Cordel da Despedida
Eita saudade brejeira do meu passado
Lembrança escorrendo feito mel cru
Uma trilha de estrada no meio do roçado
Um brejo, um açude e cheiro de biju
Aperto no peito e a vontade de aboiá
Eu era meu sonho menino encantado
No canto dolente do vaqueiro Lindú
Meu mulão Dolores pulando o cercado
Ganhando o mundo de mandacaru
Meu sertão saudoso no peito arroxado.
No galope do tempo outrora compassado
Me fiz homem na invernada e em todo o estio
Foi um tempo eu lembro muito agraciado
Onde o solo da vida foi generoso e gentil
Até que um dia encontrei naquele lugar
Um olhar afiado feito punhal no esmeril
A filha do patrão me deixou acanhado
Até hoje esse segredo ninguém descobriu
Recordo a primeira noite de um beijo roubado
Na última lua cheia do mês de abril.
A medida do tempo é o instante renovado...
Presente e passado com dó me assistiu,
Saudoso tentei te guardar no passado,
Mas a saudade brejeira nunca me resistiu.
Um dia eu cansei de tua volta esperar
O encanto murchou e a saudade partiu.
Me tornei o capataz da sede do Encantado
Em comitivas cruzei os sertões do Brasil
O patrão ano após ano aumentava o gado
E foi assim que a prosperidade Deus permitiu.
Me tornei um capataz leal e muito dedicado
Há quem diga que antes igual não existiu
Assino embaixo: sou cabra do Encantado
Valente no meu batente, desordem ninguém viu.
Duquesa, Mimosa e Cornélia é hora de ordenhar!
Na lei do Encantado Pirilampo é boi gentil,
Sabe se dançar fora do cocho, corta dobrado.
Tem boi Dito, Rambo, Golias e bezerra Gil,
Sem contar o cavalo Faísca que é muito educado,
Mimoso, Tonhão, Zoiúdo, Malhado e Barril.
A sede da fazenda ficava na baixa do cerrado
O brasão do Encantado era o sol brilhando hostil
Uma vez por mês o patrão reunia o povoado
Mostrando a todos o que ele conseguiu.
Com justeza repartia pra mode recompensar
Era dia de festa na sede do Encantado
Justo, bondoso, devoto, piedoso e gentil,
Foi assim até o dia da morte de Justino Encantado,
Patrão igual a ele ninguém nunca viu.
Ali trabalhei mais três anos bem trabalhado.
Um aviso derradeiro me encontrou desarmado,
Quando o filho mais moço do Justino se despediu,
A notícia me deixou tão desaforado,
Disse ele: vendi tudo e vou pra fora do Brasil!
Uma nota de dó sem música se fez ecoar
Como um laço mal feito lançado no vazio
Um acorde em meu peito soluçou desafinado
Me senti um bicho sem dono que no brejo caiu,
Mas hoje a saudade me pegou desajeitado,
Ali cinco décadas o bom servo serviu.