A LENDA DE DONA INÊS
Ouvindo várias histórias
Destas tantas, que contadas
Vão ficando na memória
Com o tempo, retiradas
São portanto, oralidades
Formando sociedades
Lá na frente publicadas.
Depois de ter lido tanto
Um monte de formadores
Me deparo bem no centro
Na terra dos bons amores
Eu falo de Dona Inês
Que me mostrou neste mês
O que digo pros senhores.
Pois bem, já vou começar
E nesta trama se prenda
Dona Inês, grande lugar
Vem de fato duma lenda
A filha duma paixão
É pra termos compaixão
Linda moça montou tenda.
Nas palavras verdadeiras
Dos vaqueiros de partida
As maldades diziam
Duma Inês bem conhecida
A jovem branca, contente
Com um afrodescendente
Vem pra terra prometida.
Numa sombra do cajueiro
Inês com seu grande amor
Provocou tantos enredos
Causados por tanta dor
Seu pai de grande riqueza
Nunca gostou da pobreza
E nem de ser perdedor.
Depois da fuga da filha
O pai bem desesperado
Contrata gente com força
Pra pegar o namorado
Botar dentro da cadeia
Depois entupir de peia
Mas, tudo foi fracassado.
O grande feito da moça
Foi ficar na nova terra
Pra se casar com o jovem
Naquela tão vasta serra
Inês nossa memorável
A brejeira responsável
Dos amores sem ter guerra.
O seu pai já conformado
Na filha sempre pensou
A mãe triste lastimava
Todo tempo que passou
Inês plantou seu destino
Neste solo nordestino
Nunca, porém, se cansou.
Bem debaixo do cajueiro
Dois seres contemplavam
Rapaz negro com valentia
Com a branca se amavam
Com o tempo não se sabe
Num só cordel nunca cabe
Confusões se espalhavam.
Os vaqueiros que viram
Contaram que sabiam:
- Fiel amor perseguido
Que todos percebiam
Pois, tudo que foi contado
Precisa ser estudado
Nas fontes que bebiam!
Onde tudo sucedeu
No momento tem pedreira
Grandes caminhões lotados
Estão subindo ladeira
Os homens vão trabalhando
Caminhos se transformando
Nesta terra brasileira.
No lugar que conheci
Dona Inês virou cidade
A filha duma paixão
Uma lenda de verdade
Que sobrevive no tempo
Por vezes tem contratempo
Causando simples saudade.
Inês é mulher guerreira
De profundo coração
Na batalha feminina
Não buscou contradição
É lenda pra ser lembrada
Neste lugar festejada
Pro povo ter tradição.
Com esse tempo passado
Se perdem tantas histórias
Depois de ser rejeitada
Pelo pai das palmatórias
Naquele tempo cruel
Inês foi sempre fiel
Nas frases das oratórias.
Nestes caminhos por cima
Das pedreiras existentes
Inês com seu lindo amado
Rompeu bastante correntes
No caminho que chegou
Nesses mesmos trafegou
Com a fibra dos valentes.
Inês nunca quis riqueza
Quis ter amor pra viver
Na fuga familiar
Preconceito conviver
Seu pai sem ter a virtude
Discriminou negritude
Precisou sobreviver.
Foram tantos desencontros
A percorrer os caminhos
Vaqueiros daquele tempo
Trouxeram seus pergaminhos
Oralidades foram tantas
Das quais são palavras santas
Cortando todos espinhos.
Construir um lar decente
Para viverem em paz
Custou caro pro casal
Um tanto mais pro rapaz
Sem condição financeira
Pra viver na ribanceira
Inês nunca foi capaz.
Como dois bons andarilhos
Daquele pé de caju
Foram trilhando estradas
Pro tal curimataú
- Vaqueiros, cadê vocês?
Pergunta um camponês
Chupando um doce umbu.
A população local
Nas pedras fez a pintura
Mostrando aquele casal
Que faz parte da cultura
Inês com o seu parceiro
Naquele lindo cajueiro
Formou bela criatura.
O tempo prega resposta
Ninguém pode confrontar
Inês é literatura
Cordelistas vão pautar
Faz parte desse folclore
Importante que decore
Pra sabermos enfrentar.
A filha duma paixão
É mote que dá turismo
Em Dona Inês tem cachoeira
Nos poemas do lirismo
Estreito nome de vida
Subindo, também descida
Pra curtir o paisagismo.
Esta lenda que vos conto
É luz para quem vier
Carrega consigo paz
Vinda da nobre mulher
Que soube viver seu mundo
Num amor mais que profundo
Pra ter um lugar qualquer.
Falamos desse suplício
No cordel neste momento
Casal que vive fugindo
Brota muito sofrimento
Vaqueiros buscando gado
Divulgaram no povoado:
- Inês puro sentimento.
São tantos que souberam
Deste tão forte romance
Nas bocas daquele povo
Segredo não tem relance
O pai da moça vencido
Morrendo mais que sentido
Por fim nunca lhe deu chance.
Chance, para quê, meu Deus?
Para sarar a ferida?
Cicatrizar toda mágoa
Das chuvas sem ter guarida?
Inês pensou ser condor
Esqueceu todo pudor
Da sua prole querida.
Esse jovem escolhido
Não teve seu batistério
Naquele tempo passado
Tudo se torna mistério
O casal quis ser viajante
Tal qual um viver brincante
Pra isto não tem critério.
Toda lenda causa sonhos
Muitos dos quais, que vividos
Despertam as reflexões
Outrora tão revividos
No leito dos que choram
E por vezes imploram
São termos dos atrevidos.
Inês nobre caminhante
Dessas grandes serras verdes
Vista debaixo das sombras
Daquelas que matam sedes
Fruto dos pés de cajus
Dos amores dos exus
Deitado dentro das redes.
Jovem afrodescendente
Enfrentando preconceito
Viveu com Inês sorrindo
Naquele maior respeito
O casal quando prospera
Virtude somente espera
É muito mais que direito.