
No que se deu na religião.
Um dia o Padre Joaquim
Pároco de Alagoinha
Deu trabalho a VIU
Lhe fez seu coroinha
Por muito tempo o padre
Contou esta ladainha.
Disse que o moleque
Um cabra desajeitado
Quando era coroinha
VIU foi denunciado
Segundo a mulher do prefeito
VIU parecia um tarado.
Foi grande a confusão
A cidade toda parou
O prefeito Zeca Peixoto
Disso nada gostou
Pediu a saída de VIU
E o padre logo aceitou.
Só que VIU não era aquilo
Que a mulher comentava
Nestas coisas eu acredito
Porque ninguém contava
Uma só safadeza de VIU
Que na cabeça passava.
VIU longe da igreja
Pegou mal para o menino
O seu pai agricultor
Lhe desejou um destino
Não queria ele na roça
Preferia tocar o sino.
A mãe uma costureira
Certa feita foi brigar
Com a filha do prefeito
Que estava a papear
Falando mal do seu filho
Mãe nenhuma ia aguentar.
A filha toda pedante
Chamava de cabra safado
Isso a mãe ia se enchendo
E depois: Ele é tarado.
A mãe não suportando
Deixou um tapa marcado.
Bem feito praquela menina
Que não tinha educação
Sabendo disso a sobrinha
Foi tomar satisfação
Puxou os cabelos de Sara
E lhe deu grande empurrão.
A tia vendo a encrenca
Que ali se estabeleceu
Puxou a sobrinha de lado
E dizia: - Veja em que se meteu
Meu Deus do céu
Você na menina bateu.
A sobrinha era danada
E assim falou pra tia:
- Ela tava lhe agredindo
Eu não gosto de putaria
Se ela meter a besta
Eu lhe troco a ventania!
A filha do prefeito sangrando
Pra casa se dirigiu
Com certeza vinha coisa
Já pensava o menino VIU
E falando em voz alta
Foi dizendo: Puta que pariu!
A chegar em casa a mãe
VIU no instante se anima
Pois não sabia que era
A dita cuja sua prima
Era a famosa VAI
Que lhe tinha grande estima.
VIU perguntou a prima
O que tinha acontecido
VAI com a cara lambida:
- Ela teve o merecido!
Sua tia com medo
Esperava só o prometido.
É que a filha do prefeito
Prometeu uma vingança
E foi dizendo a VIU
Sem nenhuma esperança
De contornar o caso
Que ficou como herança.
Foi aí que começou
A história de VAI e VIU
Fiquem vocês sabendo
Vírgula nenhuma escapuliu
Esta é a mulher dupla
Que no Brasil existiu.
VIU disse a prima
Queria ser sacristão
Um pedido de pai
Com amor e devoção
Foi se abrindo com VAI
Com todo seu coração.
VAI era apaixonada
Mas o primo não sabia
Guardava este segredo
Com profunda alegria
Tudo que o primo abordava
Ela num instante fazia.
O prefeito da cidade
Por nome Zeca Peixoto
Vendo o sangue de Sara
Deu um grande arroto
Quem tinha feito aquilo
Com certeza estava morto.
E nesta agonia toda:
- Minha filha me diga?
Foi falando o prefeito
- Como foi esta briga?
A mulher dentro da sala
- Foi aquela rapariga?
Zeca Peixoto ficou puto
E a mandou se calar
Disse que era ele
Quem ia mesmo matar
Pra sua filha Sara
Disse: Onde ele está?
Sara limpou a cara
E disse deixasse com ela
O prefeito fumaçava
E bateu com força nela
Apanhou duas vezes
E adeus galinha com cabidela.
Este era o prato preferido
Da filha do senhor prefeito
Que com lágrimas caindo
Não dava pra ouvir direito
Contar todo o ocorrido
Esconder não tinha mais jeito.
Quando Zeca Peixoto
Soube de toda verdade
Não contou conversa
E usou de brutalidade
Chamou o capanga dele
E partiram para a cidade.
Foram direto à casa
Queriam com o velho falar
Não havia ninguém no recinto
E ficaram a esperar
Os donos estavam na igreja
E quaisquer horas iriam voltar.
