O CURANDEIRO E A FÉ

Existem coisas na vida

Que só o cordel sabe explicar

Por mais que o cabra tente

Ele não sabe como contar

É preciso umas estrofes

E haja palavra para rimar.

O curandeiro Biu Soledade

Que viveu o conservadorismo

Dentro de uma região

Dominada pelo coronelismo

Sofreu todas as amarguras

Em defesa do espiritismo.

Antes havia só no Brasil

Uma fé dita acolhedora

Era a religião católica

Como sendo merecedora

Vinda das terras de Portugal

Se dizendo possuidora.

Possuía, então a fé de Deus

E vendida como encomenda

Pois Biu, com isto sofria

Na sua tão humilde tenda

Que curava os enfermos

Naquela simplória fazenda.

A perseguição ao curandeiro

Uma espécie de coisa caótica

Biu vivia cercado, porém

Desconheciam a sua ótica

Ele penou feito jumento

Defendendo a macrobiótica.

Naquele tempo ninguém sabia

E Biu de forma carismática

Aplicou cuja alimentação

E fez disto, sua didática

Para prejuízo dos coronéis

Que discordaram daquela prática.

O curandeiro foi se banhar

Debaixo de uma ponte

Quando de repente chegou

A bonita senhora Creonte

Que se apaixonou por Biu

E se abriu novo horizonte.

Creonte era filha primeira

Do coronel Zé Cavalcante

O cabra mais perigoso

De toda a Diamante

Deixando o pobre de Biu

Adentrar pelo calmante.

A partir daquele momento

Creonte marcava horário

Ia direto pra tenda

Que não era o itinerário

Se encontrar com seu amor

Aquele senhor visionário.

Todo o povo da cidade

Sabia daquela crença

Defendida pelo curandeiro

Que não tinha nem licença

Consultava com um bozó

E esta era a sentença.

Biu tinha uma grande posse

Do povo do olho castanho

Talvez seja isto a causa

De levar consigo o rebanho

De tanta gente indecisa

Que só precisava de um banho.

Creonte às escondidas foi

Praquele amor tão medonho

Ao término era um sufoco

Num ato assim tão bisonho

Biu só pensando no sogro

E cada vez mais tristonho.

Creonte lhe dava força

E mudava de roupagem

Atendia os oprimidos

Com sua bela maquiagem

Se preparava a moça

Para entrar na Enfermagem.

O povo de Diamante

Não escondia a insatisfação

Queria contar ao pai

Aquela pouca depravação

Mas poderia se dá mal

Pela falta de provação.

A mulher de Chico Preto

A beata chamada Ivete

Vivia nos quatro cantos

Igualzinha uma piriguete

Espraguejando o namoro

Montada na sua charrete.

Começou naquele instante

O declínio do catolicismo

Muita gente se debandou

Direto pro espiritismo

Mas o padre Pedro Joaquim

Chamava tudo de comunismo.

Diamante pegava fogo

No estudo da ciência

A fé dos coronéis

Estava mesmo em decadência

Havia dentro da igreja

Uma grande divergência.

Um grupo se posicionava

A favor do Biu curandeiro

Outro simplesmente odiava

A fé daquele forasteiro

Que chegou a Diamante

Dando uma de enfermeiro.

Na parte dos coronéis

Só se falava em adultério

Pesquisando a vida de Biu

Descobriram seu batistério

Seu nome completo era

Severino da Silva Silvério.

Creonte toda contente

Não gostava de pilhéria

Disse umas poucas e boas

Pra senhora dona Quitéria

Que andava de pé inchado

Devido a uma bactéria.

Era grande o cinismo

Pregado em oratória

O padre Pedro Joaquim

Batia sempre a palmatória

Dizendo praquele povo

Que só Jesus era a glória.

Condenando o curandeiro

Lhe chamando de faminto

Estrangulador de consciência

Diabo de péssimo instinto

E assim agredia com palavras

Aquele Biu tão distinto.

Dentro desta divisão de poder

A igreja saiu perdendo

O povo achou por bem

Não está se comprometendo

Não poderia compactuar

Com o ódio ali nascendo.

O número de fiéis caiu

E o padre foi à loucura

Saiu no seu cavalo Piaba

Picado por uma tanajura

Voltou à casa paroquial

Pra cuidar de uma tontura.

