MARIA DE OLIVEIRA

Há quem diga que o destino

É pura demagogia,

Ilusão, falta de assunto,

Entrada de nostalgia,

Outros afirmam bem claro:

– Não passa de fantasia.

As vezes nos confundimos

Quando tal coisa afirmamos,

Pois não sabemos ao certo

Aquilo que planejamos,

Já possuímos destino

Quando a vida começamos.

Em um reinado distinto

Um infante acarinhado,

Por ser ele o filho único,

Foi bem privilegiado

Pois herdou tudo o que tinha

Dentro daquele reinado.

Pelos pais era mimado

Por ser muito obediente.

Se mostrava atencioso,

Nos serviços, diligente

Por isso, seus pais o amavam

Tão demasiadamente.

Ele gostava dos pais

Amando-os de coração.

Fazia toda tarefa

Cumprindo co’ obrigação,

Não achava impedimento

E nem tinha oposição.

Mas o príncipe cresceu

Começou a falar grosso,

A rainha disse ao rei:

– Nosso filho se pôs moço

Hoje está bem crescidinho

E endureceu o pescoço.

Como todo rapazinho

Estando na sua idade,

Transparece um corpo jovem,

Na fase da puberdade

No banho demora mais,

Por conta da vaidade.

Penteia todo o cabelo

Para ficar hidratado,

Passa tempo se espiando,

No rosto tem alisado

E pra terminar só usa

Perfume sendo importado.

O príncipe nessa fase

Começou a namorar

Uma princesa bonita

Já queria até noivar

Dando passos no futuro

Para poder se casar.

Deixemos os dois aqui

Para não haver perigo

Do leitor se confundir

Nas palavras que eu lhe digo,

Nós vamos tratar daquele

Que do príncipe é amigo.

O infante tinha um amigo

Que no reino residia,

Era velho, bem letrado,

De muita coisa sabia

E tinha conhecimento

Dos segredos da magia.

Era crente em muitas coisas

Se julgava um ser normal,

Em Deus não acreditava

Dada existência do mal,

Era um alquimista em busca

Da pedra filosofal.

Como dissemos acima

Na magia era seguro,

Dava luz onde habitava

As sequelas de um escuro

E fazia predições

De coisas para o futuro.

Vendo o noivado do príncipe

Começou a lhe dizer:

– Alteza não se confunda

Senão você vai sofrer

A noiva que tu procuras

Ainda está pra nascer.

O infante desenganado

Olhou bem o seu criado,

Perguntou tendo na voz

Um ar seco e carregado:

– O que você quer dizer,

Com esse palavreado?

O feiticeiro lhe disse

Com clareza e sem temor:

– Não alimente demais

A cegueira de um amor,

Pois o que tem de ser seu

Tem mais força, meu senhor.

E desse dia por diante

O infante muito folgado

Chegou para moça e disse:

– O namoro está acabado.

É bom que saiba o motivo

Sou por outra, apaixonado.

O mago ficou sabendo,

Desse jeito esclareceu:

– A noiva que é do senhor

Por enquanto não nasceu.

Me desculpe, eu sinto muito

Se o senhor se aborreceu.

O namoro durou pouco,

Não chegou a ter noivado,

O infante chegou pra moça,

Dizendo: – está terminado.

A moça lhe respondeu:

– Vou voltar pra meu reinado.

E desse dia por diante

O infante sem dizer nada,

Retirou-se para o mato

Aventurar-se em caçada

Pra distanciar a mente

Sem mantê-la apaixonada.

O amigo lhe acompanhava,

Dando assistência de sorte,

Curava qualquer ferida

Caso sofresse algum corte;

Pelos segredos ocultos

Livrava o infante da morte.

Passavam dias no mato

Deixando o rei preocupado,

Mas o infante prevenido

Tinha consigo um criado,

Ele era o responsável

Para transportar recado.

Adiante, nessas caçadas,

O infante foi se cansando,

Chamou logo o seu amigo

E disse: – vamos andando.

Bem na frente percebeu

Um arvoredo sobrando.

Disse: – fiquemos aqui

Para poder descansar.

Mais tarde, se der coragem,

Voltaremos a caçar

Ou senão vamos embora,

Ao palácio retornar.

O infante ficou na sombra

Contemplando a correnteza

Dum flume que ali passava

Por obra da natureza,

Perto dele havia um rancho,

Moradia da pobreza.