O dia era de chuva
E o prefeito deu meia volta
Deixou ali o capanga
Pra entrar naquela porta
Deixar a cabeça de VAI
Toda de um lado torta.
Na volta da igreja
VIU algo estranho sentiu
Quando avistou de longe
O capanga Severino Biu
Que de tanto esperar
Ali mesmo dormiu.
VIU teve uma ideia
E VAI logo apoiou
Querosene pela calçada
E o fogo todo queimou
O coitado do capanga
Por si só se matou.
Pensou estar no inferno
Com diabo ter encontrado
O fogo que ele sentiu
Pagou todo o pecado
Morreu Severino Biu
Naquele dia azarado.
O pai de VIU era devoto
Do Santo Senhor São Bento
Rezou com fé o Pai Nosso
E fez logo um juramento
Pediu ao filho VIU
Que lhe trouxesse o jumento.
Vou fechando este cordel
Estava bem inspirado
Falei de muita gente
Neste drama arretado
Meu tema é brasileiro
Para leigo e letrado.
FIM
João Pessoa-PB, 30 de setembro de 1998.
(Parte II)
Depois desse pedido
O velho muito rezou
Ave Maria e tanto Pai Nosso
E naquela casa se ajoelhou
Sobre a vida do filho
Que no juramento firmou.
Montou no bicho e saiu
Foi direto à delegacia
Falar do fato ocorrido
Que houve naquele dia
O delegado Pereira
Atento ao velho ouvia.
Mandaram tirar o corpo
E fizeram o sepultamento
No cemitério da roça
Por nome Santa Livramento
- Foi o capanga sem parente.
Dizia o homem do loteamento.
O prefeito vendo o fato
Que vitimou Severino Biu
Deixou de lado a história
De perseguir o moleque VIU
Porém a sua filha Sara
Disso não desistiu.
Falou com sua amiga
E foram falar com VAI
Ao chegar naquela casa
Quase que tudo cai
Por sorte não houve nada
Dizia o velho seu pai.
VIU deu-lhe uma rasteira
Que Sara ficou caída
Sua amiga levou um tapa
Que tava tão distraída
E VIU ainda dizia:
- Tome cuidado na vida.
A filha do prefeito
Era uma barraqueira
Só levava desvantagem
E dava uma grande carreira
Prometendo se vingar
Por uma vida inteira.
Desta feita a Sara
Nada ao prefeito contou
Com a amiga Rozilda
Uma dupla formou
Cruzaram os dedos
E um plano mal planejou.
VIU pegou a prima
E foram falar com o vigário
Este não lhe deu ouvido
E lhe chamou de otário
VAI não gostou do assunto
E lhe chamou de arbitrário.
O padre ficou vermelho
E foi dizendo na ocasião
Que tirasse o cavalo da chuva
Nada de ser sacristão
Que fosse ajudar o pai
Na hora da plantação.
VIU não gostou, mas saiu
E VAI foi com ele também
O padre ficou sozinho
E não desejou o bem
VIU combinou com VAI
E foram muito mais além.
Voltaram à paróquia
E vejam o que aconteceu
Pegaram toda a hóstia
E o vinho o moleque bebeu
VAI dizia bem alto:
- O padre se fudeu!
O padre quando voltou
Tava tudo desarrumado
Sentia um cheiro horrível
O altar todo quebrado
Pediu em oração o nome
Mas nada de ser ofertado.
A dupla foi para a casa
Caindo pela estrada
Cada coisa que ouvia
Era grande a risada
Enquanto o Padre Joaquim
Não sabia da palhaçada.
O sonho de sacristão
Queria o pai do moleque
Mas nada forçado presta
Como ataque de beque
Ou deixar o ventilador
E ficar usando um leque.
Queria o menino VIU
Estudar pra ser doutor
A sua prima VAI
Deste assunto gostou
Disse que ia com ele
E feliz se aprontou.
VAI não tinha mãe
O seu pai não conheceu
Morava com a tia
Que logo se aborreceu
Disse que era coisa de homem
E assim procedeu.
