O CAIXEIRO E O PATUÁ
A mais de 20 anos, na obra de Olavo Romano, sobre causos de Minas, li um causo que nunca saiu de minha memória. Escrito em prosa, memorizei sua essência. Daí resolvi coloca-lo num pretenso cordel que compartilho aqui.
O CAIXEIRO E O PATUÁ
Com suas malas baú recheadas
Pelas fazendas, vilas e Brasires
A vender mercadorias e elixires
Vai experiente cacheiro-viajante.
No lombo de seu fiel alazão
Entre sol, ventos, chuvas e trovão
Oficio sagrado que do pai herdou
Cumpre sina na lida de mercador.
Em conhecida fazenda certo dia
Quando a noite com chuva entrou
Nenhuma atenção lhe foi dada
Mas um alvoroço lhe justificou.
A esposa do fazendeiro em agonia
Em dores de parto difícil encontrou
A mulher num “morria e não morria”
Nada resolvia, nem mesmo o doutor.
Disposto a ajudar, o caixeiro falou
Tenho aqui em um de minhas malas
Amuleto bão! Forte, santo e protetor
Oração amarradinha, um patuá doutor!
Como na longa agonia, nada resolvia
Custava nada tentar e experimentar
O patuá supersticioso e enternecido
Finalmente fez a Dona feliz, a luz dar.
Aquela oração de fé empatuada
Colocada no pescoço da parturida
Na mesma hora como um milagre
Cessaram dores com criança parida.
Logo a após alvoroço de feliz fim
Quis o pai, o senhor fazendeiro
Pagar os préstimos ao caixeiro
Que recusou explicando assim
Com gosto e sem custo algum
Faço de bom coração sem paga
Valeu foi ver ela e o senhor feliz
E a criança agora amamentada
Mas o fazendeiro com satisfação
Comprou tudo da mala do caixeiro
Deu-lhe pouso banho e refeição
Ao cavalo água e feno no barracão
Noutro dia, satisfeito amanhecido
Agradeceu gentilezas e despediu-se
Mas não sem antes, muito recomendar
Por nada no mundo, abram o patuá!
Voltaria ao final de bom resguardo
Tomaria de volta para outros curar
O saquinho que preso num barbante
No pescoço da mãe ficaria a guardar.
Como havia dito e prometido
Retornaram caixeiro e alazão
Pedindo ansioso logo de volta
O patuá amarrado no cordão.
Depois de contadas as novidades
Quitandas e bebericadas de café
Reservou-se num canto com o patuá
Descoseu-o com muito cuidado.
Pegou o papel ali dentro dobrado
Abriu-o tremendo, quase aflito
Para ler o que estava escrito
Respirou fundo e leu todo o teor:
“Havendo pouso e comida,
Para mim e meu alazão,
A mim pouco me importa,
Se a mulher parir ou não!”