O Céu do Trabalhador
Nasci nesta terra santa
E foi aqui que me criei
Onde hoje ninguém planta
Como outrora eu plantei
E as pragas ninguém espanta
Como outrora eu espantei
No porão tem uma enxada
Que há muito tempo eu usei
Mas hoje ela não faz nada
Pois ninguém capina igual eu capinei
Vive na parede escorada
Do mesmo jeito que eu deixei
Ao seu lado tem um rastel
Que o tempo enferrujou
Encostado no painel
Ninguém mais o pegou
Matou muita cascavel
Que nos seus dentes se enrolou
No chão perto da porta
Tem uma botina rasgada
Ta velha toda torta
Mas me ajudou muito na roçada
E se não fosse pela bota
A cascavel dava picada
Do lado do galinheiro
Tem a minha velha foicinha
Que eu guardava no terreiro
Alí perto das galinhas
E cortava o mato inteiro
Logo de manhãzinha
E as galinhas me acordavam
Todo dia de manhã cedo
Eu tratava, elas pulavam
Não tinham nenhum medo
E cada ovo que botavam
Elas faziam um gritedo
Na garagem meu opalão
Todo sujo e empoeirado
Que numca mais usei então
Desde que eu fiquei aleijado
Acho que nem liga mais não
De tanto tempo que está parado
A carretinha de boi
Encostada no galpão
No passado ela foi
A principal locomoção
Carregava milho, "arroi"
E vendia no rincão
O meu cachorro companheiro
Há muitos anos me deixou
Lembro do aventureiro
E como esse nome ele ganhou
Pois saía o dia inteiro
Mas um dia não voltou
Só tenho uma fotografia
Antiga e desbotada
Quem tirou foi minha "fia"
Que hoje não tem parada
Vive na cidade em correria
Nunca vem na minha morada
Muita sorte tive eu
Minha esposa era trabalhadeira
Um dia até aprendeu
A ser uma costureira
E quando ela morreu
Eu chorei a noite inteira
No pé da escada está
A minha máquina de veneno
Que um dia foi "estragá"
Bem no meio do terreno
E eu levei pra "arrumá"
E o estrago era pequeno
A motossera guardada
Nem sei se funciona ainda
Que um dia cortei uma galhada
Pra minha velha Florinda
Fazer uma bancada
Que ficou de muito linda
Eu só recordo do passado
E choro quando me lembro
Do trabalho no arado
De Janeiro a Dezembro
Buscando ter "enricado"
Foi que perdi a força dos "membro"
Hoje não posso mais andar
Pra tudo eu dependo
Mas dos anos que fui trabalhar
Eu nunca me arrependo
E se pudesse continuar
Eu estaria fazendo
Mas eu não posso reclamar
Vivi uma vida abençoada
Tenho boa casa pra morar
Na mesa não falta nada
Só a saudade que segue a me maltratar
Por não ter mais a minha amada
Que com deus foi morar
Está bem acompanhada
Esperando eu chegar
Pra fazer a feijoada
Ela sabe cozinhar
Por que ela é moça prendada
E lá no céu vou ter uma casa
Pode ser pequenininha
Terei um belo par de "asa"
Destas bem "branquinha"
E um fogão sempre com brasa
Pra manter a casa quentinha
Um retrato da minha filha
Na parede, sorridente
A minha doce Ana Emília
Fruto do amor da gente
Que no mundo tanto brilha
Pois quando canta o povo sente
Eu me despesso agora
Sinto uma dor forte no peito
Emfim chegou a minha hora
Agora vou e não tem jeito
Sei que tô indo embora
Mas parto satisfeito
Pois vivi com alegria
Praticando sempre o bem
Como minha mãe me dizia
Filho escute bem
Se ajuda, alguém lhe "pedi"
Ajude com o que tem
Adeus meu caro leitor
Parto para a eternidade
Deixo o resto de amor
E a minha integridade
Pois hoje o homem trabalhador
É o dono da verdade
Traz o principal sustento
Para essa sociedade
Não falta água e alimento
Sempre há saciedade
E faz tudo com sentimento
De gratidão e humildade
Encerro este cordel
Com o meu agradecimento
Quero andar no carrossel
Fazer corrida de jumento
E chegar logo no céu
Pra fazer meu casamento
Encontrar minha Florinda
E a nossa casinha pequena
Sei que ela está linda
Como sempre, tão serena
Partirei hoje ainda
Para ver minha morena