Maria Júlia,a travesti.
Com a graça da palavra
Quero em verso te contar
Sobre uma mulher tão linda
Que fez-me admirar.
Conheci-a lá no rock
Vestida como sereia
Daquelas que quando canta
Qualquer um sai da areia.
Dançando ao som da música
Olhava com mui paixão
Para as luzes que no chão
Causava transformação.
Afim de uma bebida
Ao meu lado veio sentar
Em frente ao velho bar
Começamos a falar.
Perguntei logo seu nome
Pra início da conversa
Ela disse Maria Júlia
E você? Já vi que versa.
Eu disse-lhe verso sim
Estou à disposição
Se tu quiseres me conta
Da tua vida a confissão.
Maria Júlia mui gostou
Da proposta que foi feita
E sem rodeios falou-me
Sua história e pirueta.
Disse ela: Sou mulher
Mas quando nasci fui homem
Tinha o nome de Francisco
Se eu conto, muitos somem.
Tem gente que não tolera
Ouvir de nós a verdade
Por isso preste atenção
Direi da realidade.
Com sete anos andei
De salto, também vestido
Eles eram da minha mãe
Como eu queria-os tido.
Senti-me como princesa
No espelho à olhar
No salto não andei bem
Consegui equilibrar.
Meu cabelo tão pequeno
Nem dava pra pentear
Porém nesse dia botei
Uma toalha pra fechar.
A toalha foi peruca
Vestido e saia também
Com lençóis eu mui dançava
Bailava no vai e vem.
Sou de família humilde
Comi muito só cuscuz
Sem margarina, no seco
O estudo foi a luz.
Estudar é privilégio
Portanto libertador
O problema era a fome
Estudava mas com dor.
Para ter desodorante
Tive eu que trabalhar
Dentro da casa dos outros
Mesmo assim muito penar.
Quando fui crescendo vi
Que algo estava errado
Só pensava em ser menina
Ter o corpo transformado.
Meu pênis eu nem queria
A natura quis assim
Mas confesso que faria
A cirurgia, por fim.
Fazer a tal cirurgia
Moldar o corpo total
Porém prefiro hormônios
Inda que não fique igual.
Apesar do preconceito
Sigo mulher e com pênis
Sou aquilo que almejo
De salto alto ou tênis.
No cabelo já crescido
Fiz chapinha por demais
Comprei roupas femininas
Ser homem não quis jamais.
Na idade do trabalho
Foi grande preocupação
Ninguém contrata traveco
Ouvi muita indigestão.
Ao ir deixar os currículos
Eles diziam assim
Quem é esse seu amigo
Diga que procure a mim.
Respondia esse sou eu
Sou mulher inda sem nome
Para o registro geral
Bem diziam: vá e some!
Suma e desapareça
Da loja inté da rua
Não quero que os clientes
Vejam você bicha nua.
Dessa forma eu sumia
Sem um pingo de esperança
Com fome e sem dinheiro
Até que surgiu fiança.
Eu só tinha que fazer
Nos homens a nobre arte
Do sexo santo e selvagem
E pro cafetão, a parte.
Ganhando por fim dinheiro
Para poder sustentar
A minha nova jornada
Após expulsa do lar.
Minha profissão foi essa
Durante uns quinze anos
Prostituta Maria Júlia
Teve mui homens nos panos.
Na luta agora sigo
Em breve estarei formada
Em direito pra juíza
Logo serei nomeada.
Nunca parei de estudar
Fiz disso o meu troféu
Pra na luta incentivar
Outras trans tirar o véu.
Todas as palavras ditas
Neste cordel são relatos
Da travesti Maria Júlia
Que compartilhou seus atos.