A FOME É O PRATO DO DIA

JOEL MARINHO

Quando o menino nasceu

O pai ficou tão contente

Ele ainda muito jovem

Da vida inexperiente

Mal sabia o que viria

Na aurora do novo dia

A maldita fome insolente.

 

E quando se viu perdido

Ele então bateu o pé

Deixou a sua família

Largou o filho e mulher

Sem peso na consciência

Não deu nenhuma assistência

Nenhuma ajuda sequer.

 

Com fome o filho chorava

E a mãe chorosa dizia:

- Estuda, meu filho, estuda!

Para sair dessa agonia,

Mas a desgraça da fome

Que mata menino e homem

Era o único prato do dia.

 

Então, senhores, me digam!

Como estudar com fome?

Como pensar no amanhã

Se ela corrói e consome

Todas as nossas energias

Só resta uma cova fria

Que engole sonhos e homens.

 

E em meio àquela fome

O menino sobrevivia

E assim seu maior sonho

Era acabar com a agonia

Sereno sorria à morte

Pensava ele, que sorte!

Ela me abraçar um dia.

 

Naquela tarde de março

De mais um dia qualquer

Ele arrastou uma bolsa

De uma nobre mulher

Correu com a força de um homem

Disse, hoje mato a fome

E amanhã tem café.

 

Porém aquela mulher

Era juíza afamada

Acionou a polícia

Deu logo um “carteirada”

Bateu bem forte no peito

Dizendo, deem um jeito

Ainda essa madrugada.

 

Abriu-se uma diligência

Pra vasculhar a cidade

Era uma questão de honra

Servir uma autoridade

Não foi fácil de encontrar

E nem de capturar

Uma criança daquela idade.

 

Seu barraco não tinha porta

As paredes de papelão

Os soldados meteram o pé

E sem ordem de prisão

Alvejaram o tal sujeito

Com uma rajada no peito

Lavaram de sangue o chão.

 

A mãe ainda gritou

Quando acordou aturdida,

Mas com um tiro no peito

Também já tombou sem vida

Pegaram os corpos e levaram

No necrotério deixaram

Sem direito a despedida.

 

Então no dia seguinte

O jornal noticiou

Que em uma troca de tiros

Aquele menor tombou

Sem nome, sem documento,

Acabou-se o sofrimento

Que ninguém nunca ligou.

 

Foi mais um nas estatísticas

E nas redes sociais

Memes de “humor” dizia

“Foi morar como satanás”

“Bandido bom é o morto,”

Pois quem mandou nascer torto

Que amanhã morra mais.

 

Curioso entrei na página

De escárnio sem paixão

E no perfil do tal dono

Li aquela aberração

Viva a paz e a empatia

E ainda mais dizia

Eu sou um homem cristão.

 

Caiu um “cisco” em meu olho

E logo uma lágrima descia

Afinal qual o sentido

O que chama de empatia?

E com aquela opinião

Se autodeclarar cristão

É no mínimo hipocrisia.

 

Mas enfim, esse é o retrato

Da nossa sociedade

Seu mantra é hipocrisia

Cercada de inverdades

Onde o sangue grosso e quente

Alimenta tanta gente

Sem nenhuma piedade.

 

Só quem já viveu a fome

Conhece essa agonia

Dormir sem perspectiva

Com a barriga vazia

Pensando que amanhã

Não tem carne nem maçã

A fome é o prato do dia.