CONSELHOS DE SEU ZÉ
Eu pego um caneco d'água
Nele mato a minha sede,
Lá perto do pé de manga
Descanso em uma rede,
Tento lembrar mais uma vez
Dos dois quadros na parede.
Tenho lembrança da fonte
Uma cacimbinha rara,
Só eu sei onde ela fica
De jorrar ela não para,
É o lugar das lembranças
Onde o coração dispara.
Na transparente cacimba
Contemplo o meu velho rosto,
O tempo desenhou rugas
Em cada traço exposto,
Derrubou os meus cabelos
Do paladar tirou o gosto.
Cuscuz não tem mais sabor
Só me lembro da doçura,
Do doce caldo de cana
E também de rapadura,
A saudade toca o nariz
Tem cheiro de tanajura.
E vez por outra eu me pego
Viajando no passado,
Pois lembro o meu velho pai
Com meus irmãos no roçado,
A moringa cheia d'água
Que eu bebia esgotado.
O roçado foi a escola,
A enxada era a caneta,
Esse, o mote de papai
Não tinha mel na chupeta,
Não tinha reclamação
Nem sequer uma careta.
Acordava com o galo
Cantando lá no poleiro,
A minha irmã mais moça
Levantava derradeiro,
Nossa mãe alumiava
Com a luz do candeeiro.
Lembro do fogão à lenha
Com cheiro de querosene,
Onde fervia o café
Com o seu sabor perene,
Quando dava cinco horas
Meu pai tocava a sirene.
A sirene eram os gritos
Chamando pra "trabalhá"
Nós ia "tudim" pro mato,
"Ligeirim" como preá,
Ouvindo o som da cantiga
Do bonito sabiá.
Nossa vida era difícil,
Porém com satisfação,
No roçado nosso milho
Balançava o pendão
Eu ficava esperando
A fogueira de São João.
As mulheres se juntavam
Para fazer muita comida,
Canjica, angu e pamonha.
Ficava feliz da vida,
Soltava bastante bomba
Endoidava Margarida.
Os dias passam ligeiro
Feito calango no mato,
Esses momentos passaram
Só vejo pelo retrato,
Só resta apenas lembrança
A saudade é um fato.
O tempo é muito liso
Igual um muçum na mão,
Como charco de lodo
Mais liso do que o sabão,
É como um escorrego
Baixando o cabra no chão.
Nesse quiabo da vida
Nós vamos escorregando,
Deslizando pro destino
Tropeçando, levantando,
Vivendo com esperança
E sempre continuando.
Nossa juventude passa
Parece a trovoada,
Como a voraz tanajura
A vida é capturada,
O cheiro impregna o ar
Findando nossa jornada.
Quando lembro da família
Indo "pru" nosso roçado,
Nossa casa de farinha
O meu velho pai suado,
Lágrimas pingam no chão
O olho fica embaçado.
Era quase meio-dia
O horário sucedendo,
Um calorão de rachar
"Tava" quase derretendo
De repente, trovejou,
Meu pensamento virou
De modo que não entendo.
Não entendo as mudanças
Nem o mistério da morte,
Leva para ela a vida
Pode ser fraco ou forte,
Plebeu, nobre com riqueza
Muita ou pouca beleza,
Tendo azar ou a sorte.
Nossa idade vai chegando
A gente fica confuso,
A cabeça fica tonta
A mente cai em desuso,
Até a cantiga do grilo
Causa na gente um abuso.
Nossas pernas enfraquecem
A visão fica é turva,
Até mesmo uma reta
Fica parecendo curva,
Queremos ficar de pé,
Mas a coluna em curva.
Meu rapaz você é novo
A velhice vai chegar,
Logo, logo ela traz
Até medo de andar
Você vai querer correr
Mas só irá caminhar.
Aproveita e a família
Cada sabor, cada cheiro,
Não viva correndo louco
Em busca só de dinheiro,
Viva os dias com gosto,
Pois o tempo é ligeiro.
Seja forte na aflição
Aproveita a juventude,
Só quem cai do céu é chuva
Não fraqueje, atitude!
Nunca venda seus valores
Isso se chama: virtude.
Ouça a voz da experiência
E busque sempre ter fé,
Sempre que cair, levante,
Peça força, fique em pé,
Enquanto sente sabor
Sempre beba seu café.