Duelo Em Galope à Beira Mar

Cairo Pereira vs Natal Barros Castro

Cairo - Eu tava de boa no meu bom divã,

Sentado, comendo, assistindo tevê,

Porém veio um cabra pedindo mercê:

- Me venha com força, com fé, com afã.

Pensei cá comigo: "Esse sim é meu fã,

Deseja uma pisa no lombo levar,

Talvez queira abraço, talvez duelar,

Matar a saudade com salva de bala."

Então, eu fui vê-lo, o repente meu fala,

Cantando galope na beira do mar.

Natal - Saí de Goiânia, feliz de manhã,

Peguei o avião e cheguei com conforto,

O Cairo - coitado! - vai ser, hoje, morto

No bairro que aqui se chamou Sacomã.

Despeça do pai, dos avós e da irmã,

Seu fim certamente eu irei decretar,

Não pense que escapa, pois vou lhe pegar,

Torcer seu pescoço, quebrar sua cara,

Fazendo ferida que nunca se sara,

Nos dez de galope na beira do mar.

Cairo - Eu vejo que não tens vergonha na cara,

Talvez isso seja tremenda loucura!

Porque, como pode uma hostil criatura

Colar noutra goma sem faca, sem vara,

Canhão, canivete, escudo que ampara,

Dizer fazer tudo com seu linguajar?

Tu não és leão, nem hiena ou jaguar!...

E se eu for falar do pecado da deixa,

Serás jacaré fora d'água que queixa,

Cantando galope na beira do mar.

Natal - Pra mim é moleza, é um suco de ameixa,

É como tomar do inocente bebê

A bala, o docinho, o brinquedo, o pavê...

Conheço que é vate que tanto desleixa

Na rima, no verso você sempre deixa

Sinais de feiura pra quem pesquisar,

Produz baboseiras, nem quero lembrar,

Por isso pretendo lhe dar uma sova,

Deixá-lo chorando, com medo da cova,

Nos dez de galope na beira do mar.

Cairo - Pra mim esse ideia parece ser prova

Que o quengo do mulo não tem é noção,

Mas no Sacomã vou deixá-lo no chão

E tu vais contar em Goiás essa nova:

"Eu fui pra São Paulo fazer uma ova,

Levei uma pisa, doeu pra lascar,

O Cairo Pereira me fez é torar

Com rimas perfeitas de bom cantador,

Pedi seu perdão, implorei, por favor,

Nos dez galope na beira do mar.

Natal - Cheguei a São Paulo, toquei o terror,

Dei tiros, pancadas, tabefe e rasteira,

Rodão nas orelhas do Cairo Pereira,

Por ser um poeta que não tem valor,

Não passa de alguém simplesmente impostor

Que diz um bom vate, nem sabe rimar;

Seus versos são fracos, não vou respeitar!...

É coisa de quem nunca foi numa escola

Só tenta e peleja, mas sempre se enrola!

Nos dez de galope na beira do mar.

Cairo - Eu vi que Natal andou muito na sola

E viu um noiado fumando maconha,

Falando de fada, de bruxa, cegonha...

Co'o cheiro tão forte da pura marola,

Natal Barros Castro virou um boiola

Contando vantagens de tanto pensar

Que a brisa do verde não ia passar,

Mas quando passou, soluçou deprimente,

Pois viu que Pereira é machado potente,

Cantando galope na beira do mar.

Natal - O Cairo, se sabe, é menino indecente,

Inventa fofoca, não tem nem vergonha,

A cara mais lisa, um jumento, um pamonha

De dia e de noite, esse cara só mente,

O povo percebe, mas ele nem sente,

Não fala a verdade, só faz delirar,

É noia, que vive na Sé a fumar

Correndo dos homens, batendo carteira,

Assim, muito fuma e também muito cheira,

Errando o galope na beira do mar.

Cairo - Já vi que tu queres passar a rasteira,

Mas tua canela parece palmito,

Lisinha igual moça, porque teu cambito

Tem praxe de quem vai sair na carreira;

Eu quebro o teu rodo, te levo à poeira,

Teu olho castanho se vai roxear

Dos belos supapos que vou lhe emprestar,

Depois tu me pagas ensinos, favores,

Fazendo cordéis para mim com louvores,

Cantando galope na beira do mar.

