O CORDEL DO TIO JOÃO
Quando eu vivia no Teixeira
convivi com meu Tio João,
Que se mudou de Brasília
pra’quela região, ele
Era bom de carpintaria
e apreciava as bebida
e farras de montão.
Ele morava com Seu Lulu
meu avô e pai dele,
Que trabalhava muito no
mato e dormia na rede;
Bem diferente do anfitrião
quase nada fazia João
passando a maior parte daquele...
....tempo no sítio relaxando
assistindo TV e vez e outra,
Praticava carpintaria
fazendo umas coisa,
Como tamborete e porteira
de qualidade boa.
Tio João me disse que aprendeu
carpintaria na marinha,
Ajudando a construir navios
que no Porto de Santos tinha,
Foi dispensado do exército
após ser pego c’uma latinha....
... de cachaça que o sentenciou
a não lutar pela sua pátria,
Isso quem me contou foi
minha mãe dano risada;
Ela era irmã de Tio João
que critivaca seu irmão
e também o elogiava.
“João é um homi sabido
seu problema é as bebedera,
Si num fosse esse vício
ele seria flor que se cheira;
As arte qu’ele faz
eu admiro demais
que não é brincadera.”
A primeira vez que Vi Tio João bebo
foi quando ele foi em casa,
Era umas dez horas da noite
a Lua no céu tava,
Ele entrou na residência
sem falar uma palavra.
Tirou um bolo de dinheiro
de dentro do seu bolso,
Pôs na mão de mãe dizendo:
“ele é seu todo”,
Depois pegou de volta
e perguntou sem ser groso:
“ Eu preciso de cem reais
você tem pra me emprestar?”,
”Tô mais lisa que pelo
de barriga do preá";
Mãe falou isso e João
começou a falação
dizendo asneira sem parar.
Falou tanta besteira que
é perda de tempo descrever,
Emendando coisa com coisa
Que não tinha nada a ver,
Seguia sua linha de raciocínio
e de repente um toverlinho
torcia o meu compreender.
Tio João só parou quando mãe
levou ele pra cama de solteiro,
A cana o deixava insuportável
e lucidez seu espírito cheio,
De papo reto qu’ele partilhava
comigo lá no terreiro...
...do sítio do Seu Lulu
embaixo dum pé de jaca,
Cum duas cadeiras de balanço
onde numa eu me sentava,
E na outra o João que
sobre a vida dissertava.
Tio João puxou ao Seu Lulu
no que tange a Jesus Cristo,
Ele não ia pra igreja, pois
“disso eu não preciso;
Porque o Senhor Deus
mora dento de você e eu
a igreja é nosso espírito.
“O problema do homi é a ganância
e seu desejo de querer mais,
Passa a vida acumulando
riqueza e bens materiais;
E só é no fim da vida que
dá conta qu’ela foi vazia
e não há tempo de voltar atrás.
Falei que não acreditava em Deus
ele disse: “eu acredito
Porque sei qu’ele existe
disso eu num duvido
E te digo mais uma coisa
Preste atenção nisso:
“Teu coração só bate porque
Deus bombeia o sangue todo
Ele é o criador de tudo
desde do velho até o novo
Só qu’isso vai entrar no teu uvido
e sair pelo outro.”
Naquela hora nem sequer
entrou na minha audição,
Segui desacreditanto em Deus
até cair na escuridão;
E antes de Deus me resgatar
me ungir e me iluminar
passei mais tempo cum João.
Eu tinha ido pra São Paulo
onde passei três meses lá,
Depois voltei pro Texeira
fui pro sítio tomar um ar;
Quando lá eu vi Tio João
ele me deu café cum pão
e começou a me chalerar.
Toda vez qu’eu ia lá
ele me dava uma coisa,
Uma vez foi suco
outra foi sopa de cebola,
E assim o João foi
agradano minha pessoa.
Até que um dia ele
pediu um favor pra eu,
Eu não sube dizer não
depois do qu’ele me deu,
Aceitei fazer o favor
e ele logo descreveu:
“Entregue esse bilhete a Mara
e diga que foi João,
Que mandou e ela
botará na sua mão;
Um negoço que você
me dará e irá receber
a minha gratidão.”
Eu levei o bilhete até o BMG
qu’era onde ela trabalhava,
Lá entreguei o bilhete
a Mara que leu na minha cara;
Ela me pediu pra esperar
foi lá dentro e ao voltar
pôs cem conto na palma...
...da minha mão que apertei
e voltei pro sítio,
Entreguei na mão de João
que ficou agradecido,
E me chamou pra almoçar
Eu disse sim com regozijo.
Comi arroz com graxa e frango
temperado com curry,
João perguntou se tava bom
eu disse:’sim my buddy”,
Comi até ficar me entalar
e não ficar mais hungry.
“Quando você for pra rua
tenho um pedido pra te fazer:
Recarregue meu celular
cuns conto que darei a você;
Faça isso e quando voltar
muita mais que respeitar
serei grato a você.”
Cobra que lucra numa tocaia
não procura outro lugar,
Foi o que aprendi com João
depois dele me chalerar;
Toda vez que lá eu ia
o Tio João me pedia
pra um favor realizar.
