Eu conheci o Nadin
Nos meus tempos de pimpolho
Que também passou a ser chamado
De Zé Bulacha pelo povo
Quando uma queda na Serra
Do Teixeira de bicicleta
Gerou envolta do seu olho....
... um ferimento que cicatrizou
Deixando uma noda espreteada
Parecida c’uma bolacha preta
Só que meio amarronzada
E foi quando um folgadão
Fez essa associação
Que surgiu a alcunha Zé Bulacha.
Como a maioria dos Teixerense
Zé Bulacha era de família pobre
Filho d’uma mãe que não dava
Muita atenção a seus filhote
Porque Graça passava o dia
Limpano o lixo dos molecote....
...na Escola José Elias de Amorim
Onde ela trabalhava de faxineira
Cuja realidade se assemelhava
A de muitos pais no Teixeira
Que deixava os filhos “largados
Naquela Terra rarefeita...
..de oportunidades pros moleques
Terem uma infância harmoniosa
E por isso noiz fumo levano
Uma vida bem caótica
Repleta de extroversão
Mas também de perturbação
Nas ruas e nas escola.
A primeira safadeza de Zé Bulacha
Que vi foi lá na cadeia velha
Noiz matava maribondo
No primeiro andar dela
Era dia da feira onde
Essa ex-prisão do Teixeira
Era bem colada a ela.
Segurando um pedaço de papelão
Cada um dava supapo no ar
Com o alucinante objetivo
De finalmente derrubar
Um maribundo que ferroava
Causando uma das piores dor q’há...
... num moleque qu’era vítima
Da vingança do maribondo
Quando levava um supapo
E ficava voando zonzo
Até consegui ferroar a cara
Deixando o moleque tonto.
O seu ferrão gravado no olho
Causava uma bola de inchaço
Há quem diga o Cesarin
Depois d’uma ter levado
Pai da Mata mandou ele passar
Um pouco de micho pra’menizar
Aquele dano causado.
Na própria mão Cesarin michou
E depois molhou a inchação
Até que me virei e vi
Zé Bulacha soltano o negão
Enquanto dava uma risada
Sem exibir vergonha na cara
Preechia o pedaço de papelão.
Quando finalizou ele levantou o pepelão
Com o tolete em cima dele
Jogou a bosta pela janela
Fumos ver o que fizera ele
E lá do primeiro andar
Vimos um carro da cor verde...
...parado enquanto o para-brisa
Espalhava a bosta pela vidraça
E um homem gritou: “Quem
foi que fez essa desgraça?!”
Apontaram na nossa direção
E ele correu subino as escada....
...da cadeia véa e noiz três
Começamos a disparar
Enquanto o Zé Bulacha
Já tinha s’escondido no ar
Ele foi o primeiro a correr
E a culpa do seu ser
Quase caiu nas nossa lombar.
Noiz três fumo ligeiro
Saímos por onde tínhamos entrado
Pela janela da parte de trás
Da cadeia em péssimo estado
Corremos e só paramos
No açude novo onde avistamos
Zé Bulacha rino descarado.
Numa noite tava noiz três
E o Zé Bulacha apareceu
Segurano uma garrafa
De cerveja e nos ofereceu
Eu e pai da Mata recusamo
E cesarin sem hesitar bebeu...
...um gole e na merma hora
Cuspiu fazeno uma careta
“deixa de ser otário
Isso é micho e não cerveja!”
Zé Bulacha deu uma risada
Vendo a sua intenção feita.
Dali nois fumo pra secretaria de saúde
Que ainda em construção tava
Noiz s’escodemo na janela
Enquanto viámos na calçada
Transeuntes ali passando
Até que passaram dois mano
E eis então que Zé Bulacha...
...despejou a garrafa de mijo
Na cabeça dum deles
Corremos pra dento da construção
Bem longe da vista deles
Saímos pelo outro lado
E vimo que o mano vitimado
Era um colega dele.
Se segurano pra não rir
Nadin fingiu tá revoltado
Vendo Maicon chorando
Cum cabelo todo michado
E perguntou o que houve
Pra ele tá choramingado.
O mano que tava com Maicon
Falou pra nós e pra Zé Bulacha
“jogaram na cabeça dele
Micho daquela janela alta”
E o Zé Bulacha falou
Disfaçano o riso na cara:
“quem fez isso foi um safado
Que merece apanhar
S’eu soubesse quem foi
Butaria na sua cabeça já
Bem muito juízo
Pr'ele não repetir isso
E a aprender a respeitar.”
Eu, Pai da Mata e Cesarin
Seguramos o riso de tão perplexos
Cum comportamento cínico
Do Zé Bulacha que tava sério
Usando a face do justiceiro
Pra revestir seu lado cheio
De perversão e sacrilégio.
