MARIA DE OLIVEIRA
Há quem diga que o destino
É pura demagogia,
Ilusão, falta de assunto,
Entrada de nostalgia,
Outros afirmam bem claro:
– Não passa de fantasia.
As vezes nos confundimos
Quando tal coisa afirmamos,
Pois não sabemos ao certo
Aquilo que planejamos,
Já possuímos destino
Quando a vida começamos.
Em um reinado distinto
Um infante acarinhado,
Por ser ele o filho único,
Foi bem privilegiado
Pois herdou tudo o que tinha
Dentro daquele reinado.
Pelos pais era mimado
Por ser muito obediente.
Se mostrava atencioso,
Nos serviços, diligente
Por isso, seus pais o amavam
Tão demasiadamente.
Ele gostava dos pais
Amando-os de coração.
Fazia toda tarefa
Cumprindo co’ obrigação,
Não achava impedimento
E nem tinha oposição.
Mas o príncipe cresceu
Começou a falar grosso,
A rainha disse ao rei:
– Nosso filho se pôs moço
Hoje está bem crescidinho
E endureceu o pescoço.
Como todo rapazinho
Estando na sua idade,
Transparece um corpo jovem,
Na fase da puberdade
No banho demora mais,
Por conta da vaidade.
Penteia todo o cabelo
Para ficar hidratado,
Passa tempo se espiando,
No rosto tem alisado
E pra terminar só usa
Perfume sendo importado.
O príncipe nessa fase
Começou a namorar
Uma princesa bonita
Já queria até noivar
Dando passos no futuro
Para poder se casar.
Deixemos os dois aqui
Para não haver perigo
Do leitor se confundir
Nas palavras que eu lhe digo,
Nós vamos tratar daquele
Que do príncipe é amigo.
O infante tinha um amigo
Que no reino residia,
Era velho, bem letrado,
De muita coisa sabia
E tinha conhecimento
Dos segredos da magia.
Era crente em muitas coisas
Se julgava um ser normal,
Em Deus não acreditava
Dada existência do mal,
Era um alquimista em busca
Da pedra filosofal.
Como dissemos acima
Na magia era seguro,
Dava luz onde habitava
As sequelas de um escuro
E fazia predições
De coisas para o futuro.
Vendo o noivado do príncipe
Começou a lhe dizer:
– Alteza não se confunda
Senão você vai sofrer
A noiva que tu procuras
Ainda está pra nascer.
O infante desenganado
Olhou bem o seu criado,
Perguntou tendo na voz
Um ar seco e carregado:
– O que você quer dizer,
Com esse palavreado?
O feiticeiro lhe disse
Com clareza e sem temor:
– Não alimente demais
A cegueira de um amor,
Pois o que tem de ser seu
Tem mais força, meu senhor.
E desse dia por diante
O infante muito folgado
Chegou para moça e disse:
– O namoro está acabado.
É bom que saiba o motivo
Sou por outra, apaixonado.
O mago ficou sabendo,
Desse jeito esclareceu:
– A noiva que é do senhor
Por enquanto não nasceu.
Me desculpe, eu sinto muito
Se o senhor se aborreceu.
O namoro durou pouco,
Não chegou a ter noivado,
O infante chegou pra moça,
Dizendo: – está terminado.
A moça lhe respondeu:
– Vou voltar pra meu reinado.
E desse dia por diante
O infante sem dizer nada,
Retirou-se para o mato
Aventurar-se em caçada
Pra distanciar a mente
Sem mantê-la apaixonada.
O amigo lhe acompanhava,
Dando assistência de sorte,
Curava qualquer ferida
Caso sofresse algum corte;
Pelos segredos ocultos
Livrava o infante da morte.
Passavam dias no mato
Deixando o rei preocupado,
Mas o infante prevenido
Tinha consigo um criado,
Ele era o responsável
Para transportar recado.
Adiante, nessas caçadas,
O infante foi se cansando,
Chamou logo o seu amigo
E disse: – vamos andando.
Bem na frente percebeu
Um arvoredo sobrando.
Disse: – fiquemos aqui
Para poder descansar.
Mais tarde, se der coragem,
Voltaremos a caçar
Ou senão vamos embora,
Ao palácio retornar.
