Merimã

Tanto tempo, merimão

E eu não me acostumo

Distante do meu sertão

Fico apulso e sem rumo.

Se Deus quiser, paruano

Dando certo o meu plano

Para casa vou voltar,

Porque daqui eu não gosto

Juntei dinheiro e uma moto

Se Deus quiser vou comprar.

Eita, merimã, que vida danada

É a que nós passa por cá

Acordando de madrugada

Pra mode a boia ajeitar

Depois monta no busão

Com a mochila e o facão

Pra chegar do outro lado

Duas horas para a roça

A gente muito se esforça

No fim do dia tá borrado.

Merimã,

Alguns de meus companheiros

Nunca mais pôde voltar

Ganhando pouco dinheiro

Pra beber e pra fumar

E o tempo vai passando

Eles por aqui ficando

Não prospera nem planeja

E nem tampouco se estuda

Na vida apenas muda

Da cachaça pra cerveja.

Merimã

Dura lida é a do peão

Que vem pro corte de cana

Abraça o seu facão

Uns seis dia por semana

Perde toda sua manha

Pra viver em terra estranha

Pois não tem um outro jeito

E muito de nós ainda passa

Por algo que não tem graça

Que se chama preconceito.

Merimã,

Deixamos tudo para trás

Nossa rocinha de milho

E algo que vale mais

Pai e mãe, esposa e filho,

Três cabecinha de gado

É um capim situado

De baixo até inriba

Pra aqui viver sem nome

Chamado de mata-fome

Ou então de Paraíba.

Merimã,

A minha família busquei

Pra poder ficar mais perto

De tanto que eu pensei

Achei que seria certo.

Os meninos estudando

E a muié trabalhando

Que é pra gente se ajudar

Ainda aguenta calado

Quando somos acusado

Do serviço deles tomar.

Merimã,

É que a gente aprendeu

A ser forte e corajoso

Só buli no que é seu

E jamais ser preguiçoso,

Sem criar algum problema

Se sujar não vale a pena

Mesmo tendo precisão

Porém nunca aceitar

Deixa os outros explorar

Como na escravidão.

Merimã,

Não tô aqui por querer

Somente por precisar

Se um dia eu puder

Se Deus quiser vou voltar

Porque hoje tá diferente

Não é como antigamente

Que de tudo carecia

O tempo passa e muda

Agora o governo ajuda

Com o tal de Bolsa Família.

Merimã,

Eu digo ainda bem

Por ser outra realidade

Agora estudar também

Os filhos tem faculdade

Nada disso antes se via

Hoje tem luz e energia

O meu povo é feliz,

Porque olharam pra gente

Mas foi graça a um presente

De um cabra chamado Luiz.

Merimã,

Na minha infância sofrida

Só Deus para ajudar

Se chovesse tinha comida

Mas se a seca castigar

Porque lá no meu sertão

As firmas não iam não

Nem mesmo tinha escola

Sem nem embora poder

A gente escolhia morrer

Ou então viver de esmola.

Merimã,

Quem tinha algum dinheiro

Para São Paulo viajava

Ou então pra Juazeiro

Dois dias à pé andava.

Uma promessa fazia

Pra mode ver se chovia

E molhar o chão da roça

Se chovesse como cá

Ninguém ia encontrar

Terra boa igual a nossa.

Merimã,

Aqui fora é difícil

Até pra criar os filhos

Eles se envolvem com vício

Se a gente sair dos trilhos.

Não é como viver no mato

Com aquele modo pacato

No rancho cheio de paz

Aqui é de outro jeito

Não tem mais aquele respeito

De tomar benção aos pais.

Merimã,

Eu já vivi com a falta

Do povo do meu lugar

Ou mandava uma carta

Ou esperar pra ligar

Agora tudo é diferente

Tem o celular pra gente

Só basta mesmo aprender.

Demos adeus ao orelhão

Só mensagem e gravação

E vídeo pra gente ver.

Merimã,

Tô sabendo que esse ano

Melhorou o meu sertão

Tem poço artesiano

Tem também transposição

O solo vive irrigado

Se chove fica molhado

Está feliz o meu povo

Quando eu sair do aperto

Vou pegar o meu acerto

E pro Nordeste volto de novo.

Lúcia

Oxelucia
Enviado por Oxelucia em 19/03/2023
Reeditado em 19/03/2023
Código do texto: T7743785
Classificação de conteúdo: seguro