NESSE MUNDO PÓS MODERNO ESTÁ TUDO DE TRÁS PARA FRENTE

POR JOEL MARINHO

Nesse mundo pós-moderno

Está tudo de trás para frente

Não vejo a hora nascer

Galo e galinha com dentes

Tudo está muito mudado

Já ando desconfiado

Que robô vai virar gente.

 

Nos últimos cinquenta anos

Aposentamos o jumento

Cavalo agora vive

Livre e solto ao relento

O trator o substituiu

Lamparina perdeu o pavio

Mudou todo o pensamento.

 

No meu tempo de criança

O Merthiolate doía

Quando caía na ferida

A alma do corpo saía

Mamãe batia em meu peito

Ainda dizia, bem feito!

Pra deixar de teimosia.

 

Hoje o tal de Merthiolate

É melzinho com mamão

Menino não sente dor

Se não o causa aflição

Se doer ele sapeca

Uma denúncia no ECA

E lá vem à mãe confusão.

 

Naquele tempo o cachorro

Comia osso somente

Quando muito um pirão

De feijão, nem era quente

Hoje em dia, Deus defenda!

Se você não quer contenda

Trate seu cão como gente.

 

Por isso, osso jamais!

O veterinário falou

Vai furar o intestino

Do cãozinho labrador

Para viver numa boa

O trate como pessoa

Com a ração do amor.

 

Agora todo cachorro

Já tem o nome de gente

Priscila, Roy e Camila

Não há mais cão indigente

Ao nascer são registrados

E como filhos criados

Eita mundo diferente!

 

Hoje o chiqueiro do porco

É feito todo em cimento

Não se deita mais na lama

Senão o causa tormento

Toma banho de torneira

Não come mais macaxeira

Nem pasta mais ao relento.

 

E veja só que desgraça

Fizeram com o pobre gato

Só come ração Whiskas

E vomita se ver um rato

Barata não quer nem ver

Se por acaso comer

Vai dar congestão no ato.

 

Cavalo não come milho

Pra não desgastar os dentes

É ração balanceada

De manhã tem banho quente

O jumento aposentado

Não pula mais o cercado

Nem briga com o concorrente.

 

Tirar o leite da vaca

É tudo automatizado

Tomam banho com xampu

Tudo é higienizado

Até aqueles banquinhos

Estão todos arrumadinhos

Em um canto aposentados.

 

E depois que inventaram

Essa tal de internet

Criança ficou pateta

Que coisa triste da peste

Seu mundo é o celular

Não sabe mais conversar

E de solidão se veste.

 

Até o Emulsão de Scott

Teve que o sabor mudar

Porque o alecrim dourado

Não queria mais tomar

Agora é igual sobremesa

Com gosto de framboesa

Para não traumatizar.

 

A criança já não pode

Pisar descalço no chão

Senão pega resfriado

Que causa desolação

No meu tempo de criança

Gripe era uma “herança”

Chamada de catarrão.

 

Havia aquele fenômeno

Que todo menino fazia

Aparava com a boca

O que do nariz caía

Misturado com farinha

E ninguém nojinho tinha

Do catarro que escorria.

 

Vamos deixar o catarro

Misturado com farinha

Porque preciso falar

De uma coisa bonitinha

De um tempo não tão distante

Onde a nossa estante

Era cheia de cartinhas.

 

Muitas delas escrevíamos

Porém o medo chegava

E por isso na gaveta

A tal cartinha guardava

E ali era esquecido

Muito amor subtraído

Só o coração penava.

 

Hoje com a internet

É tudo instantaneamente

É um oi e tome nudes

Do ateu, católico ao crente

Virou uma gororoba

Mostram perereca e cobra

Não há mais um inocente.

 

Aliás, o inocente

Só o pobre do escritor

Que só reproduz as falas

De que alguém já falou

Isso é verdade e dou fé

Mentira aqui não dá pé

É verdade, sim senhor!

 

Enfim, o mundo de hoje

Está de pernas pro ar

E eu não estou aqui

Para isso contestar

Sei que cada geração

Tem uma concepção

Que temos de respeitar.

 

Eu só estou escrevendo

Para deixar a História

De um tempo que vivi

Que carrego na memória,

Pois quando um dia eu morrer

Haja quem queira saber

Dessa nossa trajetória.

 

Talvez num futuro próximo

Como as coisas estão mudando

Do jeito que o ser humano

Vai aos poucos se isolando

Ele já virou zumbi

E talvez tudo isso aqui

É robô que está mandando.

 

É melhor eu nem pensar

Para não ser cancelado

E chamado de retrógrado,

Velho e ultrapassado,

Mas quando isso ocorrer

Tem esse cordel para ler

Que foi por mim assinado.