Outro dia eu tava c’uns moleque
Sentado na calçada do sindicato
Quando a feirante Vera
Passava ali bem ao lado
Até que da janela da ex-prisão
O Zé Bulacha tinha lançado...
..uma laranja que por sua vez
S'instourou no rosto da Vera
Ela até cambaleou pro lado
E bem enraivada dissera
“Quero saber quem foi
Esse filho d’uma égua!”
O irmão de Vera apareceu
Tinha dois metros e era fortão
E perguntou a irmã
O que houve e então
Quando ela lhe contou
Embrutado ele falou:
“Vou resolver essa questão!”
O Zé Bulacha apareceu
ficou conosco na esquina
Bem sonso vendo o rapazão
Teno êxtase de adrenalina
“Vou pegar esse moleque
E dar nele tanto tabefe
Qu'ele vai ficar igual neblina!”
“Só mermo um filho da puta
Pra fazer uma safadeza dessa”
Disse Zé Bulacha e exceto
A vítima e o irmão dela
Os moleques se entreolharam
Sabíamos quem fez aquela...
Ruindade e o Zé Bulacha
Disse ao grandão e a vítima:
“Se pegarem quem foi
Metam a porrada em cima
Desse filho da puta covarde
Que agrediu uma menina.”
Não sei se era por camaradage
Ou medo que ninguém caboetava
E por isso o protagonista
Desse cordel se safava
Com a cabeça erguida
E cum riso que refletia
O jeito sonso na sua cara.
Zé Bulacha era muito respeitado
Pelo seu grande talento
Que descobriu por acaso
Quando tocou um instrumento
Conhecido como tarol
E quando tocava como o Sol
Zé emitia encantamento.
Nos dias sete de setembro
O Zé Bulacha desfilava
Cum a banda marcial
Da escola e ele tocava
O tarol com tanta perfeição
E ninguém perto chegava...
...de ser exímio como ele
E isso o seu irmão Fabin viu
Botou tanta fé no irmão
Que em Zé Bulacha ele investiu
Dano uma bateria pra ele
Que seu futuro definiu:
“meu sonho é ser baterista
Tocar numa banda de forró”
Ele dizia constantemente
E buscava ser o melhor
No ofício da bateria
Praticando todo dia
Em dias de chuva e sol.
Apesar da descoberta
Zé Bulacha não parou das safadeza
Num dia távamos no campinho
Perto no açude velho do Teixeira
Jogando Bola até que John Lennon
Acertou-lhe num momento
Deixando sua canela cheia...
...de inchaço e o Zé Bulacha
Saiu do campinho mancano
Enquanto o John Lennon
Nervoso ficou se descupano
Zé Bulacha com cara de raiva
Respondeu em tom de ameaça:
“Você pode ir se preparano!”
Zé Bulacha ficou perto da gente
Vendo o jogo até qu’ele acabou
O John Lennon foi prum canto
de costas prum mato se sentou
O Nadin entrou no mato
E noutro lugar ele se relevou.
Zé Bulacha tinha saído detrás
Do condenado John Lennon
Que levou chute no ouvido
Gerando um sangramento
John Lennon arriou no chão
E por um breve momento...
Ficou desmaiado
Mais logo veio a acordar
Alguns que tavam ali
Começaram a ajudar
O John Lennon que obviamente
Andava bambo e aparentemente
Via estrelas em todo lugar.
O tempo foi se passando
Desde a ida de John ao hospital
O Zé Bulacha largou escola
Na quinta série do fundamental
Já fumava às escondidas
Porque ele não queria
Que Fabin soubesse afinal.
No início da maior idade
O Zá Bulacha já trabalhava
Descarregando caminhão
De frutas lá na SEASA
Qu’era na cidade de Patos
Próximo do Teixeira ficava.
Cum dinheiro qu’ele ganhava
Descarregando caminhão
Ele gastava principalmente
Farrando nas noites de São João
S'ele ajudava em casa não sei
Não tenho essa informação.
Numa festa de São João, Zé Bulacha
Tava bebo mas não cego
Foi paquerar uma novinha
E levou um peteleco
Na cara do namorado
Que derrubou lhe no asfalto
E chamou-lhe de Maneco.
Zé Bulacha quebrou a garrafa
De bebida que segurava na mão
E meteu um pedaço de vidro
No bucho do rapazão
Rasgando sua camisa
Este pôs as mãos na barriga
E logo viu que suas mãos...
... tava toda suja de sangue
Ele começou a se desesperar
Zé Bulacha meteu a careira
Conseguindo assim escapar
Dos amigos do rapaz
Que com afinco correram atrás
Mas não conseguiram lhe pegar.