O infante ficou na sombra
Contemplando a correnteza
Dum flume que ali passava
Por obra da natureza,
Perto dele havia um rancho,
Moradia da pobreza.
Um conhecido morava
Naquele ranchinho pobre,
Quem passasse por ali
Deixava "pro" dono um cobre,
Poderia ser quem fosse
Da mesma classe, até nobre.
O dono do rancho vendo
Que o infante perto estava,
De imediato corria
Perto dele se sentava,
Comida, se ele tivesse,
Sem fazer questão, levava.
Foi numa dessas caçadas
Que algo estranho ocorreu:
O infante chegou na sombra,
O pobre não percebeu,
O infante se perguntava:
– O que foi que aconteceu?
De repente ao seu encontro
Aquele pobre chegou,
– Por que não viestes antes?
O príncipe lhe perguntou,
E dessa maneira foi
Que o pobre lhe respostou:
– Me desculpe meu senhor,
Eu não estou lhe ofendendo,
Minha mulher agoniza
E na cama está tremendo
Estou ajudando a ela;
Minha filha está nascendo!
O infante tendo bondade
O pobre compreendeu,
Aquele gesto estimado
Na sombra que lá se deu,
Ele sem fazer questão
Ainda lhe agradeceu.
E para matar o tempo
Conversava co’ criado
Que também naquela sombra
Descansava bem deitado
Perguntando requeria
A resposta ao perguntado:
– Se você é mesmo sábio
Então vai me responder:
Se nesse momento exato
Esta criança nascer
Futuramente o que poder
Vir com ela acontecer?
O criado calculou,
Foi essa a resposta dada:
– Nascendo neste momento
Não terá vida de fada
E tem mais oh, meu senhor!
Morrerá sendo enforcada.
Uma trégua na conversa
Por ali se ouviu-se dar
E depois de longa pausa
O gelo pôr-se a quebrar
Fitando bem o criado
Começou lhe perguntar:
– Queira, pois me responder
Se você for bem capaz
Me diga com esse vento
Que a natureza lhe faz
A criança, vindo agora
Qual é a sina que traz?
– Vou lhe responder bem certo
A resposta é calculada,
Eu serei objetivo
Pra não ter dúvida de nada:
A criança, vindo agora
Morrerá, mas degolada.
Para fazer tentação
Perguntou sem ter rudez:
– Me responda meu criado,
Se você tem rapidez,
A criança vindo agora,
O que será dessa vez?
O criado paciente
Sem ter resposta enganada,
Transmitiu tudo o que viu
Numa visão revelada:
– Se a criança vir agora
Morrerá sendo afogada.
Lá se passou meia hora
O pobre os apareceu
Trazendo a feliz notícia:
– É menina, já nasceu!
E voltou pra sua casa,
Foi assim que sucedeu.
O príncipe sem ter demora,
Com a dúvida que o domina,
Chega perto do criado
Se abaixando, até se inclina,
Perguntou: – qual o destino,
Que carrega esta menina?
O criado respondeu
Em um tom de voz minguado:
– A criança que nasceu
Tem destino reservado
Vai se casar co’ infante;
Mandará neste reinado.
O príncipe se encheu de raiva,
Uma raiva de menino,
Olhou para o feiticeiro:
– Pela força do divino,
Eu jurarei por mim mesmo
Que vou matar o destino.
O feiticeiro insistiu
Com bravura e destemor:
– Você não vai conseguir,
Não prove do mal sabor,
Pois o que tem de ser seu
Tem mais força, meu senhor!
Vamos ver daqui por diante
Do infante, a “solicitude”
De criar a menininha...
Muitos pensam que é virtude,
Vamos narrar bem o fato
Antes que essa história mude.
Em seguida foi o príncipe
Naquela humilde casinha
E pediu aquele pobre:
– Me dê essa menininha,
No palácio ela terá
Conforto de princesinha.
O marido e a mulher
Se ficaram conversando.
Em seguida perceberam
Que estavam demorando,
Depois de tantas delongas
Acabaram concordando.
Entregaram a criança,
O criado lha pegou
E fez da capa do infante
O manto que lhe adornou,
Naquele mesmo intervalo
Ao palácio retornou.
Quando passavam num bosque
O infante disse ao criado:
– Desça naquele barranco,
Chegando do outro lado,
Mate logo esta criança
E me traga o resultado.