Um conhecido morava

Naquele ranchinho pobre,

Quem passasse por ali

Deixava "pro" dono um cobre,

Poderia ser quem fosse

Da mesma classe, até nobre.

O dono do rancho vendo

Que o infante perto estava,

De imediato corria

Perto dele se sentava,

Comida, se ele tivesse,

Sem fazer questão, levava.

Foi numa dessas caçadas

Que algo estranho ocorreu:

O infante chegou na sombra,

O pobre não percebeu,

O infante se perguntava:

– O que foi que aconteceu?

De repente ao seu encontro

Aquele pobre chegou,

– Por que não viestes antes?

O príncipe lhe perguntou, 

E dessa maneira foi

Que o pobre lhe respostou:

– Me desculpe meu senhor,

Eu não estou lhe ofendendo,

Minha mulher agoniza

E na cama está tremendo

Estou ajudando a ela;

Minha filha está nascendo!

O infante tendo bondade

O pobre compreendeu, 

Aquele gesto estimado

Na sombra que lá se deu,

Ele sem fazer questão

Ainda lhe agradeceu.

E para matar o tempo

Conversava co’ criado

Que também naquela sombra

Descansava bem deitado

Perguntando requeria

A resposta ao perguntado:

– Se você é mesmo sábio

Então vai me responder: 

Se nesse momento exato

Esta criança nascer

Futuramente o que poder

Vir com ela acontecer?

O criado calculou,

Foi essa a resposta dada:

– Nascendo neste momento

Não terá vida de fada

E tem mais oh, meu senhor!

Morrerá sendo enforcada.

Uma trégua na conversa

Por ali se ouviu-se dar

E depois de longa pausa

O gelo pôr-se a quebrar

Fitando bem o criado

Começou lhe perguntar:

– Queira, pois me responder

Se você for bem capaz

Me diga com esse vento

Que a natureza lhe faz

A criança, vindo agora

Qual é a sina que traz?

– Vou lhe responder bem certo

A resposta é calculada,

Eu serei objetivo

Pra não ter dúvida de nada:

A criança, vindo agora

Morrerá, mas degolada.

Para fazer tentação

Perguntou sem ter rudez:

– Me responda meu criado,

Se você tem rapidez,

A criança vindo agora,

O que será dessa vez?

O criado paciente

Sem ter resposta enganada,

Transmitiu tudo o que viu

Numa visão revelada:

– Se a criança vir agora

Morrerá sendo afogada.

Lá se passou meia hora

O pobre os apareceu

Trazendo a feliz notícia:

– É menina, já nasceu!

E voltou pra sua casa,

Foi assim que sucedeu.

O príncipe sem ter demora,

Com a dúvida que o domina,

Chega perto do criado

Se abaixando, até se inclina,

Perguntou: – qual o destino,

Que carrega esta menina?

O criado respondeu

Em um tom de voz minguado:

– A criança que nasceu

Tem destino reservado

Vai se casar co’ infante;

Mandará neste reinado.

O príncipe se encheu de raiva,

Uma raiva de menino,

Olhou para o feiticeiro:

– Pela força do divino,

Eu jurarei por mim mesmo

Que vou matar o destino.

O feiticeiro insistiu

Com bravura e destemor:

– Você não vai conseguir,

Não prove do mal sabor,

Pois o que tem de ser seu

Tem mais força, meu senhor!

Vamos ver daqui por diante

Do infante, a “solicitude”

De criar a menininha...

Muitos pensam que é virtude,

Vamos narrar bem o fato

Antes que essa história mude.

Em seguida foi o príncipe

Naquela humilde casinha

E pediu aquele pobre:

– Me dê essa menininha,

No palácio ela terá

Conforto de princesinha.

O marido e a mulher

Se ficaram conversando.

Em seguida perceberam

Que estavam demorando,

Depois de tantas delongas

Acabaram concordando.

Entregaram a criança,

O criado lha pegou

E fez da capa do infante

O manto que lhe adornou, 

Naquele mesmo intervalo

Ao palácio retornou.

Quando passavam num bosque

O infante disse ao criado:

– Desça naquele barranco,

Chegando do outro lado,

Mate logo esta criança

E me traga o resultado.

