Besta de Gévaudan
BESTA DE GÉVAUDAN
Miguel Carqueija
Não saia de casa à noite,
aguarde até de manhã;
que ela vem como um açoite:
a Besta de Gévaudan!
Quem tem um uivo medonho
e matar é o seu afã,
quem mais parece um mau sonho?
É a Besta de Gévaudan!
Ela é a fera noturna
que ataca para matar:
e pela noite soturna
está sempre a vaguear!
Nada consegue por medo
na perversa criatura,
que carrega o seu segredo
desde o monte até a planura!
Ó Deus, protege este povo!
Como será o amanhã?
Sempre mais mortes, de novo,
na vila de Gévaudan?
A Besta quer muito sangue
e não receia morrer:
deixa sua vítima exangue,
ela mata por prazer!
Que mal que fez esta terra
pra tamanho merecer?
E sustentar esta guerra
com tão poderoso ser?
Cavaleiros e cachorros
o monstro já perseguiram
pelas charnecas e morros
porém nada conseguiram!
Precisamos de um herói
ou então de um grande santo
porque esta matança dói
e a Morte estende o seu manto!
É grande a dor no horizonte
e reina a fatalidade;
de onde será a fonte
que gerou essa maldade?
As patas pisam silentes
como forradas por lã;
punindo os impenitentes:
a Besta de Gévaudan!
Olhos de sangue injetados
com ódio a nós espiam
enquanto os mortos, coitados,
pelas estradas jaziam!
É um lobo, uma hiena,
ou um dragão repulsivo
que nos mata sem ter pena?
Será dos céus um aviso
do que virá sobre a França
e que fará perecer
homem, mulher e criança
e será ver para crer?
Este é o flagelo de Deus,
a Besta é um vaticínio:
protejam os filhos seus
que aí vem o morticínio!
E o bispo na procissão
suplica o auxílio dos santos:
livrai-nos da maldição,
enxugai os nossos prantos!
Rio de Janeiro, 6 de abril de 2024
Nota: a Besta de Gévaudan (Bête du Gévaudan) é um animal feroz e misterioso, até hoje não identificado, que assolou a região da França rural de Gévaudan (atual Lozére) entre 1764 e 1767. Segundo a pesquisadora francesa Cècile Claire, em artigo publicado nos anos 70 no jornal "O Globo", ela matou 74 pessoas; porém pesquisas mais recentes identificam aproximadamente 200 ataques com 113 mortes. O monstro parece ter sido morto com um tiro de espingarda em meados de 1767 por um camponês que rezava a Ave-Maria fora de casa ao crepúsculo, quando a Besta saiu da floresta e se aproximou.
O cordel faz uma hipotética ligação entre os ataques da Besta e a sangrenta revolução que vitimou a França mais de vinte anos depois.
A Fera de Gévaudan é mencionada por Júlio Verne no romance "O Capitão Hátteras" e existe farto folclore em torno do assunto. Contava-se que o couro do animal era à prova de balas, que era um mensageiro das trevas. E como dizem que filme de terror nunca termina, também neste caso real, ainda durante algum tempo constam obscuras notícias de novos ataques do monstro, mas oficialmente ele morreu em 1767, só que o embalsamamento foi mal feito e o cadáver chegou deteriorado em Paris.
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