A FOFOQUEIRA DO BREJO

E O CASTIGO DE DEUS


Aos meus queridos leitores
Que um dia ainda terei,
Eu vou contar uma história
Que certo dia escutei
Numa visita saudosa
Ao lugar onde morei.

Não somente onde morei
Mas também onde nasci,
Dei os meus primeiros passos,
Fui à escola e aprendi
A ler as primeiras trovas
Por quem de amor me perdi.

É uma história engraçada
Mas na sua base feia,
A história de uma mulher
Que seu veneno alardeia
Através da própria língua,
Falando da vida alheia.

Basicamente um monólogo
Pois a outra só escuta
O que a faladeira diz,
Continuando na luta
Que enfrenta dia a dia,
Sem parar sua labuta.

E aí segue a conversa
Que é mesmo um monologar
Porque a nossa faladeira 
Fala... fala... sem parar!
Ficando a sua vizinha
Tão somente a escutar.

Vai chegando a fofoqueira,
Com seu sorriso na cara,
No terreiro da vizinha
Que o está varrendo, não para,
Tentando evitar conversa
Com a vizinha  "peça rara".

Mas esta nem sequer nota
Ou mesmo não quer notar!
Chegando toda risonha,
Sem nem um bom dia dar.
E, sem mais essa ou aquela,
Já começa a fofocar.

 

Assim começa a fofoca

- Ternontonte, eu fui na casa
De cumade Mariquinha
E sabe quem táva lá?
Muié, tu num advinha!
Num era Chico Tumé
Fio de Sinhá Mocinha!

- Tu sabe qui Chico é
Um caba muito safado!
Namoradô... inxirido...
E véve oiando di lado,
Se babano di desejo
Pru Zéfa de Seu Conrado!

- Num é qui o caba safado,
Qui tomém já anda arrastando
As asa pra Filomena,
A fia de Seu Debrando,
Tava lá, todo assanhado!
Mais uma muié cantando:

- Era Davinha de Ontonha,
A mais véia das dei fia
De Ontonha de Seu Mané,
Qui mais parece cutia:
Páre um fio todo ano.
Ô muié boa de cria!

- E agora m'alembrei
D'outa coisa minha fia!
Poi tu num sabe... a Zefinha
Fia de Zé de Luzia?...
Aquéla piquinininha
Qui usa o shote na viria!

- Poi num é qui a disgraçada
Arranjou uma barriga!
Tá prenha!... já de três mei!
Ainda num hái quem diga.
E diz qué do fio de Inei
Aquele!... fei p'ra bixiga!

- A mãe tá disisperada!
Sem sabê o qui fazê.
Já fei uma xaropada
E deu pra fia bebê.
Mai... quem dixe qui siiviu!!
A fia vai mermo é tê!

- E a fia da cumade
Jusefa de Malaquia!
A mai véia das minina,
A qui si chama Maria
Mai qui nói aqui cunhece
Pelo apilido de Bia.

- Aquela tomém tá prenha!
Mas a mamãe pra escondê
A barriga da fiinha,
Mandô dipressa fazê
Um vistido deferente,
Cum uma saiona godê.

- Rá, rá, rá... Coitada dela!
Daqui uns dois mei ou trei,
Quero vê o qu'ela vai
Fazê pra escondê de vei
A barriguinha da fia
Qui já tará cum seis mei!

- E do jeito que ela é
"Cheia de nó pelas costa",
Vai tentá inganá nóis,
Posso inté fazê aposta!

Tentando iscondê que a fia

Tá do jeitim que ela gosta.

- Amelinha de João Branco
Tomém têve sua vei:
Sabestaiou pru Zezito
E já tá cum mai d'um mei!
E a cumade, sua mãe,
Quage morre de aperrei.

- Manéco!... prendeu a fia
Pra num saí mai de casa
Poi reparou que a danada
Era quente quiném brasa!
E o falatóro na rua
Táva deixano ela rasa.

- Hum!... Pensa qui deu geito?!
Num deu foi geito ninhum!!
Foi ela quem deu seu geito!
E só se ouve o zumzum
Qui ela aprontou c'um rapai
Das banda do Jerimum.

- Diz qui é um tá de Anacreto.
Num seio se tu cunhece!
Um arto, de oio azu
Qui, meu Deus!... inté parece
Um anjo, de tão bunito!
E aquela peste merece?!

E aí, uma reação
Que já não era esperada
De uma ouvinte tão passiva,
Deixa a outra atarantada.
Pois Madalena, que é o nome
Daquela, fala espantada:

- Mai, Cuma foi qui tu dixe?
Eu num acredito não!
E logo aquele minino
Fio de cumpade Jão?!
Um minimo tão bunito,
Tão camarada e tão bão!