– Como prova que você
Disso fez execução,
Ainda vou lhe exigir,
Preste bastante atenção:
Me traga a ponta da língua
Para ser comprovação.
O criado obedeceu
Mas foi mais inteligente;
Não matou a criancinha,
Teve pena da inocente
E duma divina ideia
Teve outra mais prudente:
Ele pegou a menina
"Cuma" jeitosa maneira,
Ajeitando uma caminha
Usou folhas e madeira,
Depositou a menina
Na sombra duma oliveira.
Depois dessa nova ideia
Teve outra ao mesmo instante:
Por ali passava um rato
Seu tamanho era “gigante”
Do qual foi cortada a língua
Que apresentou ao infante.
Quando o infante viu a prova
Caminhar, continuou.
Somente pra si, baixinho,
Foi assim que sussurrou:
– Meu criado é cabra macho
Meu mandato executou.
E se foram caminhando
De volta para o reinado.
Aqui, esse fato finda
Vamos ver o outro lado
Dessa história emocionante
Que deixa o leitor cerrado.
Voltemos para a criança
Que naquela sobra estava.
Uma mulher a caminho
Por ali também passava
E reconheceu um choro
Distante, que alguém chorava.
Essa mulher que passava
Andava com muita pressa,
O motivo do vexame
Era uma dita promessa
Mas achando a criancinha
Outra história já começa.
Segue o choro da criança
Dentro do mato se some,
De repente encontrou ela
Morrendo de frio e fome
E Maria de Oliveira
Escolheu pra ser seu nome.
Esse nome foi devido
A sombra que lhe abrigava
Quando por ordens do príncipe
O criado ali deixava
Aquela pobre criança
Que essa mulher encontrava.
Ela tomou a criança
Com amor ardente em brasa,
Em seguida retornou
No passo que não lhe atrasa
Conduziu a criancinha
Pra morar na sua casa.
Essa mulher de quem falo
É criada da rainha,
Sem poder engravidar
Por um problema que tinha,
Levou consigo a criança
Como se fosse a filhinha.
A rainha soube disso
Devido a repercussão,
Também porque a mulher
Faltava co’ obrigação,
Chamou-a numa conversa
Lhe pedindo a confissão.
A rainha assim lhe disse:
– Use de sinceridade
Pois nesse particular
Tenha plena liberdade,
Me responda essa pergunta:
Você é mãe de verdade?
A criada então contou
Como tudo aconteceu;
A rainha já sabendo
Do crime do filho seu
Só queria ter a prova
De como se sucedeu.
Quando a criada saiu
A rainha com tremor,
Bradou "cuma" voz serena,
Como sereno de flor:
– Aquilo que tem de ser
Tem mais força, meu senhor.
Não deixou que a sua serva
Retornasse co’ a menina
E disse: – dai-me ela aqui
Vou ficar co’ a pequenina;
Ela será minha filha,
Por aqui alguém lh’ ensina.
Em tempos já para frente,
No palácio, um movimento,
Na cidade e no comércio
Tudo estava turbulento
E o escriba leu no pátio:
– Nota de falecimento.
– Faleceu nesta manhã
Nosso governante amado.
Amanhã pela manhã
Deverá ser sepultado
E amanhã também será
O novo rei coroado.
Após o sepultamento,
O infante foi coroado.
Um baile de proporção
Gigante foi instalado
Em honra do novo rei
Por ter sido entronizado.
No baile, o pequeno rei
Andava até a cozinha
Do palácio angustiado
Querendo ver a rainha
Sua mãe que, não largava
A sombra de uma mocinha.
O motivo dessa angustia
Foi plena percepção
Pois o rei notara a pouco
Que a moça tinha atenção
Enquanto seus convidados
Eram deixados de mão.
Assim o rei começou
Reparar nesse episódio
E viu que a mocinha estava
Subindo melhor no pódio
Por ela, nessa questão,
Alimentou o seu ódio.
Como o tempo se passava
O rei moço cada vez
Odiava sua irmã
Que de criação se fez
E a olhava com repúdio
Tendo em si uma altivez.
O rei não se dirigia
Para com ela falar.
Por outro lado a mocinha
Não se deixava abalar
E procurava de tudo
Que ao rei pudesse agradar.
