A igreja da poesia
Também sou dessa seara
Entre nobres e plebeus
Peço a clemência dos sábios
Brandura para os ateus
Todos possuem os seus santos
Eu também tenho os meus
A igreja da poesia
Será fundada por mim
O pastor é Sander Lee
O beato é Benjamim
O santo serei eu mesmo
Quem quiser que ache ruim
Nessa igreja só entra
O povo da poesia
O produtor de cordel
Poeta do dia-a-dia
Com espírito do belo
Na graça que contagia
Poeta de pé quebrado
Metido a intelectual
Deus chega com providência
Ensina o bem e o mal
Ele aprende a se expressar
Na linguagem natural
Minha metrificação
Seguirá a norma santa
O verso de pé quebrado
Mesmo belo, não adianta
Quem não reza pela regra
Grande suspeita levanta
Minha mente é minha igreja
Assim diz o pensador
Livre para meditar
Sem me sentir pecador
Nem estúpido fiel
Angustiado e com dor
Proclamava Bakunin
O pensador anarquista:
Você só vai à igreja
Para se sentir na crista
Esquecer sua miséria
E a razão secularista
Você se imagina salvo
Pela sua divindade
Seguindo a vaga doutrina
Do seu pastor ou seu frade
Porém, quem lhe salva mesmo
É o rigor da verdade
Vem de Massaude Moisés
Essa forte heresia:
A poética cordel
É uma ordem vazia
Métrica não nos redime
Verso não é poesia
Já o mestre Bakunin
Definiu a frigidez
Da inteligência orgulhosa
De sua boçal rudez
Vaidosa de si mesma
E seu ideal burguês
A igreja da poesia
Lembra de nossa miséria
Não nos quer felizes, livres,
Não nos comove essa léria
O lirismo não afasta
Consciência e bactéria
Archidy Picado Filho
Um poeta do pincel:
“Rimar não é poesia”
Referindo-se ao cordel
Nossa igreja não recusa
Esse debate cruel
Qualquer coisa é poesia?
Você fuma e bebe verso?
Poesia eleva a alma
Ou é escape perverso?
No templo da poesia
Todo tema é controverso
O amigo Lau Siqueira
Que é um poeta “da hora”
Para quem a própria vida
É um eterno ir-se embora
Vez em quando faz lirismo
Com as cores da aurora
Eu faço malabarismo
Como faz o mestre Humberto
Escritor de Jaguaribe
Um cronista muito esperto
Faz poesia na prosa
Deixando o glossário aberto
A Igreja da Poesia
É a barca de Noé
O poeta Rui Almeida
Numa afirmação de fé
Diz que a tradição cristã
Para louvar a Javé
Sempre usou a poesia
Como uma água viva
Vide os santos Evangelhos
Mesmo sendo narrativa
Colhem frutos na figueira
Que a poesia cultiva
O cântico dos animais
De São Francisco de Assis
O que é senão poesia
Quando o divino bendiz
Com aquele sopro santo
De poética motriz?
O português Rui Almeida
Essa discussão amplia
Disse: a própria Igreja
Já vive de poesia
Que sempre esteve presente
E sua verve colhia
Evangelhos são poemas
Mesmo sendo narrativas
As palavras de Jesus
São versos e trovas vivas
Percebendo a poesia
Como mensagens massivas
Aqui o nosso evangelho
Simples e racional
Se resume numa frase
De entendimento geral:
O melhor da liturgia
É a palavra basal
Aquela que já define
O sentido dessa vida
O espírito sopra onde quer
E para o sonho convida
Arte sacra e sã do verso
E da palavra ungida
E a tal inspiração
Não esqueça, Zé Mané:
Isso segue a lei do ritmo:
Aguarde a baixa maré
Depois da maré montante.
Quis Javé e assim é.
Poeta que estais na terra
Santifica vossa arte
Venha a nós a inspiração
Que se encontra em toda parte
O bom verso nos dai hoje
Que é nosso porta-estandarte
Dizia Rubens Jardim
Que a boa poesia
É insubordinação
É desordem e rebeldia
Sem norma ou dez mandamentos
Em completa autonomia
A palavra vigorosa
Representa o “mau caminho”
Por isso na minha igreja
Nenhum fiel é “bonzinho”
Sem certeza e segurança
Nem a proteção do ninho
Antonio Carlos Secchin
Sobre essa fé incomum
Diz que não promete nada
De ritual ou jejum
Nem adoração a anjo,
Nem santo, nem deus nenhum.
Na igreja da poesia
Nenhum credo se aceita
A não ser a mente livre
Que no caos se faz colheita
Seja livre a invenção
Esta é a minha seita.