– Como prova que você

Disso fez execução,

Ainda vou lhe exigir,

Preste bastante atenção:

Me traga a ponta da língua

Para ser comprovação.

O criado obedeceu

Mas foi mais inteligente;

Não matou a criancinha,

Teve pena da inocente

E duma divina ideia

Teve outra mais prudente:

Ele pegou a menina

"Cuma" jeitosa maneira,

Ajeitando uma caminha

Usou folhas e madeira,

Depositou a menina

Na sombra duma oliveira.

Depois dessa nova ideia

Teve outra ao mesmo instante:

Por ali passava um rato

Seu tamanho era “gigante”

Do qual foi cortada a língua

Que apresentou ao infante.

Quando o infante viu a prova

Caminhar, continuou.

Somente pra si, baixinho,

Foi assim que sussurrou:

– Meu criado é cabra macho

Meu mandato executou.

E se foram caminhando

De volta para o reinado.

Aqui, esse fato finda

Vamos ver o outro lado

Dessa história emocionante

Que deixa o leitor cerrado.

Voltemos para a criança

Que naquela sobra estava.

Uma mulher a caminho

Por ali também passava

E reconheceu um choro

Distante, que alguém chorava.

Essa mulher que passava

Andava com muita pressa,

O motivo do vexame

Era uma dita promessa

Mas achando a criancinha

Outra história já começa.

Segue o choro da criança

Dentro do mato se some,

De repente encontrou ela

Morrendo de frio e fome

E Maria de Oliveira

Escolheu pra ser seu nome.

Esse nome foi devido

A sombra que lhe abrigava

Quando por ordens do príncipe

O criado ali deixava

Aquela pobre criança

Que essa mulher encontrava.

Ela tomou a criança

Com amor ardente em brasa,

Em seguida retornou

No passo que não lhe atrasa

Conduziu a criancinha

Pra morar na sua casa.

Essa mulher de quem falo

É criada da rainha,

Sem poder engravidar

Por um problema que tinha,

Levou consigo a criança

Como se fosse a filhinha.

A rainha soube disso

Devido a repercussão,

Também porque a mulher

Faltava co’ obrigação,

Chamou-a numa conversa

Lhe pedindo a confissão.

A rainha assim lhe disse:

– Use de sinceridade

Pois nesse particular

Tenha plena liberdade,

Me responda essa pergunta:

Você é mãe de verdade?

A criada então contou

Como tudo aconteceu;

A rainha já sabendo

Do crime do filho seu

Só queria ter a prova

De como se sucedeu.

Quando a criada saiu

A rainha com tremor,

Bradou "cuma" voz serena,

Como sereno de flor:

– Aquilo que tem de ser

Tem mais força, meu senhor.

Não deixou que a sua serva

Retornasse co’ a menina

E disse: – dai-me ela aqui

Vou ficar co’ a pequenina;

Ela será minha filha,

Por aqui alguém lh’ ensina.

Em tempos já para frente,

No palácio, um movimento,

Na cidade e no comércio

Tudo estava turbulento

E o escriba leu no pátio:

– Nota de falecimento.

– Faleceu nesta manhã

Nosso governante amado.

Amanhã pela manhã

Deverá ser sepultado

E amanhã também será

O novo rei coroado.

Após o sepultamento,

O infante foi coroado.

Um baile de proporção

Gigante foi instalado

Em honra do novo rei

Por ter sido entronizado.

No baile, o pequeno rei

Andava até a cozinha

Do palácio angustiado

Querendo ver a rainha

Sua mãe que, não largava

A sombra de uma mocinha.

O motivo dessa angustia

Foi plena percepção

Pois o rei notara a pouco

Que a moça tinha atenção

Enquanto seus convidados

Eram deixados de mão.

Assim o rei começou

Reparar nesse episódio

E viu que a mocinha estava

Subindo melhor no pódio

Por ela, nessa questão,

Alimentou o seu ódio.

Como o tempo se passava

O rei moço cada vez

Odiava sua irmã

Que de criação se fez

E a olhava com repúdio

Tendo em si uma altivez.

O rei não se dirigia

Para com ela falar.

Por outro lado a mocinha

Não se deixava abalar

E procurava de tudo

Que ao rei pudesse agradar.

O rei com isso cismado

Entrou em meditação

Sem poder mais explicar

Da raiva qualquer razão

Chamou o criado a parte

Fazendo interrogação.