A mãe do João ( minha vó)
era idosa e vivia acamada,
Lá na casa da rua
onde D´águia dela cuidava,
E fazia cara feia
quando vó eu visitava...
...em nome do seu filho
e lhe repassava o que João,
Mandava eu dizer e ela
colocava na minha mão,
Dinheiro pra eu entregar
ao seu filho em questão.
D’águia com seus zói de bila
fazia cara de inveja,
Vendo vó mandano eu dá
aquela grana ao filho dela;
Por João ser irmão de D’águia
não sei se isso justifica
aquela expressão dela.
A boêmia do Tio João
era vó que sustentava,
Porque ninguém mais que ela
tanto dinheiro a ele dava;
Permitindo que Tio João
Levasse cachaceiros de plantão
pra juntos encherem a cara....
....no sítio do Seu Lulu
cheio da beleza dos cajueiros,
Da clara limpidez da barrege
e do balanço dos coqueiros,
Canto das aves e mugir dos bois:
trilha sonora dos sertanejos.
Quando não tava vendo tv
ou s’intretendo cum carpintaria,
Era de praxe Tio João farrar
em plena luz do dia,
Embaixo do pé de jaca
com algumas companhias.
Eu e meu primo Erick tava lá
e um candidato a vereador,
Com mais duas muié que
o Tio João as convidou;
Bebiam vinho e o tira gosto
era uns toicin de porco
que o próprio João fritou.
Antes dele começar a brisar
nos disse com lucidez:
“Daqui uns dia vou precisar
da ajuda de vocês;
Vamo limpar esse terreiro
e deixar ele mais perfeito
qu’ium jardim de chá Inglês.
Eu e Erick disse sim
e antes desse dia chegar,
Aconteceu um BO
que preciso te contar,
Onde o outo lado do Tio João
começou a se revelar.
Mara (irmã dele e minha Tia)
era coligada com Lena,
Essa sendo a minha irmã
que não tinha ciença,
Que ao dirigir o carro Mara
protagonizaria uma cena...
...trágica que por milagre de Deus
não tirou a sua vida, quando
Mara lhe emprestou o carro
e Lena deu a partida;
Rumo a cidade patoense
foi na serra teixeirense
qu’ela entrou em agonia.
Foi lá onde o carro parou
e o motor começou a fumaçar,
Lena saiu de dentro dele
começando a s’afastar;
Até que uma chama de fogo
surgiu no motor e entorno
fazendo o carro s’incendiar.
O carro ficou só o toicin
mas Lena ficou viva,
Pra poder contar história
sobre aquele triste dia,
Contou tudo pra Mara
e a solução foi decidida.
Como Lena não tinha
dinheiro pra pagar o carro,
Ficou decidido que ela
pagaria parcelado,
Enquanto Mara ficaria
usando seu carro.
O carro de Lena tava em Brasília
e ela teria que ir até lá,
Pegar o carro dela
e pro Teixeira voltar;
Pra Mara ficar com ele
até o valor todo dele
minha irmã Lena pagar.
Minha mãe não aceitou
aquele acordo mirabolante,
Queria resolver aquilo
dentro d’alguns instantes;
E disse pra chorosa filha:
“vou pagar a sua dívida
enxugue seu semblante.”
Mãe disse qu’ia pegar grana
pra pagar o carro,
Lá no BMG onde Mara
vendia empréstimo consignado,
Lena não concordou mas
a véa ignorou seu lado.
Eu fui pro sítio
onde lá fofoquei pra Tio João,
Desse acontecimento
descrevendo a situação,
E ele disse:”sua mãe
num deve fazer isso não!
Porque Lena não tem culpa
do carro ter explodido,
Já que cum qualquer um
isso teria acontecido;
E pelo que Lena fez por ela
Mara tá injustiçano ela
culpando ela por isso.
Mara tá sendo safada
já que sua irmã Lena,
Cuidou do filho dela
enquanto ela ralava as pena;
Pra enriquecer e agora
tá agindo feito corja
porque na amiga não pensa.
Vamos impedir a sua mãe
de fazer esse empréstimo,
Pra não agradar Mara
que acha o errado certo,
Tratando o carro como amiga
e a amiga como objeto.
Me leve de moto
até na sua casa”,
Eu levei e lá
ele trocou umas palavra,
Com minha irmã Lena
que tava aperriada.
Tio João persuadiu Lena a não pagar
o valor do carro qu’isplodiu,
E ela falou:” Já é tarde
d’agorinha mãe saiu;
Pra fazer um empréstimo
com Mara que só quero
que vá pra puta que pariu!”
Quando mãe voltou ela disse
“agora tá tudo resolvido,
Vamo deixar essa história
interrado no esquecido;
Tio João ao ouviu naquela hora
fez uma cara de derrota
e disse: ”eu num acredito!”
Levei Tio João de volta pro sítio
vi que lá ele tava chateado,
Disse:”a culpa é toda sua
é você o responsável,
Se você impedisse sua mãe
Lena não tinha se lascado.”
