Tá confortável aí?

Ano que vem de novo tem eleição

O Prefeito quer dinheiro emprestado

Pra sair fazendo obra desembestado

Pra mostrar serviço pra população

Pra ganhar do eleitor a predileção

Mas tem uma pedra no meio do caminho

Ele não tem poder pra decidir sozinho

Mesmo sendo o Chefe do Executivo

Tem que pedir benção ao Legislativo

Pra poder trazer as moedas pro cofrinho

A Câmara pauta a matéria pra votação

Cada Vereador capricha em seu discurso

Pra disfarçar com classe o abraço de urso

Que é praxe no trâmite da negociação

E quem tá sendo apertado não tem outra opção

Que não seja a do parecer favorável

Redigido naquele juridiquês irretocável

Concedendo aos Edis o justíssimo reajuste

Mesmo ciente do quanto ao erário custe

Pra ficarem eles todos em situação confortável...

Em Brasília a banda toca no mesmo diapasão

Pra ter as tão essenciais reformas aprovadas

É preciso "articular" com todas as bancadas

O nome até que é bonito: "Presidencialismo de Coalizão"

Pra evitar o desgosto a gente abraça a ilusão

Mas ninguém entra no baile sem comprar seu ingresso

E todo dia é Ministro indo visitar o Congresso

Pra anunciar liberação de emendas parlamentares

Em troca de votos pros projetos tão espetaculares

Que farão do Brasil o puro creme do sucesso

E como é o dono da bola que manda no jogo

Vossas Excelências aproveitaram a oportunidade

E aprovaram - quem diria? - à beira da unanimidade

Uma anistia que atira suas próprias culpas ao fogo

Extinguiram punição pra qual já não mais cabia rogo

As multas anularam, em atitude deplorável

Decorrentes do desrespeito, não menos reprovável

Às cotas eleitorais às mulheres e negros destinadas

E ainda purgaram as prestações de contas condenadas

Pra se manterem eles todos em situação confortável...

Como se já não bastasse da impunidade a legitimação

Os meritíssimos extrapolaram os limites da tolerância

Sem temor às óbvias reações de repugnância

Criminalizaram dos políticos a discriminação

Gerente do banco vai preso se apresentar objeção

À abertura de conta por pessoa politicamente exposta

Chegando até quatro anos a reclusão a ser imposta

Aos que criarem à lavanderia qualquer embaraço

Pertença ela ao distinto ou a quem que com ele tenha laço

Pro porquê dessa aberração não há outra resposta

E ainda que o ilustre dignitário, por raríssima desatenção

Acabe em gravíssimo ilícito flagrado

E seja investigado, denunciado e processado

Não pode ter vilipendiada sua reputação

Muita cautela a quem expressar sua indignação

Pra não incorrer em conduta condenável

Chamar de ladrão quem rouba agora é inaceitável

Lícito é soltar o bandido pra virar Presidente

Caçar e cassar Procurador da República como delinquente

Pra voltarem eles todos à situação confortável...

E olha que ao futuro se projeta a proteção

Até cinco anos depois do vínculo desfeito

Pode o beneficiado usufruir do direito

De reivindicar pros insultadores severa punição

Mesmo já não mais sendo pessoa em exposição

Os magnânimos se revestiram de garantia estendida

Espanto zero se esticada mais adiante pra toda a vida

Em sua defesa alegam antiquíssimo precedente

Pelo Judiciário criado e utilizado comumente

De aposentar Magistrado por ação indevida

É com imenso pesar que se anuncia a constatação

Seja progressista ou conservador, de esquerda ou direita

Quem senta no Plano Piloto com facilidade se ajeita

Cuidar da própria blindagem é a exclusiva ocupação

E, se der, fazer uma maquiagem na tributação

Mas nunca desrespeitando o que é intocável

Preservar as tradições é sempre muito louvável

Quem botar motor na bike: do IPVA é obrigado ao recolhimento

Já quem tem jatinho e lancha: do imposto continua isento

Pra permanecerem eles todos em situação confortável...

Quer maior desigualdade que a dos caixas dos mercados?

Receba o cidadão um ou vinte salários

Paga de ICMS os mesmos percentuais arbitrários

Sobre todos os produtos comprados

Nem pro mínimo pra sobreviver são diferenciados

Rico e pobre pagam igual pra adquirir cesta básica

E ninguém cogita eliminar disparidade tão trágica

É preciso que de uma vez por todas se entenda

Que ao invés do consumo, deve ser tributada a renda

Não tem fórmula secreta nem passe de mágica

De cada um seja cobrado conforme o que ganha

Alíquotas progressivas, sem imunidade nem exceção

Sem chantagem pra obter da folha desoneração

Sem distribuição de lucros, sem choro nem manha

É hora de cuidar do pessoal que mais apanha

Quem não é milionário nem miserável

Que acorda cedo e trabalha duro pra manter sustentável

O Bolsa-Família pros necessitados

E o Bolsa-Fortuna pros mais abastados

Pra se eternizarem eles todos em situação confortável...