O que sou
Sou de um poeta, o verso
Quebrado, fora da métrica
Sou uma parte profética
Que falta no universo
Da bondade, sou inverso
Não alimento suspense
Do torrão barcelonense
Sou nascido em bem criado
Em Natal fui educado
Sou um norte-riograndense.
Sou vargem da algaroba
Pêlo na folha de urtiga
Que o gado não mastiga
Sou talo da maniçoba.
Num prato, sou gororoba
Sou as pedras de um lajeiro
No riacho, o aguaceiro
Do vaqueiro, a espora
Na mata, sou caipora
"Lá inóis", sou beradeiro.
Sou a mão de um vaqueiro
Pegando a cauda do boi
Sou tudo o que não foi
Pra filha do fazendeiro.
No cangaço, bandoleiro
No chão sou erva daninha
No poleiro sou galinha
Temendo uma raposa
À noite sou mariposa
Sou o rato da cozinha.
Sou guizo da cascavel
Avisando o perigo
Hastes de joio no trigo
Sou a traça no papel.
Da bile eu sou o fel
Sou a farinha mofada
Na feira não vale nada
Diz num verso o cantador
Na mentira, sou "dotô"
Sou chuva de temporada.
Sou capucho de algodão
Armação de um quixó
Todo feito de cipó
Pra pegar arribação.
Sou pé de coqueiro-anão
Sou bico do carcará
Sou a raiz do cará
Na venta do boi, argola
De dentro de uma gaiola
Sou canto do sabiá.
Sou um touro no jiqui
Pronto pra ser derrubado
Sou lagarta no roçado
Desprezo da juriti
Sou passos do jabuti
Sou perneira e gibão
A água do cacimbão
Escura formando lama
Da traíra, sou escama
Da tapera, assombração.
Brotados de um cardeiro
Sou espinho e sua flor
Do sol quente, sou calor
Na folha do marmeleiro.
Sou a sombra de um pereiro
Na maré, sou goiamum
Sou um calango comum
E o azedume do cajá
Sou cheiro do trapiá
Sou um Papa-Jerimum.
Vim ao mundo neste chão
Da margem do Potengi
Uma palavra tupi
Que quer dizer, camarão
Eu não sou lá do sertão
Sou autêntico agrestino
Cumpridor de meu destino
Deixo meu depoimento
Aqui eu me apresento
Dizendo: SOU NORDESTINO!
Em 25 de maio de 2022
Versos de...