Só vi Zé Bulacha duas semanas depois
Numa noite de Lua cheia
Soube que desde o ocorrido
ele tinha partido do Teixeira
Pra ficar com o seu pai que
Diziam ser flor que não se cheira.
Só sei que de todas as safadeza
Que Zé Bulacha tinha realizado
A do corte foi a mais pesada
Qu'ele se livrou intocado
O veredito do Juiz divino
Não tinha sido professado.
O tempo foi se passando
E a história foi “esquecida”
Até que um dia Zé Bulacha
Entrou noutra dimensão da vida
Quando começou a namorar
C'uma menina que vivia lá
Naquela Terra do Zé Lira.
Essa Menina era Liliana
Filha do Lineu Calçados
Eu vinha da escola à noite
Via Zé Bulacha ao lado
Da loja do pai dela
A beijando enquanto ela
Correspondia ao afeto dado.
Quando um parque de diversões
Veio pra praça da cidade
Eles andavam de mãos dadas
Como se algo os unificasse
Se divertiram nos brinquedos
Unidos e cheios de vivace.
Eles subiram na roda gigante
E pararam lá em cima
O Zé Bulacha nessa hora
Beijou a sua menina
E assim eles namoraram
Vendo Teixeira lá de cima.
Depois eles andaram
Nos carrinhos bate-bate
Pularam na cama elástica
Esbravejando nas suas face
Um riso que se transformou
Em susto quando eles se balançou
Na canoa do parque.
Depois Zé Bulacha comprou
Uma maçã do amor
Pôs na boca da namorada
E levemente ela mosdiscou
Nadin abraçou ela
Cheirou o pescoso dela
E em seguida a beijou.
Na barraca das espingardas
Zé Bulacha pagou pra Liliana
Dar um tiro e ela segurou
A arma na maior gana
Ele coladinho atrás dela
Ajudou-lhe com artimanha...
...a mirar e Liliana apertou o gatilho
Acertando bem no alvo
Qu'era uma halls de menta
Que caiu lá do alto
O atendente deu pra ela
E ela beijou seu namorado.
Fabin que é irmão dele
Abriu uma loja de informática
E empregou o seu irmão
Que saiu lá da SEASA
Na semana durante o dia
Zé Bulacha trabalha de dia
E na noite estudava.
Entre a labuta e o estudo
Nadin ficava com Liliana
E esta ia com os seus pais
Todos os finais de semana
Assistir as missas na igreja
Católica do Teixeira
Onde a fé cristã é soberana.
Um dia Liliana convidou Zé Bulacha
Pra ir na missa com ela
Foram e lá o Padre disse
Que não ia ter louvor nela
Porque o baterista do coral
Tava c’uma chaga séria.
Alguém apontou pra Zé Bulacha
E disse “Ele sabe tocar bateria”
O Padre chamou Zé Bulacha
Lhe abençoou e disse “viva!”
E só foi o Nadin tocar
Pr'atmosfera ganhar vida.
Depois desse episódio
Zé Bulacha recebeu o convite
De ser o novo baterista
Do coral e ele disse
“Sim” e todo domingo
Passou a tocar com gingo
Repleto de felice.
Quem conhecia Zé Bulacha
Desde o seu tempo de criança
Nem sequer imaginava
Da sua grande mudança
De outrora delinquente
Passou a orgulhar muita gente
Transmitindo confiança.
Naquele tempo em Teixeira
Fumar maconha virou moda
Na praça Cassiano Rodrigues
Tinha usuário toda hora
Fumando e o Zé Bulacha
Quando da escola voltava
Lhe ofereciam sem demora...
...um trago e ele dizia não
E seguia o seu percurso
Indo pra casa da namorada
E lá num transe absoluto
Namorava com intensidade
Liliana qu’era seu Tudo.
Nos finais de semana
O colegas de Zé Bulacha o chamava
Pra tomar uma biria
Nalgum bar lá da praça
E sem lutar contra si
Na maior calma ele recusava.
Ele só não tinha abrido mão
Do seu vício pelo cigarro
Fumava com a mesma intensidade
Com que havia começado
Mais isso não atrapalhava
A sua vida apaixonada
Desprovida d’obstáculo.
A paixão tinha alterado
A bioquímica do seu miolo
A ponto do Zé Bulacha nutrir
Um imensurável adolo
Pela a sua jovem amada
Llilana que lhe despertava
Um delírio amoroso.
Se o Ser humano tem mil faces
Zé Bulacha mais uma revelou
No dia que a sua namorada
Pra um aniversário lhe levou
E lá ele viu uma cena
Que muito lhe incomodou.
Igor qu’era amigo de Liliana
Numa moto tinha chegado
Puxou assunto com ela
Trocando um maior papo
E fez ela rir mais do que
Tinha feito o namorado.
