A LENDA DO VELHO CHAPÉU
Naquele lugar distante
Quase pertinho do céu
Quis encontrar certa feita
Com a Maria Troféu
Pra falar de tanta coisa
Dum tal de Velho Chapéu.
Ela foi me prevenindo
Da lenda desse lugar
Velho Chapéu foi doutor
E gostava propagar
Seu casarão de cem portas
Feito só para alugar.
Na esquina do chafariz
Povo vive fofocando
Tantas histórias do velho
E o medo vai sufocando
É cada uma que contam
E a Troféu vive marcando.
O Velho Chapéu foi rico
E tudo levava a sério
Foi doutor num hospital
Que hoje é um necrotério
Dizem os mais devotados
Que tudo é um mistério.
Depois que dá meia noite
Relógio bate e dispara
Um gemido nas calçadas
E a igreja toda prepara
Um badalo de chocalho
E toda cidade para.
Montado num cão vestido
O velho dá seu sermão
Com bastão de goiabeira
Tragando aquele limão
Descendo de rua em rua
Chamando tudo de irmão.
O velho doutor dali
De nome Zé Serafim
Trabalhou no hospital
Nosso Senhor do Bomfim
Tinha bela dentadura
Tantos dentes de marfim.
A cabeleira charmosa
Os olhos da cor do gato
Desmanchava corações
Naquele lugar do mato
As moças namoradeiras
Lhe davam sempre retrato.
As fotografias tiradas
Pelo doutor da cidade
Todas elas recheadas
Numa grande mocidade
Estando no consultório
Que tamanha felicidade.
Numa tarde de dezembro
Quase perto do Natal
Serafim fora chamado
Prum parto na Capital
Que tristeza no lugar
Nas portas do hospital.
O doutor demorou tanto
Que logo se festejou
A entrada de ano novo
Que todo mundo planejou
No dia dez de janeiro
De novo, ele viajou.
Foram tantas as viagens
Serafim sempre a fazer
A fama desse doutor
Foi tema dum bom lazer
As moças e as senhoras
Só falavam em prazer.
Montado num cão vestido
O velho dá seu sermão
Com bastão de goiabeira
Tragando aquele limão
Descendo de rua em rua
Chamando tudo de irmão.
Montado num cão vestido
O velho dá seu sermão
Com bastão de goiabeira
Tragando aquele limão
Descendo de rua em rua
Chamando tudo de irmão.
Velho Chapéu só me lembra
Morador d`outro planeta
Figura quase lendária
O bastardo de proveta
Um doutor de nome fácil
Me falou Chico Perneta.
No chafariz da cidade
É um lugar de fofoca
Velho Chapéu é um santo
Inventou jogo de toca
Nas pescarias da vila
Fez jereré cair na loca.
Velho Chapéu chafurda
Não gosta de frescura
Anda descalço na casa
Diz ter o poder da cura
Não ver nada de ruim
No máximo é uma loucura.
Já me sentei tanto tempo
Com este Velho Chapéu
Para pedir explicações
Ele me mandou ir pro céu
Comer tanajura assada
E botar na cabeça um véu.
É implicante esse cabra
Não há nada que satisfaça
Se come diz ter baita fome
Se não, fala como trapaça
Velho Chapéu não quer
Viver fazendo pirraça.
Não posso nada falar
Se não tenho importância
Vou viver de contar caso
Mesmo sendo ignorância
Velho Chapéu não fuja
Mostre que tem elegância.
Velho Chapéu ganhou fama
No topo das amarguras
Sonha com dias melhores
E vive solto em agruras
Come o que não se pode
Nas cascas das tanajuras.
Velho Chapéu nunca soube
valorizar todo seu instinto
É selvagem que não perde
E quando ganha, diz sinto
Como se a vida não fosse
Resultado de todo seu minto.
Um dia, bem distante daqui
Velho Chapéu vai sofrer
Com a aba solta no vento
É bom tá vivo pra ver
Aquele homem triste
Na cama se debater.
Velho Chapéu já perdeu
As virtudes de ser gente
Esconde todo passado
E se diz intransigente
É o segredo que toda cidade
Faz pro Chapéu exigente.