O rei com isso cismado
Entrou em meditação
Sem poder mais explicar
Da raiva qualquer razão
Chamou o criado a parte
Fazendo interrogação.
– Meu criado, me responda:
Daquela recém-nascida
E da ordem que lhe dei,
Foi realmente cumprida?
Se você não me disser
Vai pagar co’ a sua vida.
O criado amedrontado
Revelou em tom acácio
Como na mata se deu,
Relembrou todo o prefácio,
Dizendo como a menina
Veio parar no palácio.
O rei quis estrangulá-lo
Como se aperta um tumor,
O criado repetiu
A frase sem ter temor:
– Aquilo que tem de ser
Tem mais força, meu senhor.
Quando o rei se retirou
Já ia traçando um plano,
Ou seja, matar Maria.
Como era o soberano,
Achou que fazia ganho
Agindo como um tirano.
Então planejou a morte
Sem calcular o seu custo.
Achava que resolvia
Se alguém lhe desse um susto,
Não importava o que usasse;
Queria um motivo justo.
Numa manhã bem cedinho
O rei convidou Maria
Que fosse a sala do trono
Ela foi com alegria
Só que o rei com muito ódio
Lhe falou com grosseria.
O rei disse pra Maria:
– Menina preste atenção!
Vou fazer uma viagem
Dai-me cá a sua mão;
São as chaves do tesouro
Lhe confio a proteção.
O rei entregou as chaves,
Disse ainda devagar:
– Cuide bem delas mocinha
Porque quando eu retornar
As mesmas mãos que guardaram
Deverão me repassar.
Não se admire o leitor
Desse ato de bondade
Porque detrás dele existe
Uma má realidade
E por ele o rei só quer
Desferir a crueldade.
Quando recebeu as chaves
Maria se retirou
Em direção a seu quarto,
Abriu a porta e entrou
Procurando um porta-joias
Onde a penca lá guardou.
Sem que ela percebesse,
O rei seguia seus passos.
Vendo aonde a penca estava
Armou ciladas e laços:
Furtou as chaves, saiu
Sem esforço e sem fracassos.
Depois de ter dado fim
Nas chaves que ele furtou,
Chamou sua comitiva
Entrou num barco e sentou
Sarcasticamente deu
Seguimento e viajou.
Quando o rei saiu, Maria
Retornou para seu quarto,
Foi em direção a penca
Seu sentimento era farto
Como não achoava o molho
Quase que morre de infarto.
Procurou a noite toda
Sem obter chave alguma
Ela disse: – se eu achasse
Com nada que fosse uma
Só que agora essas certezas
Não me sobram mais, nenhuma!
Maria no outro dia
Estava muito pior.
Contou tudo pra rainha
Que lhe disse: – é bem melhor
Você confiar em Deus
Que tem um poder maior.
À tarde, quando os criados
Foram comprar seu pescado,
Tinha ali um peixe grande,
Certamente bem pesado,
Ao abrir o peixe viram
Um objeto enganchado.
Era a penca com as chaves;
Um criado disse: – eu sei
Essas chaves donde são
Me entreguem que eu levarei
Elas são lá do palácio,
Da moradia do rei.
Em seguida retirou-se
Com passo peremptório
Foi ter a rainha e deu
As chaves, fez relatório
Do que tinha sucedido
Num ar bem satisfatório.
A rainha ao oratório
Alegre se dirigia,
Grata pela providência
Que se deu naquele dia,
Estendendo o braço deu
As chaves para Maria.
Foi tempo que o rei chegou;
Do portão tirou-se as traves
Para que pudesse entrar
Dando passos bem suaves,
Quando viu Maria disse:
– Onde estão as minhas chaves?
Maria dando um sorriso,
O rei notando o contraste,
Ela iniciou dizendo:
– Oh, meu rei, como voltaste
Tens aqui as tuas chaves
Do jeito que me entregaste.
O rei quando viu as chaves
Se sentiu paralisado,
Foi mudando a cor da face
Para um tom esbranquiçado
Pegando as chaves saiu,
Dado em passo acelerado.
Embora sendo ele o rei
Não acertava outro tino,
Ocupando um cargo nobre
Não deixou de ser “menino”,
Queria fazer de tudo
Pra livra-se do destino.
Deu sequência a sua ideia
E chamando um seu criado
Foi dizendo nestes termos:
– Tu estás encarregado
De trazer-me uma princesa...