Zé Bulacha ficou com vontade
De enfiar a cara de Igor no estrume
Ativou seu arquétipo de traquino
Motivado pelo ciúme
Foi até a moto do odiado seu
E furou os dois pneus
Furtivo como de costume.
Voltou pra festa tentando fingir
Que nada tinha acontecido
Ao lado da sua namorada
Tratava com asco Igor
E este vendo o Zé Bulacha
Com asco estampado na cara
Viu as entrelinhas disso.
Se afastou e ficou longe dos dois
Até que a festa acabou
Igor viu que os dois pneus
Da sua moto alguém furou
E indagou os aniversariantes
S'alguém conhecia o autor.
Todos disseram que não sabia
Quem furou os pneus da twister
Já era tarde da noite e Liliana
Falou:”vou embora só, viste?”
Pra Zé Bulacha e esse
Palavras de insistência disse.
“Vou me sentir melhor indo só”
A Lilana esclareceu
O namorado exigiu explicação
Como se aquilo não entendeu
E ela sem dar de ombros
Disse:” deixe de ser sonso
Você furou os dois pneus.”
Zé Bulacha apontou pra si
E exclamou:” rrã,eu?!”
“Vi quando você furou
Não precisa mentir pra eu”
Ele vendo-se desmascarado
Disse:” esse Igor é um otário
Fez por onde mereceu!”
Liliana perguntou o motivo
Cum quesito Nadin retrucou
Disso sucedeu uma discursão
Que o jovem casal travou
Ela notou que foi por ciúme
Que o ato ele realizou.
Depois desse acontecimento
O namoro virou um furacão
Zé Bulacha passou a desconfiar
Que estava sofrendo traição
Discutia com a namorada
E ela muito incomodada
Decidiu findar a relação.
Um dia quando vinha da escola
Vi Zé Bulacha no Bar da Asa
Pedindo um copo de bebida
Enquanto o dono reclamava
Pelo cliente não ter dinheiro
Pra fugir do triste roteiro
Da desilução que lhe habitava.
Na Praça Cassiano Rodrigues
Numa noite após a aula
Vi o Zé Bulacha sentado
Junto de rapaziada
Fumando ganja sem se importar
Com os transeuntes que ali passava.
O tempo foi se passando
Foi ficando raro ver o rapaz
Eu ia pra missa com mãe
E não via sinal dele mais
Desconfiei que ele poderia
Está na antípoda da paz.
Minha suspeita se confirmou
Quando o Lucas foi em casa
E disse que o vizinho tava
Com a cara toda chupada
“Tu já tás sabeno?
O povo anda dizendo
Coisas sobre o Zé Bulacha.
Qu’ele tá viciado em Pedra
Tu já visse ele?
Tá mais magro que Sibito
E só o osso a cara dele
Ela tá toda chupada
E sua vida tá ornada
Pelo crack que tomou ele.”
A cidade era pequena
Por isso muitas coisas
Fiquei sabendo por meio
Da fofoca das pessoas
Que assim como os jornais
Não partilhava notícias boas.
As pessoas comentavam:
“Ele agora virou ladrão”
E diziam ser Zé Bulacha
Qu'invadiu a casa da mãe do João
Levando muita coisa de valor
Pra satisfazer sua tentação.
A minha irmã qu’era casada
Vizinha do Zé Bulacha era
Um dia ela veio em casa
E bem revoltada dissera
“O meu aparelho de DVD
Roubaram e aposto a você
Que foi aquela fí d’uma égua!
Porque quando saí de casa
O Zé Bulacha tava de frente
Da sua casa e ao me ver
Entrou nela novamente
Aposto que nessa hora
Pulou o muro e quebrou a porta
Enquanto eu tava ausente.
Vanini disse que viu ele
Desceno lá pras Malvina
Levando um aparelho DVD
Que cor de prata tinha
Pra Josivânio eu tinha contado
E ele foi até o salafraro
Pra ter uma conversinha...
... e o desgraçado cara de pau
Negou ter roubado o DVD
E o josivânio disse:
‘Num tenho mais estima por você’
Agora espero qu’esse mizeravi
Um dia venha a se fuder!”
Como a cidade era pequena
Vez e outra inevitavelmente
Eu via Zé Bulacha na rua
Correspondendo completamente
As mudanças que Lucas
Me disse detalhadamente.
A coisa era séria mermo
Tive que ver para acreditar
O Zé Bulacha agora exibia
Explicitamente no seu olhar
Um complexo d’inferioridade
Cheio de expressividade
Que o crack lhe fez despertar.
Um dia eu tava na cinuca
Que ficava na rua da areia
Onde normalmente se reunia
Uns jovens do Teixeira
O Zé Bulachau lá chegou
Pediu um cigarro mas o vendedor
Negou-lhe e fez cara feia.