E a fofoqueira, Maroca,
Que era esse o nome seu,
Confirma com um balançar
Do "quengo" que Deus lhe deu.
Continua a falação.
À comadre, interrompeu.

- Tu tais pru fora, cumade!
Aquela cara bunita
É safado! Inguá os ôto!
Apoi, tu num sabe a Rita
Fia de Seu Zacaria?
Pois é... aquela cabrita!

- Num é qui se inrabichô
Tomém pela bela cara
Desse Anacreto, qui nem
À tá desgraçada incara!
Mai nem purisso dexô
De saxtifazê a tara.

- Imbuxô a miseráve
E dispôs disso tirô
O bracinho da siringa!
P'ra capitá se mandô.
E o pai, ôto sem veigonha,
Ao safadão apoiô.

Madalena, muito calma,
Diz: - Cumade, toma geito!
Dêxa de falá do povo!
Isso é um grande defeito.
Pode sê qui Deus castigue
E tu sofra cuma efeito.

- Qui nada, cumade! Diz
A fofoqueira. E seguindo,
Sem dó e sem piedade,
A imagem denegrindo
Dos seus próprios conterrâneos,
A fofocar sempre rindo

- Porém, mudando de pau
Pra cacete, minha fia!
Tem u'as históra booa!...
Qui eu sube nôto dia,
Do fio de Dona Berta!
Berta de Sinhá Maria!

- Aqueele!... Deus me perdoe!
Há muito que eu já sabia!
O seu jeitinho de andar...
Só a mãe num discunfia,
Pruquê num qué, qui o "bichinha"
Num é um fio, é fiiiia!

- E o Manezinho de Caima,
Neto do véi João do Vale!
Aqueele!... é iscancaraaado!
Num hái quem dele num fale.
Mai, se aparece o avô,
Num hái quem a boca num cale.

- E Caquinho... O galeguinho 
Dos cabelo cachiado!
Parece um anjinho lôro!
O pai dele!... ai, ai, coitado!
Quage morre de disgosto
Quando sôbe que é viado.

- E qui... rá, rá... minha fia,
O amante do "fião"
Era o seu genro, o Mané,
O qui é mitido a "machão"
Qui é casado cum Zabé
Qui já tá de barrigão.

- E tu num sabe o Justino?
O fio de Maigarida!
Aquela que é professora,
Toda mitida a sabida!
É... minha fia!... O Justino
Tomém discaiu da vida.

- Mitido a namoradô!
Mas era só pra iscondê
Do que ele gostava mermo,
Agora!... qué nem sabê!
Sacode as pena do rabo
Rebola pras nêga vê.

- Coitada da Maigarida
Passou bem uma sumana
No seu quarto, amufumbada,
Arriada numa cama
Arrenegando da sorte
De tê um fii de má fama.

- E quando vortô pra iscola,
No Grupo d'onde ela insina,
A turma quage qui tira
O côro dela, minina!
Ali chorou de desgosto,
Arrenegando da sina.

E  blá, blá, blá, blá, blá, blá 
blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá 
A comadre faladeira
Fala, fala sem parar.
Saindo da vida de um
Para na de outro entrar.

- Cumade, agora alembrei
Da fia de Seu Sansão:
A do cabelo curtinho
Qui gosta de camisão
E qui agora se butô
Pra dirigir caminhão.

-Tu num acha que ela é
Deferente, inté dimai,
Das ôtas moça daqui
E qui parece um rapai?
Esse ôio é irmão desse!
E um ao ôto num trai.

- Miniiina!... e aquele "negão"!
Aqueeele!... todo bombado!
O fii de Sebastião
O aboiadô de gado!
Miniiina!... cala-te boca!
Aquele é qui é viado!!

- Véve pras banda da rua
Numa tá de cademia!
Qui é pra dividí o coipo.
Vai quage todos os dia.
Aqui, pro pai, ele é home!
Mai lá... seu nome é Sufia!

Madalena já está p...
Da vida! Com a falação
Da outra. Mas, paciente
Que é e um bom coração
Que tem, só faz assentir.
Mas vem-lhe uma reação.

- Muié, tu fala dimai!
Toma tento e arrepara
No qui te digo, cumade!
Num joga os ôto im coivara!
Poi c'um vento, a labareda
Pode queimá tua cara.

- Ah cumade, dêxa disso!
Dêxa de querê sê santa!
Tu sabe qui c'as pessoa
Daqui isso num adianta,
Se tu ti fai de boinha,
De besta os ôto ti canta.

- Além do mai, eu já tô
Cum a língua cumixando
Pra te dizê o qui o povo
Anda puraí falando
Da muié de Seu Nastaço
Cum irmão de Seu Debrando

- É um tá de Dorgivá
Qui usa um lenço incarnado
Amarrado no pescoço,
Uma ponchete de lado,
Usa um brinco na ureia
E tem cara de safado.