– Meu criado, me responda:

Daquela recém-nascida

E da ordem que lhe dei,

Foi realmente cumprida?

Se você não me disser

Vai pagar co’ a sua vida.

O criado amedrontado

Revelou em tom acácio

Como na mata se deu,

Relembrou todo o prefácio,

Dizendo como a menina

Veio parar no palácio.

O rei quis estrangulá-lo

Como se aperta um tumor,

O criado repetiu

A frase sem ter temor:

– Aquilo que tem de ser

Tem mais força, meu senhor.

Quando o rei se retirou

Já ia traçando um plano,

Ou seja, matar Maria.

Como era o soberano,

Achou que fazia ganho

Agindo como um tirano.

Então planejou a morte

Sem calcular o seu custo.

Achava que resolvia

Se alguém lhe desse um susto,

Não importava o que usasse;

Queria um motivo justo.

Numa manhã bem cedinho

O rei convidou Maria

Que fosse a sala do trono

Ela foi com alegria

Só que o rei com muito ódio

Lhe falou com grosseria.

O rei disse pra Maria:

– Menina preste atenção!

Vou fazer uma viagem

Dai-me cá a sua mão;

São as chaves do tesouro

Lhe confio a proteção.

O rei entregou as chaves,

Disse ainda devagar:

– Cuide bem delas mocinha

Porque quando eu retornar

As mesmas mãos que guardaram

Deverão me repassar.

Não se admire o leitor

Desse ato de bondade

Porque detrás dele existe

Uma má realidade

E por ele o rei só quer

Desferir a crueldade.

Quando recebeu as chaves

Maria se retirou

Em direção a seu quarto,

Abriu a porta e entrou

Procurando um porta-joias

Onde a penca lá guardou.

Sem que ela percebesse,

O rei seguia seus passos.

Vendo aonde a penca estava

Armou ciladas e laços:

Furtou as chaves, saiu

Sem esforço e sem fracassos.

Depois de ter dado fim

Nas chaves que ele furtou,

Chamou sua comitiva

Entrou num barco e sentou

Sarcasticamente deu

Seguimento e viajou.

Quando o rei saiu, Maria

Retornou para seu quarto,

Foi em direção a penca

Seu sentimento era farto

Como não achoava o molho

Quase que morre de infarto.

Procurou a noite toda

Sem obter chave alguma

Ela disse: – se eu achasse

Com nada que fosse uma

Só que agora essas certezas

Não me sobram mais, nenhuma!

Maria no outro dia

Estava muito pior.

Contou tudo pra rainha

Que lhe disse: – é bem melhor

Você confiar em Deus

Que tem um poder maior.

À tarde, quando os criados

Foram comprar seu pescado,

Tinha ali um peixe grande,

Certamente bem pesado,

Ao abrir o peixe viram

Um objeto enganchado.

Era a penca com as chaves;

Um criado disse: – eu sei

Essas chaves donde são

Me entreguem que eu levarei

Elas são lá do palácio, 

Da moradia do rei.

Em seguida retirou-se

Com passo peremptório

Foi ter a rainha e deu

As chaves, fez relatório

Do que tinha sucedido

Num ar bem satisfatório.

A rainha ao oratório

Alegre se dirigia,

Grata pela providência

Que se deu naquele dia,

Estendendo o braço deu

As chaves para Maria.

Foi tempo que o rei chegou;

Do portão tirou-se as traves

Para que pudesse entrar

Dando passos bem suaves,

Quando viu Maria disse:

– Onde estão as minhas chaves?

Maria dando um sorriso,

O rei notando o contraste,

Ela iniciou dizendo:

– Oh, meu rei, como voltaste

Tens aqui as tuas chaves

Do jeito que me entregaste.

O rei quando viu as chaves

Se sentiu paralisado,

Foi mudando a cor da face

Para um tom esbranquiçado

Pegando as chaves saiu,

Dado em passo acelerado.

Embora sendo ele o rei

Não acertava outro tino,

Ocupando um cargo nobre

Não deixou de ser “menino”,

Queria fazer de tudo

Pra livra-se do destino.

Deu sequência a sua ideia

E chamando um seu criado

Foi dizendo nestes termos:

– Tu estás encarregado

De trazer-me uma princesa...