Natal - Ouvi sobre ti, que mereces as flores

Coroas daquelas que têm no caixão,

O prêmio de quem sempre foi um ladrão,

Desfrutas da raiva de mil moradores,

Pois são dos teus erros os mais sabedores,

Desejam um dia teu corpo velar

Na cova mais funda o cadáver deixar,

Ninguém é amigo ou quer ser teu vizinho,

Tu segues teu rumo, porém vais sozinho,

Perdendo o galope na beira do mar.

Cairo - Parece que o efeito do verde fininho

Te fez adentrar no profundo sarcófago,

Agora virou, de poeta a necrófago,

Mas diz no palanque que és dúlcido arminho,

Teu verso é uma pétala, essência de vinho,

Aquele Cantinho do Vale do bar,

Sugiro que pegues o rumo do lar,

Aqui tu arranhas qual disco riscado,

Enquanto, cantando, sou bem coroado,

Nos dez de galope na beira do mar.

Natal - Eu sou um poeta bastante afamado,

Produzo bons versos que o povo se agrada,

Já Cairo só leva tabefe e mais nada

E dizem que o moço já foi encontrado

Rodando a bolsinha, querendo um trocado,

Porém para o fumo não pode arranjar,

Porque a feiura é um troço sem par

Nem mesmo um bebum jamais tem a coragem,

Parece uma bruxa, tem livre passagem...

Na rua, na esquina, na beira do mar.

Cairo - Natal Barros Castro, teu verso é lavagem,

A rima é mais pobre que a Venezuela,

A estrofe parece ser de uma donzela,

A ideia não serve pra gado em pastagem,

Mas veio de longe, na grande viagem,

Pensando que iria meus versos parar,

Eu posso ser pobre, mas sou salutar,

Não faço barganha, não uso um falsete,

Oh, peças licença no meu gabinete

Ou ponho o nariz teu no fundo do mar.

Natal - Se pensa em vestir-se com forte colete,

Achando que vai escapar de uma bala,

Revólver eu tenho e se o bicho não fala

Eu cubro o safado de tapa e porrete

Que fica tão mole, parece um sorvete,

E foge pra longe, quer outro lugar

E pede pra todos pra não dedurar

Com medo de ter que sofrer mais chicote:

É peia, é lamento, é tortura é pinote,

O couro comendo na beira do mar.

Cairo - Agora que vi teu Caribe num pote!

Tu tens couro mole? E eu que tenho chibata?

É cada vergão onde quer que ela bata,

Porém te garanto, prefere frangote

Assim como tu, porque sou um coiote

E tenho razão para não arregar

Pra parvo matuto com medo de andar

De trem, de metrô, de busão ou calçada,

Eu sou Lampião, já tu és uma fada,

Cantando galope na beira do mar.

Natal - Um certo rapaz quer ser meu camarada,

Quer ter minha força, quer ter o meu porte,

É fraco, porém pensa ser alguém forte,

Mas vate sem graça que não pensa nada,

Se surge na rota da minha jornada,

O couro do bobo eu já mando tirar,

Os ossos pra os cães eu ordeno jogar,

Pois nunca vou ser um parceiro de lixo

Que faz o seu verso sem ter o capricho,

Dos dez de galope na beira do mar.

Cairo - Parceiro Natal eu sei, fiz grande esguicho,

Mas foi brincadeira, tu és um poeta

Com métrica, rima, oração predileta

Em todo o Brasil, pois cordel é teu nicho,

És fera demais, e eu não faço cochicho,

Eu falo a verdade pra o mundo escutar,

Tu és meu amigo até mesmo ao cantar,

Que Deus o proteja, te guie na lida,

Que tu nunca saias da trilha da Vida,

Cantando galope na beira do mar.

Natal - O Cairo não é um maluco ou suicida,

É meu irmãozão, que reside em meu peito,

Brinquei quando disse que foi mau sujeito.

É vate dos bons, produção na medida,

Perdi na peleja, ganhei para a vida

Lições de respeito e de como versar.

Passamos a noite em um santo lugar

Alegres, felizes, fazendo cordel,

Em Cristo dou graças ao Deus de Israel,

Cantando galope na beira do mar!

Cairo Pereira e Natal Barros Castro
Enviado por Cairo Pereira em 20/07/2024
Reeditado em 20/07/2024
Código do texto: T8110614
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2024. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.