E a quero doutro reinado.
O criado retirou-se
Para seguir seu caminho,
Tomando uma caravela
Velejou no mar sozinho,
Aportou não muito longe;
Tinha um reinado vizinho.
Ao chegar apresentou-se
Ao rei daquele setor.
Disse: – rei, eu vim na paz
E por causa de um amor;
Meu soberano deseja
Ter a filha do senhor.
O rei vindo a concordar
Logo embarcou a princesa
A qual era sua filha
Dona de rica beleza,
Mas ela contra vontade
Partiu com muita tristeza.
De fato, o seu desconsolo
Não se nega pra ninguém,
A mágoa do peito dela,
O leitor escute bem,
O motivo é conhecido:
Ela já amava alguém.
Foi por isso que chorou
Derramando um pranto esboço,
Empalidecendo a face
Provocando um alvoroço
Porque não queria ser
Esposa dum rei tão moço.
Quando a princesa chegou
A corte toda esperava
E Maria de Oliveira
Por ali também estava
Bonita, cheia de joias;
E todo mundo a gabava.
A princesa, do contrário,
Chegara empalidecida.
Para quem vinha casar,
Estava murcha e sofrida.
Por ali, até disseram:
– Parece que vem sem vida.
Maria, por sua vez,
Disse assim, sem esperança:
– "Passarinhos, muitos cantam
Parreira no vento dança
Mas eu nunca vi u’ a noiva
Para ter tanta mudança".
Depois dum tempo a princesa
Simpatizou com Maria,
A quem chamou certa vez
Para o quarto em que vivia
E fechando um pouco os olhos
O seu coração se abria.
Disse: – Maria, me ajude!
Eis aqui o meu segredo:
Eu já amo outra pessoa
E, por isso, eu tenho medo.
Preciso sair daqui
Ainda enquanto está cedo.
– Ainda tem outra coisa,
Escute tudo o que eu digo:
Eu ficando por aqui
Estou correndo perigo;
Arranje um jeito do rei
Não fazer vida comigo.
– Esse meu pedido a ti
Pode até parecer chato,
Mas atenda, eu vos imploro
Finde comigo um contrato
E serei por toda a vida
Penhorada por seu ato.
Maria disse baixinho:
– Eu aceito o seu pedido.
E dali duas semanas
Tudo estava decidido
Teve festa, casamento,
Noivo, e noiva de vestido.
E depois do juramento
De um ao outro ser fiel,
Entronizaram nos dedos
Cada qual o seu anel,
Dando sequência ao enlace,
Foram pra lua de mel.
Tudo estava combinado,
Tinha o quarto a luz acesa
A noiva disse ao seu rei:
– Vou apagar, é surpresa!
Ela saiu e Maria
Se disfarçou de princesa.
Algumas horas depois,
O rei muito satisfeito,
Levantou-se sem demora
Deixando pra trás o leito
Foi ao quarto de Maria,
Pois já tinha um plano feito.
Empunhado uma bengala
Ao quarto se dirigia,
Empurrando a porta, entrou
Preparando a pontaria:
Bateu muito na princesa
Julgando ser em Maria.
O rei voltou a seu quarto,
Pretendendo se deitar,
Sentou no beiral da cama
Retirando o seu colar
Foi colocando em Maria,
Sem nada desconfiar.
Depois agarrou no sono
E Maria se “acordou”,
Saiu sem fazer barulho,
Com o colar que ganhou
E para o quarto do rei
A princesa retornou.
Estava tão deprimida,
As costas arroxeadas,
Olhos turvos e chorosos,
Faces muito esbranquiçadas
E o corpo tão dolorido
Pelas várias bengaladas.
Quando amanheceu o dia
O rei passou por otário;
Pois viu com seus próprios olhos
O dilema do cenário:
A princesa esmorecida,
Maria como um canário.
Na segunda noite o fato
Novamente aconteceu
Um anel de ouro o rei
Tinha tendo o nome seu
Entregou ele a Maria
Que no escuro o recebeu.
O rei saiu co’ a bengala
Como da forma primeira,
Deu u’ a surra na princesa
Seguindo a mesma maneira,
Certo que estava batendo
Em Maria de Oliveira.