- Nastaço já discunfia
Da muié com o tá malandro!
Também Dona Guiomá
Dixe qui andô iscuitando
Q'ele tá inconfoimado
E anda se lamentando.

- E a fia da Dona Zil,
Qui mora na Travissia.
Mar miniiina!... Aquela ali...

Jacinto nem discunfia
Qui a merma anda li chifrando
Cum Jão, irmão da Luzia,

- É o tá de Jão de Deus
Qui mora no Gravatá,
Perto de Jacaraú!
Onde véve a trabaiá
De chofé de caminhão
P'rus usinêro de lá.

- E o pobe do marido,
Coitado!... nem imagina
Qui, quando ela vai p'ra fêra,
No Domingo, a sua sina
Di corno já tá selada.
É a peste! A tá de Nina.

- Mai o qui mais admira
É Ontonho cabiludo,
O fio de Seu Zezinho,
Num discubrí que é chifrudo!
Poi só mermo ele num sabe.
Inté o pai sabe, e tudo!

- E os hóme num fica atrai
Nessa históra de treição!
Hai deles que até se acha
Verdadêro garanhão
Tendo mai de uma muié.
É essa a situação.

- Tu num sabe o Seu Tumé
Da budega da isquina?
Num pode vê uma saia,
Q'ele logo dá im cima!
Andô se butando inté
Pra Das Neve de Cristina.

E Maroca continua
Com a sua falação:
Fala de Zé do Baixio;
De Donana do Grotão;
De Zezinho de Santina;
De Rosa de Bastião...

Quando não há mais ninguém
Para que possa falar,
Fala até da própria mãe
Com quem andou a brigar;
Do pai e do próprio irmão
Que moram n'outro lugar.

Fala da prima, do primo;
Da tia, do afilhado;
Da irmã mais nova: Joana
Do Augusto, seu cunhado;
Nem o sobrinho Felipe
Tem o seu nome poupado.

Mas, a Dona Madalena
Não gosta de se meter
Na vida de seu ninguém!
Já está para morrer
Com a fofocagem da outra
Que não pára de tecer.

- Muié, me dêxa barrer
Meus terrêro, pru favô!
Para de falá dos ôto!
Isso é muito feio, sô!
Tu vendo a sujêra aleia,
T'isquece do teu fedô.

- Tô falando pro teu bem!
E vô ti dá um conceio:
- Toma coidado na vida
Cum a tua fia do meio,
A Socorro, a qui namora
Com um rapai do Correio.

- Pruque tu sabe a distança
Qui mora aquele rapai!
Além disso, a cunfiança
Qui tu tem nele é dimai.
Inquanto tu olha as ôta,
Num sabe o qui a tua fai.

E isso endoidou Maroca,
Que quase não acredita.
E a rainha da fofoca,
Apoplética, pula e grita,
Partindo pra Madalena,
Que um pouco assustada fica.

E blá, blá, blá.... blá, blá, blá...
De repente chega alguém
Correndo e gritando: - Acudam!
A Socorro não tá bem!
Tá com uma dor de barriga
Ninguém sabe o que ela tem.

Socorro é a filha dela!
Da rainha da fofoca
Que ouvindo o nome da filha,
Quase sem querer, se toca
Que é dela que estão falando,
Para casa se desloca.

O rapaz que veio chamá-la
É seu filho: Luizinho!
O mais novo dos meninos.
É alto, magro e lourinho,
Tem modos bem delicados,
Um falar rápido e fininho.

Chegando em casa, Maroca
Depara-se, já na porta,
Com sua filha mais velha,
Jorgina, que se comporta
Como um verdadeiro homem,
Tem perna peluda e torta.

- Mamãe, pru favô se acaime!
Aqui já tá tudo bem!
A dô qui a Socorro tinha
É a qui toda muié tem
Quando tá cum nove mei
De bucho, pra tê neném.
...
A Maroca abriu a boca
E os olhos arregalou,
Tentou dizer qualquer coisa
Porém o som lhe faltou.
Nenhuma frase emitiu.
Caiu no chão. Desmaiou.
...
Afinal, a fofoqueira
Que a vida inteira levou

Falando dos seus vizinhos,
No finalzinho ganhou
O que à mesma era devido:
Um prêmio bem merecido!
Deus com ela não falhou.


Realmente, minha gente,
Onde a fofoca campeia
Sai tudo quanto é conversa

Ao falar da vida alheia
Rasgando o véu dos segredos.
E assim, essa coisa feia
Ganha espaço e se espalha
Incansável. E a canalha,
Simplesmente, saboreia.

 

 

 

 



Natal/RN
Outubro de 2006.

Revisto hoje: 23/04/2023



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