Zé Bulacha quis saber o motivo
Do dono lhe negar o cigarro
E este disse sem hesitar
“Se quiser comprar fiado
Pague o que deve ou vai
Entrar pra lista dos veaco.”
Zé Bulacha balançou a cabeça
Falano com um sorriso:
“Vou pagar d’outro jeito
Pode ter certeza disso
Tu inda vai s’arrepender
De ter me negado isso."
Zé Bulacha foi embora
O Dono disse revoltado
“Me deve quinhentos conto
Esse é um desgraçado
Pra dá o troco a ele
Vou destacar o nome dele
Na lista dos veaco.”
No manhã do dia seguinte
Meu amigo Edu foi em casa
E me disse que incendiaram
A budega do Rafa
“Tá todo mundo comentano
E disso num tô duvidano
Que foi o Zé Bulacha.”
Fui até a budega com o Edu
Lá vi qu’ela tava só a farova
O telhado tinha desabado
Tava em cinzas toda obra
A cinuca tava despedaçada
Lançano fumaça céu afora.
Fiquei ali sabeno que o Rafa
Foi dá parte do Zé Bulacha
Por crer que tinha sido ele
O autor daquela desgraça
A polícia caçou o acusado
Só que não acharam nada.
O sumiço do Zé Bulacha
Fortaleceu a suspeita
Qu’ele tinha sido o autor
Daquela malvadeza
Que rendeu muita fofoca
Nas línguas de minhoca
Do povo do Teixeira.
O tempo foi se passano
O Zé Bulacha apareceu
Devido a memória curta
Muita gente s’esqueceu
Do incêndio mas o povo
Voltou os olhos de novo
Pr’aquele ornado pelo breu...
... do Crack que enclausurava
O Zé Bulacha no vício da Pedra
De vez em quando um boato
Dum roubo qu’ele fizera
Vinha até mim por pessoas
Que o chamava de besta fera.
Sumiu uma tv numa casa
Acolá uma radiola noutra
Noutra umas roupas de marca
E um ferro de passar roupa
Pelas costas o povo apontava
O dedo pra mesma pessoa...
...apesar do Zé Bulacha não ser
O único na mesma situação
Pois o crack também afetava
Outros jovens da população
Teixeira não é a Cracolândia
Mas sim a fofocolândia
Sobre a vida alheia então.
Um dia fui na casa do Edu
E vi ele com o Zé Bulacha
Ambos estavam sentandos
Bem de frente da casa
Do Edu que ouvia ele
Enquanto Nadin dirigia a ele
Algumas palavras.
Zé Bulacha nem de perto parecia
Aquele talentoso baterista
Tava magrelo e esfarrapado
Como uma luz que jazia
Sugada pelo buraco negro
Do desespero que consumia...
...a força divina que a essência
Carrega no seu interior
Eu cheguei e o Zé Bulacha
Passou por mim e não falou
Subiu a escada cabisbaixo
Só que no chão nada achou.
Comecei a trocar ideia com Edu
Até qu’ele começou a falar
“Zé Bulacha disse que
Queria ir partir desse lugar
tá com vontade de sumir
Pois o sentido da vida aqui
Ele não mais consegue achar.”
Dias depois fiquei sabeno
Através d’algumas pessoas
Que Zé Bulacha foi s’internar
Numa clínica em João Pessoa
Bancado pela igreja católica
Do Teixeira ele agora
Buscava emergir da lagoa...
...do vício que tava lhe afogando
A igreja tinha um plano de vida
Pro Zé Bulacha qu’era fazê-lo
A voltar a tocar bateria
Nas missas trazendo à tona
O talento que possuia.
Um dia fui na loja de Fabim
E lá ele me perguntou
Se eu queria substituir
Um funcionário que se mandou
Eu disse sim e naquela hora
O irmão do Zé Bulacha me contratou.
Junto com ele e seu irmão Nilson
Eu trabalhava atendendo
Os clientes da lojinha
Que lá iam a todo momento
Levando o PC quebrado
Que por Fabim era consertado
Voltano ao bom funcionamento.
Lá na lojinha o Fabin
Vendia material escolar
E aparelhos eletrônicas
Como webcan e celular
Além de serviços de impressora
Como imprimir e xerocar folha
Além também de consertar...
...impressora com defeito
E formatar computador
Fabim e Nilson trabalhavam
Cum afinco apesar do estridor
Causada pela fase que Nadin
Recentemente passou.
Fabim só não ficava a vontade
Quando um cliente lá chegava
E Perguntava sobre a vida
Do seu irmão Zé Bulacha
E o Fabim meio sem jeito
Dizia que internado ele tava.
Até que um dia na lojinha
Fabim atendia um cliente
Quando um coroinha da igreja
Veio e disse diante da gente
“Recebemos a notícia
Que seu irmão sumiu de vista
Na clínica dos dependentes.”