Durante o dia a surpresa
Do rei tomou proporção:
Maria cantarolava
A letra duma canção
E a princesa amarelava
Igual a flor do algodão.
Veio a noite novamente
E tudo se simulou,
Dessa vez uma pulseira
Com Maria o rei deixou
E a princesa, coitadinha,
Outra surra ela levou.
Novamente o sol raiou
Em matiz amarelada,
O rei vendo que a princesa
Estava muito enfadada
Não puxou muita conversa
Ficou de boca fechada.
Ante os acontecimentos
O rei se sentiu tacanho,
Estava um pouco cismado
Por não lucrar nenhum ganho
E pensou que estava em meio
Dum sucesso muito estranho.
O dia foi se passando
Num compasso devagar
E saindo para os campos,
Quis o rei ir passear
Retornou pra casa quando
Era hora de almoçar.
O almoço foi transferido
Da cozinha para a mesa,
Estavam ali presentes
Alguns vindos da nobreza
Para saudar a rainha,
Sua nova realeza.
– Dai-me contas de Maria,
Perguntou o rei, somente.
A princesa respondeu:
– Está no quarto doente,
Por isso que a coitadinha
Não vai se fazer presente.
Pensava o rei de Maria:
Hoje caiu sua ficha,
É por isso que no quarto
Ela se tranca e se anicha,
A surra que eu dei serviu,
Já desencantou a bicha.
Terminando de almoçar,
Estando o rei muito farto,
Logo se afastou da mesa
Saiu daquele comparto*
E foi ver como Maria
Se comportava no quarto.
Não sendo mais avistado,
Apressou de modo o passo
Que quando chegou no quarto
Foi grande o seu embaraço
Ao ver que Maria tinha
Sua pulseira no braço.
Estava Maria bem.
O rei aparentou medo
Quando viu o seu colar
E o anel naquele dedo
Foi assim que começou
Interpretar o enredo.
Maria estava tão bela
Com as joias bem ornada,
O seu corpo no vestido
Parecia ser de fada
E o rei ficou tão pasmado
De natureza assombrada.
Foi reconhecendo as joias
Que o rei se surpreendeu
“Pois tinha dado a princesa
Pra ser um presente seu”,
Mas perguntou a Maria
– Essas joias, quem lhe deu?
Maria lhe respondeu:
– As ganhei de um ser humano...
Falarei diretamente,
Para que não haja engano:
Essas joias, quem me deu
Foi você, meu soberano!
Ao ouvir essa resposta
Junto ao chão ficou de rés,
Meneou muito a cabeça,
Rolou por cima dos pés,
Sua teima co’ o destino
Não lhe fez um palmarés.
O rei se afastou do quarto
E saiu determinado.
Andando uns três passos viu,
A direita, um seu criado
Se achegando perto dele,
Foi passando um ordenado:
– Vá na direção dos portos
E o navio preparai
Daqui a cinco minutos
Com a princesa embarcai
E vá deixá-la depressa
No reinado do seu pai.
Ao se completar o tempo,
A princesa viajou
Levando muitos presentes
E um papel que o rei mandou
Contendo um pedido expresso
De desculpas, enviou.
Ia com ela o criado
E guardas fazendo escolta.
Quando ela chegou em casa
Seu pai não teve revolta,
Vendo tudo com bons olhos
Aceitou ela de volta.
Tudo isso se passou,
Mas foi também nesse dia
Que o rei se encheu de esperança
E apesar de tudo via
Que o futuro do seu reino
Precisava de Maria.
Foi ao seu encontro e disse:
– Quero que tu sejas minha!
Você sabe muito bem
Que não é mais menininha
Quero que suba no trono
Para ser minha rainha!
Então deu-se o casamento
Junto da coroação.
No palácio, nesse dia
Foi grande a celebração
Sendo maior pra Maria
A sua superação.
Perdendo para o destino
O rei ganhou seu amor.
Teve que passar por isso,
Provar desse dissabor
Para no final dizer:
– Aquilo que tem de ser
Tem mais força, meu senhor!
Baixa Grande 21/12/2020
Nota: este cordel é baseado num conto recolhido por Câmara Cascudo.
* comparto: esta palavra aparece aqui não com o sentido de compartilhar, mas como forma apocopada de compartimento que, no contexto, traduz a ideia de ambiente, lugar.