E a quero doutro reinado.

O criado retirou-se

Para seguir seu caminho,

Tomando uma caravela

Velejou no mar sozinho,

Aportou não muito longe;

Tinha um reinado vizinho.

Ao chegar apresentou-se

Ao rei daquele setor.

Disse: – rei, eu vim na paz

E por causa de um amor;

Meu soberano deseja

Ter a filha do senhor.

O rei vindo a concordar

Logo embarcou a princesa

A qual era sua filha

Dona de rica beleza,

Mas ela contra vontade

Partiu com muita tristeza.

De fato, o seu desconsolo

Não se nega pra ninguém,

A mágoa do peito dela,

O leitor escute bem,

O motivo é conhecido:

Ela já amava alguém.

Foi por isso que chorou

Derramando um pranto esboço,

Empalidecendo a face

Provocando um alvoroço

Porque não queria ser

Esposa dum rei tão moço.

Quando a princesa chegou

A corte toda esperava

E Maria de Oliveira

Por ali também estava

Bonita, cheia de joias;

E todo mundo a gabava.

A princesa, do contrário,

Chegara empalidecida.

Para quem vinha casar,

Estava murcha e sofrida.

Por ali, até disseram:

– Parece que vem sem vida.

Maria, por sua vez,

Disse assim, sem esperança:

– "Passarinhos, muitos cantam

Parreira no vento dança

Mas eu nunca vi u’ a noiva

Para ter tanta mudança".

Depois dum tempo a princesa

Simpatizou com Maria,

A quem chamou certa vez

Para o quarto em que vivia

E fechando um pouco os olhos

O seu coração se abria.

Disse: – Maria, me ajude!

Eis aqui o meu segredo:

Eu já amo outra pessoa

E, por isso, eu tenho medo.

Preciso sair daqui

Ainda enquanto está cedo.

– Ainda tem outra coisa,

Escute tudo o que eu digo:

Eu ficando por aqui

Estou correndo perigo;

Arranje um jeito do rei

Não fazer vida comigo.

– Esse meu pedido a ti

Pode até parecer chato,

Mas atenda, eu vos imploro

Finde comigo um contrato

E serei por toda a vida

Penhorada por seu ato.

Maria disse baixinho:

– Eu aceito o seu pedido.

E dali duas semanas

Tudo estava decidido

Teve festa, casamento,

Noivo, e noiva de vestido.

E depois do juramento

De um ao outro ser fiel,

Entronizaram nos dedos

Cada qual o seu anel,

Dando sequência ao enlace,

Foram pra lua de mel.

Tudo estava combinado,

Tinha o quarto a luz acesa

A noiva disse ao seu rei:

– Vou apagar, é surpresa!

Ela saiu e Maria

Se disfarçou de princesa.

Algumas horas depois,

O rei muito satisfeito,

Levantou-se sem demora

Deixando pra trás o leito

Foi ao quarto de Maria,

Pois já tinha um plano feito.

Empunhado uma bengala

Ao quarto se dirigia,

Empurrando a porta, entrou

Preparando a pontaria:

Bateu muito na princesa

Julgando ser em Maria.

O rei voltou a seu quarto,

Pretendendo se deitar,

Sentou no beiral da cama

Retirando o seu colar

Foi colocando em Maria,

Sem nada desconfiar.

Depois agarrou no sono

E Maria se “acordou”,

Saiu sem fazer barulho,

Com o colar que ganhou

E para o quarto do rei

A princesa retornou.

Estava tão deprimida,

As costas arroxeadas,

Olhos turvos e chorosos,

Faces muito esbranquiçadas

E o corpo tão dolorido

Pelas várias bengaladas.

Quando amanheceu o dia

O rei passou por otário;

Pois viu com seus próprios olhos

O dilema do cenário:

A princesa esmorecida,

Maria como um canário.

Na segunda noite o fato

Novamente aconteceu

Um anel de ouro o rei

Tinha tendo o nome seu

Entregou ele a Maria

Que no escuro o recebeu.

O rei saiu co’ a bengala

Como da forma primeira,

Deu u’ a surra na princesa

Seguindo a mesma maneira,

Certo que estava batendo

Em Maria de Oliveira.

Durante o dia a surpresa

Do rei tomou proporção:

Maria cantarolava

A letra duma canção

E a princesa amarelava

Igual a flor do algodão.