Que ela estava proibida
E que só VIU viajaria
Mas a dupla sabendo disso
Alguma coisa aprontaria
Fugiram de madrugada
Com destino a Bahia.
Um menino e uma menina
Pra Cancão nenhum botar defeito
O agricultor seu pai
Foi direto ao prefeito
Não era mais Zeca
Já tinha havido um pleito.
O prefeito agora era
Um governo patriarcal
Tudo que o pai pedia
Atender era o natural
Botaram gente na busca
E só voltaram no carnaval.
Foram para o Ceará
E a polícia nada encontrou
Enquanto na Bahia a dupla
Na folia deitou e rolou
Bebeu numa cabana
E na conta nada pagou.
Os cearenses viviam
No encalço dos baderneiros
Queriam dar fim à dupla
Daqueles dois forasteiros
Que foram parar um dia
Na gruta dos cangaceiros.
Os dois já bem crescidos
Tiveram logo treinamento
Aprenderam a lidar com arma
Naquele enorme acampamento
O Capitão Chico Bondade
Não sabia do atrevimento.
De garra de um fuzil
VIU se chamava Caipora
A bela VAI se chamou
Morena de Pirapora
Esta completo o cangaço
Vejamos o que acontece agora.
O bando de Chico Bondade
Saíram pelo sertão
Levando muita comida
E muita munição
Atacaram povoados
E fizeram distribuição.
O que ganhava o bando
Era tudo distribuído
Quem matasse mais
Seria mais retribuído
O mundo de VAI e VIU
Estava mesmo estremecido.
Depois de muito tempo
Fugiram do tal cangaço
Jogaram as balas no rio
E deixaram aquele pedaço
Neste momento a dupla
Já vivia de beijo e abraço.
VAI e VIU eram juntados
E queriam uma nova vida
Depois da experiência
Curaria uma ferida
De tudo que fosse ruim
Tão logo uma despedida.
Chegaram numa fazenda
E pediram ao dono trabalho
O dono era nojento
E dizia: Vá pra caralho!
E a dupla o fogo acendeu
Como um jogo de baralho.
Deixou chegar madrugada
E os bois todos soltaram
O dono no outro dia
Nunca eles pegaram
Riam de alegria a dupla
Por tudo que aprontaram.
Numa pequena cidade
Resolveu se alojar
Num escritório de lei
Quis a dupla trabalhar
O juiz muito educado
Fez só um se empregar.
Fechando este cordel
Esta tal segunda parte
Vamos falar adiante
Com maestria e arte
Como foram avante
Andando por toda parte.
FIM
João Pessoa-PB, 30 de setembro de 1998.
(Parte III)
Naquele simples lugar
Vejam a situação
Distante ali de tudo
No trabalho contradição
O povo tudo abismado
Só prestando atenção.
VIU ganhou salário
E roupa nova comprou
VAI ficava sozinha na casa
Que logo ele alugou
Aos poucos ia dando certo
Naquele lugar de doutor.
Enquanto naquela cidade
O seu pai velho sofria
A mãe já tinha morrido
De tanta melancolia
Na casa apenas a mãe
A volta do filho pedia.
VIU era casado com VAI
Na igreja dos cangaceiros
Queria casar na igreja
Como todos os brasileiros
Não sentia confortável
Em deixar na terra herdeiros.
VAI com isto penava
Mas não dava o braço a torcer
Rezava todos os dias
Para o casamento acontecer
Sentiam saudade da vida
Mas tudo viam por perecer.
A cidade foi invadida
O lugar foi dominado
O cangaço novamente
Estava ali estampado
Era, porém outro bando
Que ali tinha entrado.
VIU desta vez tremeu
E correu pra residência
Planejou fazer com VAI
Uma arte de resistência
Matar todo aquele bando
E usaria de toda ciência.
Desligou as luzes da vila
E foi grande a escuridão
Cada cangaceiro passante
Perdia logo a mão
Era tanto gemido dado
Assombrou-se o capitão.