Ele me fez se sentir culpado
e teve êxito nisso,
Porque naquela hora
fiquei me sentido lixo,
Me culpando por não ter
Impedido Mãe de fazer aquilo.
Infelizmente mãe tinha feito um
empréstimo de onze mil reais,
Pra pagar o valor do carro que
agora já não prestava mais;
O empréstimo junto do juros
dava num valor absurdo que
enriqueria Mara mais.
“E o que você quer qu’Eu faça?
eu perguntei pra João,
“agora já é tarde
Pra tentar alguma ação
Você agiu feito manicaca;
e fez sua mãe enricar Mara
graças a sua falta d’opinião.”
Uns dias depois eu tinha ido
no sítio passar um tempo,
Com o meu primo Eríck
pra ter um divertimento,
Só que como a incerta chuva
num previ o desalento.
Eu tava todo suado
após uma andada pela serra,
Fui tomar bãe no chuveiro
meio dia já era, depois
do bãe de água gelada
João bebeno dissera:
“Preciso de vocês aqui
pra me ajudar numa tarefa”,
Eu disse que ia embora
não simpatizando com aquela;
Energia que João emanava
fui pôr na bolsa minha toalha
quando Ele tomou ela....
...das minhas mãos e perguntou
“por acasso tá nervoso?”,
Os zói dele tava vermelho
e profundos como poço;
Isso e seu bafo de cachaça
com sua voz enraivada
me arrepiou todo.
Ele pegou uma foice e foi
pra debaixo do pé de jaca,
Onde ali tava as bebidas
em cima da mesa de taipa,
Estendeu a toalha em cima
e deu um monte de foiçada.
“Isso é pra você deixar
de ser otário e tolo,
Da próxima vez
eu corto seu pescoço,
Va dizer a seu Pai
não temo o capiroto.”
Fui embora agoniado
e uns dias fez passar,
Até que João me ligou
começando a falar:
“E aí meu sertanejo!
vamo limpar o terreiro
pra deixar ele brilhar?”
“Acha que sou palhaço?
ou pensa que sou biruta?
Você liga pra mim e
nem sequer pede desculpa”;
E antes d’Eu desligar
João falou :’vá se lascar!”
Dando a última palavra sua.
Depois daquilo eu parei
de dá liberdade a João,
Até que passou uns dias e
a morte veio fazer visitação,
Levando o Seu Lulu consigo:
meu avô e pai de João.
A herança qu’Ele deixou
Foi o sítio e umas cabeça de gado,
Que quem herdou foi minha Vó
já em estado acamado,
E também treze mil reais
que Mara mantinha guardado.
Eu fiquei sabendo por Tia D’águia
que João tinha sido preso,
Após ter agredido Mara
c’um soco bem certeiro;
A minha mãe D’águia contava
enquanto eu perscrutava
aquele causo cabreiro.
Segundo D’águia o João tinha
agredido a Mara, porque
Ela quis dividir a grana
só qu’ele não concordava;
Pela herdeira ser vó ele dizia
só era ela quem escolhia
o destino qu’ele tomava
“Ela quis dividir com os irmão
e João não quis concordar,
Queria que ficasse com mãe
pra só pra si ele pegar”,
Mãe concordou com D’águia
e ela continuou a falar.
“Agora tomara que ele se lasque
e num saia do xilindró,
Quando eu morava em Brasília
vi a muié dele na pior,
Com o rosto todo sangrando
foi João que bateu sem dó.
O desgraçado teve sorte
de ter corrido pra cá,
Porque lá em Brasília
os homi ia lhe matar;
Agora qu’ele tá preso aqui
a justiça tá pra vim
e a sorte pra acabar.’
Depois daquele dia que eu
desliguei na cara do João,
Nunca mais falei com ele
nem lhe dei o meu perdão;
Mas notícias da sua vida
vez e outra eu obtinha
e da sua situação
Já foi bem depois que eu
me mudei de vez pra São Paulo,
Eu liguei pra minha mãe
e perguntei do estado,
Do sítio e ela me falou
num tom desanimado.
“Desde quando papai morreu
tudo lá tá s’estragano,
O joão já saiu da cadeia
e a terra ele tá arrendano,
Onde tão plantano coentro
e a barrage s’envenenano.
Nesses dias fui lá e sentir
uma tristeza bem braba,
Vi os peixes e mergulhão
mortos boiano na água;
Se o João respeitasse papai
ele faria chamais
daquele sítio uma desgraça.
“As coisa tão sumino de lá
os move da casa quase num tem,
O mato cresceu no sítio todo
e o que me tristeceu também;
Foi ver que o zelo que papai
deixou o sítio o João mandai
a sua beleza pro céu também.”
Hoje em dia eu acredito em Deus
E isso só poque passei a senti-lo,
Lembro dos meus tempos cum João
E nenhuma nostalgia sinto;
Naquela luz de artista dele
Isso soube qu’eum breu tomou ele
Logo se confinou no desassossego
S’acostumou-se cum a escuridão
O seu brilho s’apagou-se e então
Novos tempos sombrios lhe veio.
Santo André, 2 de Abril de 2023