O AUTO DOS CANGACEIROS

Meus Senhores e senhoras

Já penamos um bocado

Estamos no alto da serra

Vamos entrar no povoado

Nos chamam de cangaceiros

Porém, somos justiceiros

O povo tá do nosso lado.

Andamos neste sertão

No cantar da juriti

Passando por macambira

Provando do sapoti

Nadando nas correntezas

Vibrando nossas riquezas

Feito bicho jabuti.

Vivemos sem entender

Esse tão grande mistério

Vítima duma emboscada

Perdi até meu batistério

Naquele final de mundo

Demos fim a vagabundo

Que mora no cemitério.

E nessa compensação

Perdi homens de confiança

Foi gente por todo lado

Quase perco a esperança

Bala raspando a cabeça

Inda tem quem se padeça

Com os macaco de matança.

O nosso bando espalhou-se

Mas, cumpriu o seu papel

Vamos sair com mil contos

De Barra de São Miguel

Levando pra Boqueirão

Saudações de Ribeirão

Que a seu Estado é fiel.

Sebastião do Chocalho

Se encontra muito arrasado

Porque a mulher Anastácia

Do grupo foi debandado

Para o bando ela não veio

Perdeu-se no tiroteio

Não sabemos pra que lado.

Ele recebe uma carta

Que a mulher fez foi fugir

Como um rastilho de pólvora

Na fumaça a viu sumir

Naquele solzão que brilha

Depois voltar pra sua trilha

De onde não queria sair.

Sebastião fica choroso

Caga Sibito não ignora

Para não olhar para trás

Pegar que restou e ir embora

Aqui no cangaço tem

Vai um amor e vem cem

Melhor não chorar agora.

Você é Rei das Caatingas

Tem poder e é famoso

O sertão lhe reconhece

Homem forte e corajoso

É um grande idealista

Honra a família Batista

Do seu Ceará saudoso.

Vamos refazer o bando

Pra passar noutras tapera

Temos uma longa viagem

Quem ficou para trás já era

Vamos traçar o roteiro

Pra chegar no Juazeiro

Padim Ciço nos espera.

Sebastião instroi o grupo

Faz plano dentro do mapa

Pensando nas emboscadas

Para viver cada etapa

Aqui nenhum pode ser fraco

Das armadilhas dos macaco

Só quem tem juízo escapa.

Pra falar com meu Padim

Um grupo vem, outro de vista

Cabra nos dá cobertura

Não quero surpresa imprevista

Depois a gente reveza

O motivo que nos preza

É a benção cordelista.

Essa benção é importante

Afasta toda desgraça

No verão as folhas caem

Onde há fogo, há fumaça

Meu Padim vai me dizer

Um jeito de se esquecer

Quem me fez grande trapaça.

Eu falo é de Anastácia

No tiroteio debandou

Não sei nem do paradeiro

Nem por onde ela andou

Mesmo assim peço uma reza

Pra quem somente despreza

Aquele que somente amou.

Padim Ciço com saber

Entendeu todo lamento

Sebastião do Chocalho

Deixou pra si o sofrimento

Seus amores do passado

Estavam com dias contado

Para novo sentimento.

Sebastião do Chocalho

Não é pintura de aquarela

Mas a seca do sertão

Nos obriga a esparrela

Fazendo o povo sofrer

E Sebastião não esquecer

Uma mulher como aquela.

Vamo simbora minha gente

A procura de um lugar

Pra botar comer no bucho

Tomar banho e descansar

Refazer nossas energias

E antes do raiar do dia

Está de pé pra viajar.

E na grande Juazeiro

Sebastião se atrapalha

Para andar na cidade

O bando comete falha

Mas, ficam lisonjeados

Cada um condecorado

Com uma bendita medalha.

Padim Ciço ouve as queixas

Pedidos e reclamação

Do tratamento do governo

Com o povo do sertão

Reza para que ele viva

Dá uma benção coletiva

Ao Grupo de Sebastião.

Sebastião volta orgulhoso

Como quem surge da lama

Além de forte e valente

É poderoso e tem fama

O Estado sabe num instante

Organizando volante

Pra resolver essa trama.

Está na hora de recuar

Começa outra ascensão

Do grupo de Virgulino

Conhecido por Lampião

Isto é história, não é folclore

Esses dois foram os maiores

Bandoleiros do Sertão.

Meus Senhores e Senhoras

Essa foi a transição

Que demarcou as divisas

Do Cariri ao Sertão

O Reinado dos cabra mofino

Começa com Antônio Silvino

E termina com Lampião.

Meu Nordeste ainda tem

Muita história pra contá

Paraíba e Pernambuco

Da Bahia ao Ceará

Alagoas e Sergipe

Das terras do Caga Sibito

No Piauí vamos chegá.

Cangaceiro bom ou mau

Deixou livre meu sertão

Este tema é atual

Hoje assola o Maranhão

Quando é tempo de campanha

Politiqueiro barganha

É cangaceiro de eleição.

E ainda chama de excelência

A quem deixa o povo com fome

Os coronéis da existência

Sobe à cabeça do home

Com tanto avanço na ciência

Ou no mundo há só demência

Ou ladrão mudou de nome.

Se o cangaço foi ruim

Quem somos pra criticar

Se foram deuses ou diabos

Nossa história irá contar

E jamais serão esquecidos

Condenados ou absolvidos

Só o tempo vai julgar.

Naquele tempo as injustiças

No cabresto que dava o nó

A herança da escravidão

A serviço do majó

Não existe mais cabra macho

Vem de cima para baixo

E a bandidagem é maió.

O cangaço saiu do mato

O tronco saiu da senzala

O crime tem gabinete

Brasília é a grande sala

No paraíso dos corruptos

Os processos que são abruptos

Acontecem em grande escala.

Os cangaceiros modernos

Estão em todas as cidades

É de dentro para fora

A invasão da modernidade

Estamos na era do drone

Os chefões ficam no fone

E comandam atrocidade.

Essa trama nordestina

Que acabamos de contar

É com base no folheto

Que fomos representar

O Grupo Circo sem Pano

Do teatro paraibano

Tem arte pra fomentar.

Meu público dê licença

Pro Auto dos Cangaceiros

Personagens populares

Maior parte já parceiros

Do cangaço nordestino

Que gravaram seus destinos

No caos dos trapaceiros.

Essa peça popular

Feita com delicadeza

Vem tratar de certa forma

Esse tema de grandeza

No cordel eu me agarro

Bento Júnior, João de Barro

É dupla de gentileza.

BENTO JUNIOR e JOÃO DE BARRO
Enviado por BENTO JUNIOR em 27/07/2024
Reeditado em 24/08/2024
Código do texto: T8116114
Classificação de conteúdo: seguro
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