Enquanto isto na tenda

Cuidava bem o andarilho

Ao lado de sua Creonte

Recebia um maltrapilho

Que tinha fé no curandeiro

Lhe chamando de meu filho.

Foi preciso o bispo Soares

Vindo lá da capital

Dar posse um novo padre

Que era homossexual

Tinha um olho pequeno

Igual o povo oriental.

O padre Pedro Joaquim

Não tinha onde ficar

Foi pedir abrigo a Biu

E foi com ele morar

Pediu perdão de joelho

E com isto foi se curar.

Com fortes dores no corpo

O padre teve uma diarreia

Andava abrindo os braços

Igual como fosse centopeia

Foi curado com a pomada

Por nome dona Galiléia.

O padre achou engraçado

Aquele nome escrito

E quando já estava bom

Deu um enorme grito

Quando avistou Creonte

Foi logo criando atrito.

Creonte falou pra ele

E lhe chamou de arbitrário

Que não se zangasse o padre

Porque tudo era temporário

Que o pai depois sabia

E este novo usuário.

Biu mandou ter calma

Aquele grande dissabor

Creonte ficou calada

E mais nada falou

Enquanto o padre chorava

Porque foi ali que se curou.

O padre pediu desculpa

E ofereceu seu agasalho

O curandeiro apenas pediu

Que fossem todos ao trabalho

Aprender a jogar bozó

Dama, dominó e baralho.

A fila era, porém, intensa

E chegava uma nova epidemia

A cólera estava matando

E muita gente ali sofria

Pois depois de algum tempo

Houve também pneumonia.

O curandeiro Biu precisou

Usar com força o seu charuto

E com aquele jogo na mesa

Que era o seu atributo

Livrar toda a população

De um coletivo luto.

O empenho foi enorme

E houve muito envolvimento

Os três precisavam livrar

O povo daquele sofrimento

E isto foi muito bem realizado

Havendo então melhoramento.

A mãe de Creonte seguiu

Aquela grande trilha

E já desconfiava ela

Que fosse uma quadrilha

E com isto descobriu

O paradeiro de sua filha.

Ela não acreditou, nunca

Naquilo que estava vendo

A sua filha única na tenda

E até gente benzendo

Ao lado daquele homem

Com o diabo se parecendo.

A mãe não teve coragem

E pra casa ela voltou

O coronel Zé Cavalcante

No entanto, desconfiou

Chamando aquela mulher

Ele tossiu e perguntou.

O que estava acontecendo

Que ela estava patética

Estava tão transformada

Igualzinha a uma esquelética

Modificando por completo

A sua bela estética?

Noêmia ficou tão triste

E nada quis responder

O coronel ficou tão bravo

Que o mundo fez escurecer

Perguntava pela filha Creonte

E de tudo queria saber.

A mulher não conseguia

A respiração meio confusa

Soltava dos seus cabelos

Fios de sua blusa

E ela deu um sorriso

E entrou numa reclusa.

O coronel por toda casa

Ficou bastante furioso

Fumou vinte cigarros

E cada vez mais duvidoso

Onde estaria a sua filha

De um pai tão rigoroso?

A resposta nunca chegou

Num momento tão vulnerável

De repente a filha chega

E se torna memorável

O pai completamente louco

E sua filha com ele amável.

A mãe saiu do quarto

E olhou desconfiada

Creonte abraçando o pai

Deu logo uma conversada

Abriu depressa o jogo

Não ficando nada.

O pai deu um piripaque

E ali mesmo ele caiu

Às pressas chegou correndo

Aquele curandeiro Biu

Que deu vida ao velho

Onde a ficha logo caiu.

Dona Noêmia chorava

E foi grande a emoção

A partir daquele momento

Biu ficou sendo a salvação

Do lugar chamado Diamante

Bem no centro do sertão.

O espiritismo foi respeitado

E teve muita simpatia

Das bandas do católico

Foi intensa melancolia

Todo mês mudava o padre

Pro devoto uma agonia.

E assim o cordel termina

Um drama religioso

Deixando para o leitor

O seu lado atencioso

Nesta ideia de ficção

Que deixa o ser mais generoso.

BENTO JUNIOR
Enviado por BENTO JUNIOR em 09/08/2024
Reeditado em 23/09/2024
Código do texto: T8125548
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