Fabim ficou estupefato
E quis saber mais
“Disseram qu’ele fugiu
Junto cum rapaz
Isso foi de madrugada
E antes q’uiu Sol parta
Tomara qu’ele dê sinais.”
Até que duas horas depois
Do coroinha ter lá chegado
O Zé Bulacha apareceu
E disse:”agora tô curado
Só fugi da clínica porque
lá num pudia fumar cigarro.”
Zé Bulacha pediu a seu irmão
Pra voltar a trabalhar lá
E o Fabim lhe respondeu:
“Isso eu posso até deixar
Mas só se tu provar pra mim
Que curado agora tá.”
Essas palavras de Fabin
Bateram na casca do orgulho
Que envolvia o Zé Bulacha
Como um irônico escudo
E assim o Zé Bulacha disse:
“Não preciso provar, visse?
Que renasci nesse mundo.”
No dia seguinte fui com Edu
Ver o treino lá na quadra
O Zé Bulacha apareceu
E começou a dizer na cara
De todo mundo lá no treino
Qu'ele curou a si mesmo
Após dias de batalha.
Eu tinha percebido que
Zé Bulacha tava diferente
Desde quando chegou
Lá da cidade pessoense
Gordin e com a pele limpa
E cum rosto reluzente.
Após ver umas partida
Pra casa eu fui embora
No dia seguinte eu e o Edu
Fomos dá uma volta
Pela rua na noitada
Por volta das seis hora.
Fomos pra casa da minha irmã
Bater uma prosa lá
O Zé Bulacha viu o Edu
E começou a lhe falar:
“ Oh Dudu meu queridão!
Olha como eu tô gordão
Como a baleia do mar.”
Ele falava enquanto batia
Na barriga com as mãos
Deu um cigarro pro Edu
Que acendeu e então
Noiz entramos na casa
lá trocando umas palavras
E o Edu falou então:
“Esse Nadin é um otário
Ele só fala lorota
Ontem mesmo lá no treino
Ele saiu pra usar drogas
A vida não perdoa
quem joga a chance de se salvar fora.
Os dias foram se passando
Cum Sol nascendo e indo pra cima
E começaram os boatos
Que Zé Bulacha tava na surdina
Agindo com junto o rapaz
Que fugiu com ele lá da clínica.
Zé Bulacha não ia na lojinha
Onde eu passava o dia lá
Trabalhando observei
Que um desânimo pairava no ar
Envolvendo os dois irmão
Que estavam numa situação
Em que ninguém queria está.
O Nilson manifestava
Um bloqueio emocional
O Fabim tentava esconder
Um estado de baixo astral
Que explicitamente se revelava
No seu olhar e tom de fala
E nos vieses do cortéx pré-frontal.
As vezes eu tava sozinho
Na solidão do anoitecer
Andando pelo Teixeira
Até que avistava um ser
Este sendo o Zé Bulacha
Na antípoda do transcender...
...andando sozinho no frio
Da alta noite Teixeirense
Com camiseta e bermuda
Passando na minha frente
Apenas olhando pro chão
Como se morresse na sua mente...
... as memórias do seu amigo de infância
Este amigo sendo eu
Que ao longo da infância
Com o Zé Bulacha conviveu
Vendo ele no desalento
Observei um grande talento
No inferno que o Hades concebeu.
Num dia na lajinha
Um cliente eu atendia
Quando esse perguntou
Se pendrive lá vendia
Fui checar na gaveta
E vi qu’ela tava seca
Sem os pendrives que outrora havia.
Perguntei dos pendrive ao Fabin
E ele estranhou
Procurou por uns lugares
Até que nada encontrou
Chegando a uma conclusão:
“Acho que alguém roubou!”
Ele foi checar as câmeras de segurança
E viu que na madrugada fria
Nadin tinha entrado lá
Pela entrada na correria
Esvaziou uma gaveta
E partiu ficano a pista.
Fabin ligou pra Polícia
E logo eles chegaram lá
Na lojinha e o Fabin
Que começou a denunciar
Questionado se tinha prova
Ele mostrou ali na hora
A maior prova que há...
...qu’era as imagens da câmera
Mais valiosas que mil palavras
Minha irmã disse a mim
Na manhã seguinte em casa
“O Zé Bulacha foragido tá
Por roubar umas coisa lá
Na lojinha d’informática...
...do irmão que denunciou
E a polícia foi pegar ele
E o desgraçado conseguiu
Se soltar antes de levar ele
Correu pra dentro do mato
Deixando os rastro na grede.
Esse desgraçado teve sorte
De ter escapado
Se tivessem pegado ele
Pro xilindró teriam levado
Onde lá ele finalmente
Iria pagar por seus pecado.”
