NOS TEMPOS DO PAU DE ARARA NA ESTRADA DO MONTENEGRO

POR JOEL MARINHO

 

Eita que tempo difícil!

O pau de arara “gemendo”

Na estrada do Montenegro

Os atoleiros horrendos

Não era tempo pra fraco

De buraco em buraco

E aquele povo sofrendo.

 

Para chegar a Bragança

Era um grande sofrimento

Farinha, milho e arroz

Vendê-los era um tormento

O comprador ainda vinha

Botar preço na farinha

Com um deboche nojento.

 

E o pobre trabalhador

Querendo fazer a feira

Vendia por qualquer preço

Voltava sem eira nem beira

Pensava, já está tarde

Levava a pior carne

Pois era caro a de “primeira”.

 

E só pensava na volta

Passar pelos atoleiros

Se o carro não quebrasse

E ele chegasse inteiro

Levava no peito esperança

Que ainda vinha bonança

Em seus dias derradeiros.

 

Vi muitos velhos morrer

Sofrendo desde menino

Naquela vida enfadonha,

Mas dizia, é meu destino

Destino a mim não colou

Enganem outro, por favor!

Não faça eu perder o tino.

 

Ainda bem que meu pai

Outra opinião tinha

Dizia ele ainda vou

Fugir dessa ladainha,

Mas o que mais lhe invocava

Era quando alguém botava

Preço na sua farinha.

 

E foi assim que saímos

Daquela vida inglória

E para a grande cidade

Fomos buscar a vitória,

Mas pobre na capital

Apanha como animal,

Porém isso é outra história.

 

Que talvez escreva um dia

Quando a “veneta” bater

Tem coisas em nossa vida

Que é melhor esquecer,

No entanto, a minha memória

Não esquece essas histórias

Me resta então escrever.

 

Hoje lá no Montenegro

Terra que me viu nascer

É outra realidade

Mesmo que tenha o sofrer

Jumento é aposentado

É moto para todo lado

E não trabalham para morrer.

 

Chegou energia elétrica

Com ela a tecnologia

Farinha se produz pouco

Roça que tanto existia

Hoje já nem se ver mais

Tudo isso ficou pra trás

Já raiou um novo dia.

 

Está chegando o asfalto

De Bragança a Santa Luzia

Melhorando ainda mais

O que por lá existia,

Porém mesmo com o passado

Que me fez um favelado

A lembrança ainda arrepia.

 

No meio do sofrimento

Sensação de liberdade

Bandido não existia

Como tinha na cidade

Só aqueles de maus costumes

Que roubava milho e estrume,

Mas não ladrão de verdade.

 

Lembranças do velho Tipi

Onde tomávamos banho

O açude do meu avô

Daquele enorme tamanho

Onde eu nadei com fé

No meios dos jacarés

Aqueles bichos tacanhos.

 

Entre a cruz e a espada

De sofrimento e liberdade

Do meu povo e meu torrão

Ainda sinto saudades

Tem horas que o nó aperta

E eu fico igual pateta

Lagrimando sem ter vontade.

 

Eu só não tenho saudades

Do pau de arara roncando

Se bem que ali aprendi

O que hoje anda faltando

A união de um povo

Que a cada atoleiro novo

O carro iam empurrando.

 

Os olhos já estão ficando

Iguais os do jabuti

Já embaçou os meus óculos

Vou ficando por aqui

Quando me bate a saudade

O meu choro é de verdade

Então não vou insistir.

 

Deixo aqui o meu abraço

Para o meu leitor fiel

Na verdade, eram dois,

Mas um foi morar no céu

Sei, não sou bom escritor,

Mas escrevo com amor

O que ponho no papel.