Veio a noite novamente

E tudo se simulou,

Dessa vez uma pulseira

Com Maria o rei deixou

E a princesa, coitadinha,

Outra surra ela levou.

Novamente o sol raiou

Em matiz amarelada,

O rei vendo que a princesa

Estava muito enfadada

Não puxou muita conversa

Ficou de boca fechada.

Ante os acontecimentos

O rei se sentiu tacanho,

Estava um pouco cismado

Por não lucrar nenhum ganho

E pensou que estava em meio

Dum sucesso muito estranho.

O dia foi se passando

Num compasso devagar

E saindo para os campos,

Quis o rei ir passear

Retornou pra casa quando

Era hora de almoçar.

O almoço foi transferido

Da cozinha para a mesa,

Estavam ali presentes

Alguns vindos da nobreza

Para saudar a rainha,

Sua nova realeza.

– Dai-me contas de Maria,

Perguntou o rei, somente.

A princesa respondeu:

– Está no quarto doente,

Por isso que a coitadinha

Não vai se fazer presente.

Pensava o rei de Maria:

Hoje caiu sua ficha,

É por isso que no quarto

Ela se tranca e se anicha,

A surra que eu dei serviu,

Já desencantou a bicha.

Terminando de almoçar,

Estando o rei muito farto,

Logo se afastou da mesa

Saiu daquele comparto*

E foi ver como Maria

Se comportava no quarto.

Não sendo mais avistado,

Apressou de modo o passo

Que quando chegou no quarto

Foi grande o seu embaraço

Ao ver que Maria tinha

Sua pulseira no braço.

Estava Maria bem.

O rei aparentou medo

Quando viu o seu colar

E o anel naquele dedo

Foi assim que começou

Interpretar o enredo.

Maria estava tão bela

Com as joias bem ornada,

O seu corpo no vestido

Parecia ser de fada

E o rei ficou tão pasmado

De natureza assombrada.

Foi reconhecendo as joias

Que o rei se surpreendeu

“Pois tinha dado a princesa

Pra ser um presente seu”,

Mas perguntou a Maria

– Essas joias, quem lhe deu?

Maria lhe respondeu:

– As ganhei de um ser humano...

Falarei diretamente,

Para que não haja engano:

Essas joias, quem me deu

Foi você, meu soberano!

Ao ouvir essa resposta

Junto ao chão ficou de rés,

Meneou muito a cabeça,

Rolou por cima dos pés,

Sua teima co’ o destino

Não lhe fez um palmarés.

O rei se afastou do quarto

E saiu determinado.

Andando uns três passos viu,

A direita, um seu criado

Se achegando perto dele,

Foi passando um ordenado:

– Vá na direção dos portos

E o navio preparai

Daqui a cinco minutos

Com a princesa embarcai

E vá deixá-la depressa

No reinado do seu pai.

Ao se completar o tempo,

A princesa viajou

Levando muitos presentes

E um papel que o rei mandou

Contendo um pedido expresso

De desculpas, enviou.

Ia com ela o criado

E guardas fazendo escolta.

Quando ela chegou em casa

Seu pai não teve revolta,

Vendo tudo com bons olhos

Aceitou ela de volta.

Tudo isso se passou,

Mas foi também nesse dia

Que o rei se encheu de esperança

E apesar de tudo via

Que o futuro do seu reino

Precisava de Maria.

Foi ao seu encontro e disse:

– Quero que tu sejas minha!

Você sabe muito bem

Que não é mais menininha

Quero que suba no trono

Para ser minha rainha!

Então deu-se o casamento

Junto da coroação.

No palácio, nesse dia

Foi grande a celebração

Sendo maior pra Maria

A sua superação.

Perdendo para o destino

O rei ganhou seu amor.

Teve que passar por isso,

Provar desse dissabor

Para no final dizer:

– Aquilo que tem de ser

Tem mais força, meu senhor!

Baixa Grande 21/12/2020

Nota: este cordel é baseado num conto recolhido por Câmara Cascudo.

* comparto: esta palavra aparece aqui não com o sentido de compartilhar, mas como forma apocopada de compartimento que, no contexto, traduz a ideia de ambiente, lugar.

Luiz Izidorio
Enviado por Luiz Izidorio em 03/04/2023
Código do texto: T7755365
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