Fui trabalhar e passei o dia
Com chakca negativo pairando no ar
Vindo de Fabim e seu irmão
Que estavam a passar
Por um momento difícil
Proveniente do ribuliço
Que o Nadin tava a lhes causar.
Mais ou menos por uma semana
Não se obteve notícia
Do Zé Bulacha que tinha
Fugido naquele dia
Da polícia do Teixeira
Que agora tava ligeira
Com um olho na butija...
...simbolizada pelo prêmio
Que seria a prisão
Do Zé Bulacha caso este
Aparecesse e então
Infringisse a lei de novo
Deixando a prova da sua ação.
Até que o Zé Bulacha apareceu
Soube atraveś de fofoca
Proveniente dos linguarudos
Que iam lá na loja
Onde eu trabalhava
Por uma carga de sete horas.
Fabim e seu irmão evitavam
Falar o máximo possível
Sobre Nadin que vez e outra
Lhes deixava constrangido
Quando um cliente ia lá
E começavam a falar
Sobre a vida do perdido.
Depois que o Zé Bulacha fugiu
Da clínica de reabilitação
O povo da igreja sorrateiramente
Optarem pela exclusão
Cortano o elo afetivo
Com o Zé Bulacha que acredito
estaria só então...
...se não fosse a sua mãe
O Fabim e o outro irmão
Que ao invés de expulsá-lo de casa
Levava o peso nas costa então
A igreja desistiu dele
Só que a família não.
De vez em quando Graça ia lá
Sem mascarar seu sofrimento
E pedia pra que Fabim
Cedesse um pouco do seu tempo
Pra que fossem atrás do irmão
Que tava no sombrio momento.
Fabim ligava a moto
E levava a mãe na garupa
Até as Malvinas onde lá
Via Nadin sob o efeito da cicuta
Lhe chamavam pra voltar
E ele recusava a retornar
Preso no mundo da lua.
Isso tinha tudo pra “prosperar”
Até um desfecho trágico
Se Deus não intervisse
E com isso desviado
O trajeto do Zé Bulacha
Que rumo ao abismo tava
De onde teria se jogado.
Num dia de manhã fui
Surpreendido na minha casa
Por minha irmã que começou
A falar sobre o Zé Bulacha:
“O Zé Bulacha se fodeu
Dessa vez ele não escapa.
A polícia prendeu ele
Depois que foram denunciar
O Zé Bulacha por ter roubado
Uma loja de celular
A prova de quem denunciou
Veio das câmeras que tinha lá.
Dessa vez a polícia
Foi muita esperta na caça
Pegaram ele desprevenido
Bem diante da minha casa
Algemaram as mão dele
E depois buratam ele
Dentro do porta-mala.
Agora tomara qu’esse desgraçado
Pague por tudo qu’ele vez
Que lá ele reflita
Enquanto tiver no xadrez
Sobre as suas ruindade
Que cum povo da cidade
Ele fez na malvadez.”
Foi no trabalho que os boatos
Do Zé Bulacha se confirmou
Quando uns clientes foram lá
E com o Fabim comentou
Sobre a prisão do seu irmão
Que lhe envergonhou.
Pelas costas do Fabim e Nilson
As pessoas tinham comentado
Que dessa vez o Zé Bulacha
Lá ia ser tratado
Pois diferente da clínica
A prisão permitia cigarro.
A mãe do Fabim apareceu na loja
C’uma expressão de desalento
E falou pro seu filho
Numa sala lá dentro:
“um empréstimo irei pegar
Pra um advogado eu pagar
E tirar meu fí de dento...
...daquela prisão”
E pra ela o Fabim lhe prometeu
“Deixe qu’esse dinheiro
Quem vai arrumar sou eu
Vou vender a minha moto
Pra fazer o que não é lógico
Que é salvar o irmão meu."
O Fabim vendeu a moto
E pediu pra pagar fiança
Só que o pedido foi negado
Pelo juiz daquela instância
Porque as provas contra o Nadin
Tava nas câmeras de segurança.
Então o Fabim continuou
Comprometido na missão
De libertar o Zé Bulacha
Das grades da prisão
Pagou a uma advogada
Conhecida na região...
...por ter um bom histórico
De ter sido bem-sucedida
Na maioria dos casos
Que defendeu na justiça
Carolina era uma advogada
Que somente ajudava
Quem ela achava que merecia...
....uma nova chance independente
Das outroras chances desperdiçadas
Essa era sua opinião
Referente ao Zé Bulacha
Que desde jovem fazia
Ruindades que preenchia
A falta do amor de outra alma.
Num dia de sábado o Fabim
Me chamou pra ir com ele
Fazer a primeira visita
Ao dentento qu’era irmão dele
E com Nadin dentro da cela
O Fabim falou pra ele.
