E se cair uma vírgula?

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Eu hoje acordei cansado

Dessa vida fustigada

Então dei a volta por cima

Superei a dor da jornada

Persistindo nessa escrita

De uma forma tão esquisita

Nessa língua mal falada.

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Mal falada também vou malfalando

Escrevendo certo do meu jeito

Com palavras bem escolhidas

Rebuscadas no fundo do peito

Em letras que eu mesmo colhi

Nos cadernos da vida aprendi

E aqui nessas linhas endireito.

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E endireito muito bem endireitado

Respeitando a língua portuguesa

"Língua madre" com louvor

Têm nas rimas mui beleza

E as suas regras de pontuação

Causam grande confusão

Quando usadas na incerteza.

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Sendo usadas na incerteza

Revelam de forma estulta

Que a língua tem suas regras

Escrever sem vírgula ela não faculta

Ela exige sim muito respeito

Aprender a ler e escrever direito

Para ter acesso à norma culta.

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Norma culta não é para qualquer um

Nem todos têm acesso à escola

Nas políticas sociais do Brasil

A educação é apenas esmola

E assim ninguém quer estudar

As meninas querem só namorar

E os meninos vão só jogar bola.

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Vão jogar bola até se dar conta

De quão dura é a realidade

Nas batalhas de cada dia

Quando terão passado da idade

Às vezes com família constituída

Não dá mais pra mudar de vida

E já perderam a oportunidade.

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E essa oportunidade perdida

Acontece sempre na periferia

Onde as condições sociais precárias

Estão presentes a cada dia

Lá não tem água encanada

O esgoto corre na calçada

E o choro da fome é a sinfonia.

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Uma sinfonia que ecoa da dor

No quarto e na sala ou na viela

É dor de fome e da vida e da alma

Que a esmola social não revela

Nem esconde a morte declarada

Nos gemidos de uma mãe desesperada

Rompendo o silêncio na favela.

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E o silêncio que se rompe na favela

Já não consterna a vizinhança

Pois a miséria se tornou rotina

Na alma de qualquer criança

Que mal frequenta uma escola

Aprender não entra na cachola

E não vê na educação a esperança.

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A educação perde a esperança

Quando mal se lê ou escreve

E quando não se sabe somar

Vira tudo uma bola de neve

Então é preciso aprender direito

Ler e escrever sem nenhum defeito

Pois a nossa vida é muito breve.

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E vencer nessa vida tão breve

Exige-se um bom falar

Primordial ler e escrever

Para pelo menos conversar

E quem sabe fazer um cordel

Rabiscando num papel

Ou na tela do celular.

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Pois na tela do celular

Tanto dá pra se divertir

Como escrever com perfeição

Porém sem se distrair

Pois um cordel arretado

Pode ser atrapalhado

Se uma só vírgula cair.

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Então se cair uma vírgula

Toda a sentença perde o sentido

Pois quem é que poderá entender

E assim se dar por convencido

É um atentado à nossa língua

Pois até o significado míngua

E o leitor fica perdido.

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Fica perdido sem noção

Como o embaraçado carretel

São apenas letras espalhadas

Palavras soltas a granel

Onde não encontra incentivo

Para entender qual é o motivo

Dos versos deste meu cordel.

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Com os versos deste meu cordel

Ainda um tanto imperfeito

Agora por aqui eu me despeço

E até me dou por satisfeito

Se alguém se incomodar

Por favor pode colocar

Cada vírgula do seu próprio jeito.