No outro dia foi grande
As mãos por todo lugar
Fizeram uma fogueira enorme
E uma e uma se queimar
Neste instante a dona VIU
Queria logo casar.
Nunca mais os cangaceiros
Atiraram em pontaria
Sem as mãos que matavam
Lembravam só daquele dia
Até que fim a igreja
Se enchia de alegria.
Era o casamento da dupla
Que tanta coisa aprontou
A cidade toda unida
E o casal por muito tempo esperou
Ficaram plantados na igreja
E nunca mais a dupla voltou.
A população com muita raiva
Se sentia angustiada
Por ter tratado assim
Depois ser abandonada
Mas agradeciam a eles
Pela aquela história acabada.
Foram para bem longe
E no caminho traquinagem
Davam cascudos em moleque
E era grande a sacanagem
Se viram cansados na estrada
E pararam numa pastagem.
Um velho que ia passando
Lhe chamou de Cancão
Outro de Malasartes
E foi assim por todo sertão
Lá na frente chamaram de Grilo
O segundo nome de João.
Uma senhora de idade
Chamada de Mãe Filó
Disse bem alto pro povo:
- Lá VAI o menino Chicó.
E ele voltando ao passado:
- Vá dar o seu Cê ó Có.
A menina buchuda
Um filho ela esperava
E foi dizendo ao marido
Um desses nomes ela botava
Deixasse nascer o menino
Para ver se ele aguentava.
Sem nenhum tostão no bolso
A dupla à terra natal voltou
Com um filho na tropa
E o pai logo abençoou
O prefeito do lugar
Um bom emprego arranjou.
O Padre Joaquim bem velho
Toda safadeza perdoou
Fez o batizado do menino
E como afilhado adotou
Nunca mais em trapalhada
Aquela dupla pensou.
Malasartes Pedro Cancão
Da Silva Grilo Chicó
Foi o nome do menino
Que não houve algo melhor
Quando crescesse o moleque
Talvez a coisa fosse pior.
Qual o apelido o menino
Com todo esse nome botado
Se chamaria de quem afinal
Por todo sertão afamado?
Esta era uma questão
Que lhe deixou o batizado.
O avô todo contente
Só vivia com Perequeté
Que bem pequeno já pedia:
- Minha mãe eu quero filé
Me traga cuscuz com leite
E um copo de café.
Sara já bem casada
Foi com VAI lá visitar
O marido dela era
O delegado do lugar
Que sabia do passado
E não queria confrontar.
VIU era uma pessoa
De tamanha importância
Chefe da prefeitura
Trabalhador de elegância
Ele e o prefeito de lá
Preferiam a distância.
O cargo de delegado
Dado pelo governador
Na política da cidade
Um era o opositor
Ninguém mais brigava
Viviam na paz e amor.
VAI voltou a estudar
E deu forças para o marido
Que de imediato topou
E ficou comprometido
Com o grana que ganhava
Muito tinha se divertido.
A dupla viveu feliz
Por tudo que aconteceu
Criaram o filho com amor
E o pai bem velho morreu
Até hoje não se sabe
O nome dela e o nome seu.
Uma história marcante
Que não tem apelação
VIU é um mistério
VAI tem muita paixão
A dupla aprontou tanto
Que nem se ouve a falação.
Mesmo depois de tudo
De todo acontecimento
O nome ninguém soube
E nem houve movimento
Todo mundo ficou calado
Para não ter aborrecimento.
A cidade atualmente
Se diz beneficiada
Pelo nome da dupla
Ela é tão procurada
Turistas chegam à cidade
E haja gente perguntada.
Muitos dos pesquisadores
Chegam diariamente
Querem ter a ciência
De tudo de antigamente
A mais velha das beatas
Explica tão calmamente.
Dizendo que VIU e VAI
Eram bons até demais
Que a moça não gostava
De falar com um rapaz
Se juntou com o primo
Que parecia com satanás.
Findo aqui este cordel
E vou pesquisar biografia
Com certeza eu direi
Ou hoje ou qualquer dia
Dizem que o nome da dupla
Talvez João, o outro, Maria.
FIM
João Pessoa-PB, 30 de setembro de 1998.