“Tua mãe ta agoniadinha
Pra te tirar dessa prisão
Mas saiba que além dela
Tu decepcionou teus irmão
Noiz tamo muito triste
Mas veja a nova chance então...
... que a vida tá de dano
De se superar na vida
Tu vai pagar pelos seus erros
E voltar de cabeça erguida
Se isso eu tô te falano
É porque eu te amo
Mostre que quem morre se ressuscita.”
De dentro da cela o Zé Bulacha
Desabou a cabeça no braço
E começou a chorar
molhando o chão encimentado
Descarregando esse peso na terra
Esticou os braços pra fora de cela
Envolvendo o irmão num abraço.
Depois dessa cena simbólica
Terminou a visitação
Dias depois encontrei o Sérgio
Com outros colegas da região
Sérgio tava no semi-aberto
Após ser pego c’uma arma na mão...
...roubano um posto de gasolina
Bem no centro da região
Ele esteve na mesma cela
Pr'onde levaram o Nadin então
Sergio nos disse que viu ele
Como atacado pelo cão.
“De vez em quando eu via lá
O Zé Bulacha na agonia
Teno crise de abstinência
No chão ele se contorcia
Gritando e se tremeno
Como se um surto tivesse teno
Da terrível epilepsia.”
Lá o Zé Bulacha não tinha
Meios pra sua satisfação
Através do crack que o levou
Pra mais remota escuridão
por isso muitos acreditava
Que a prisão funcionava
Como uma clínica de reabilitação.
Era isso que “confortava”
Fabim e a sua mater
Que vez e outra iam lá
Com o objetivo de ver
Nadin pagano pelos seus crimes
E no processo do renascer.
Nadin passou seis meses preso
Sem saber que seu tutor era Hórus
Que ao considerá-lo pronto
Decidiu dar-lhe o habeas corpus
Através da juíza da região
Que o liberou é óbvio.
Zé Bulacha apareceu na Loja
Onde eu tava trabalhando lá
Não precisou emitir palavras
Pois tava tudo no seu olhar:
Um brilho forte e reluzente
Que acalma as ondas da mente
De quem perto dele está.
Nos Seus gestos não havia
A impureza da imperatividade
No seu jeito tava explícito
Uma sincera serenidade
Típico de quem transmutou
O sofrimento e a dor
Na luz da felicidade.
No seu pescoço tinha uma tatuagem
Com o nome “Fabim” (seu irmão)
E abaixo uma pequena frase
Mas bela como a imensidão
Que dizia exatamente:
“Tú sempre terá minha gratidão.”
Nadin não se achava
Assim como não se exibia
Tava silencioso como aqueles
Que acessa a luz da sabedoria:
Troféu da luta existêncial
Dado a quem vence a tirania...
...do ego que conspira contra
O anseio por riqueza espiritual
Como a maioria das pessoas
Poderia ter sido trágico o final
Do Zé Bulacha que sofreu
Mas graças ao amor transcendeu
Obtendo a vitória final...
...contra o seu maior inimigo
Que é ele mesmo
Travou batalhas no Teixeira
Onde por todo esse tempo
A maioria das pessoas
Isensíveis à sua pessoa
Usaram o seu sofrimento...
...pra preencherem o próprio vazio
Fazendo fofoca gratuita
Sobre o Zé Bulacha que por pouco
Quase não ficou biruta
Graças ao amor do Fabim
Que não desistiu de salvar a sua...
...alma e vi naquela manhã
O lindo desfecho desse relato
Que foi ver o Zé Bulacha
Renascido e curado
Fui demitido naquela manhã
E antes de ir pra São Paulo...
...passei uns dias no Teixeira
E lá pude visualizar
O Zé Bulacha trabalhando
Ocupando o meu lugar
Na lojinha do seu irmão
Onde ele trabalhava então
Labutano sem parar.
Ele ainda fumava cigarro
E bebia vez e outra
Mas o demônio do Crack
Tava exorcizado de sua pessoa
Comprometido com a sua família
Nadin trabalhava todo dia
Aureloado por uma coroa..
...anímica que flutua na cabeça
De quem já teve no mar de dor
Se afogando e lá do fundo
Recebeu um impulso libertador
Que nos leva a quebrar a casca do orgulho
E se dissolver no amor.
Hoje a história do Zé Bulacha
Eu levo como um exemplo
Linhas tortas escritas por forças divinas
Elas conduziram todo momento
Nadin na direção certa
Isso porque o sofrimento liberta
Logo quando ele é enfrentado
Só mesmo o Zé Bulacha pra saber
Os conflitos que travou contra o seu Ser
Na busca pra se tornar iluminado.
Santo andré, 30 de Julho de 2023