A história de Virgulino e Maria Joaquina
Vou contar uma história
Dum cabra desenrolado,
Vivia dentro do mato
E o cavalo lado a lado.
Caçava tatu peba,
Comia até jurubeba
Passava o dia calado.
Caminhava bem tranquilo,
Ouvindo o seu passarinho,
Tirava mel de abelha
Curtia o seu caminho;
Pescava peixe com anzol,
Pertinho o rouxinol
Cantava lá no seu ninho.
Sua casa era de taipa
A geladeira era o pote,
Comia feijão com farinha,
A mistura era capote.
Na sua simplicidade
Ele não tinha vaidade,
Gostava de fazer mote.
Ele sempre madrugava
Para tirar leite quente,
Domava cavalo brabo,
O cabra era valente!
Ia cedo pro roçado,
Não vivia do passado
Só vivia o presente.
Um dia bateu saudade
Uma lembrança ligeira,
De uma moça formosa
Duma terra estrangeira.
Era lá de Portugal,
Uma pessoa legal
Que não gosta de besteira.
A Maria Joaquina
Amada de Virgulino,
Conhecida dos seus pais
Quando era um menino.
Gostava desde criança,
Mas perdeu a esperança
Tinha raiva do destino.
Foi levada para longe
O amor da sua vida,
Trabalho aliviava
Sua profunda ferida.
Tinha dentro da memória
Aquele tempo de glória,
Uma paixão bem vivida.
De baixo do pé de manga
Veio lembrança do beijo,
A testa ficou suada,
Enquanto comia queijo.
E ficou de perna bamba
Como dançador de samba,
Ela foi o seu aleijo.
Seu coração ficou manco
Quando ela foi embora,
Sua dor só aumentava,
Furava como espora,
Com a mente ocupada
Escutava a toada,
Em plena luz da aurora.
O tempo correu depressa
Estava bem distraído
Tocando sua sanfona,
Então ouviu um ruído.
Pensou que era um bicho,
Porém era um cochicho
Pelo som foi atraído.
De baixo do cajueiro
Tinha um velho balanço,
Estava uma menina,
Sentada, olhando o ganso.
Por certo, levou um susto,
Escondido no arbusto
Feito um cachorro manso.
Puxou na sua memória
Com quem ela parecia,
A lágrima corria solta,
Seu coração já doía.
Sentiu um cheiro no ar
Quase parou o respirar
Lembrou logo de Maria.
Permaneceu "amoitado",
Então ouviu bem baixinho:
— Ô Virgulino seu cabra.
"Pinotou" bem ligeirinho.
Ficou sem ter reação,
Quase parou o coração
Do filho de seu Toninho.
Tantos anos sem se ver,
Mas ela não mudou nada.
Ela falava com ele,
Como sempre animada.
Virgulino curioso
E também bem ansioso,
Perguntou para amada:
— E essa bela menina?
Maria sempre falante,
Logo ela suspirou,
Ficou um pouco distante.
Pra Virgulino contou:
— Vi que você reparou
Como tem o teu semblante...
Eu observei na moita
Quando vistes a menina,
Ela é a tua filha
Uma "flulô" Nordestina,
Ela brotou na Europa
E como o vento galopa,
Ela busca sua sina.
Abraçou sua menina
Bastante emocionado,
Pondo ela no seu colo
Abismado, encantado.
Beijando o seu rostinho,
Fez um pequeno carinho,
Então olhou pra o lado.
Declarou para Maria:
— Você me deu um presente,
De valor inestimável,
Mesmo estando ausente
Sinto o meu coração,
Transbordar de emoção
Vendo vocês na m'inha frente.
Contou sobre os seus pais
Que obrigou ir embora,
Nem pôde se despedir,
Como foi a triste hora.
Quando soube da criança
Pensou até em vingança,
Mas descartou isso fora.
Pensando no seu amado
Não quis arrumar ninguém.
Queria voltar pro Nordeste
Pra encontrar o seu bem.
Que história de amor!
Que superou tanta dor
E que não se fez refém.
Os pais dela morreram
Deixaram toda riqueza,
Era única herdeira
Vivia como realeza,
E amava um plebeu
Neto de Tonho Abreu
Que enfrentava a pobreza.
Viveram dias felizes,
Juntos na grande Fazenda.
Criaram filhos e netos
E triplicaram a renda.
O amor deles aumentou,
Cada dia prosperou
Como o final de lenda.
Essa história tão linda
Traz lição tão verdadeira,
Mostra amor genuíno
Que derruba a barreira.
Traz lição para a gente,
Mostra algo evidente:
Nem tudo é "desgraceira".
Podemos crer no amor
Que supera sofrimento,
E provar algo profundo,
Além do entendimento.
É possível superar
Quando sabemos amar
Não apenas um momento.