Cabra da Peste
Sou Cabra da Peste
Sou lá do Nordeste
Sou cabra bom
Sou cabra arretado
Que nunca perde o tom
Não sou avexado
Da cultura faço som
Com repente e aboio
A toada é o comboio
Da cultura popular
( 1 )
Uso versos pra rimar
Separo o trigo
Desfaço o joio
Quando fala do perigo
Tem cangaço pra contar
Cabras fizeram comboio
Resolveram se armar
Nas quebradas do Sertão
Fizeram revolução
Virando causo popular
( 2 )
Sou Cabra da Peste
Sou do Piauí, Ceará
Paraíba, Rio Grande Norte
Sou matuto forte
Das bandas de lá
Sou da Bahia, Maranhão,
Sergipe, Alagoas
Sou Vaqueiro do Sertão
Daquelas terras boas
Do Sertão de Minas Gerais
( 3 )
Onde agente conhece
E não esquece jamais
Sou menino que entristece
Distante dos carrascais
Sou matuto de fato
Sou ligeiro como rato
Sou das pegas de boi no mato
Sou esportista nato
Uso Gibão de aparato
Nas pegas de boi no Crato
( 4 )
Sou Cabra da Peste
Sou matuto do Nordeste
Sou cria da Caatinga
Nasci nesse bioma
Que é o fruto do genoma
Da chuva que respinga
Nas quebradas do Sertão
Anunciando a invernada
Alegrando a vaquejada
Findando a sequidão
( 5 )
Nasci nesse chão
Provei da seca no Sertão
Da palma, mandacaru
Xique-xique, jurema
Do vôo troncho do anu
Do cansanção que queima
Cabeça-de-frade, cipó de arranha-gato
Fui pegar o boi no mato
Me cortei com unha-de-gato
Sou ligeiro como um rato
( 6 )
Sou Cabra da Peste
Vendo o contexto do cangaço
E a Coluna Prestes
Que aqui avançou
Nesse cordel que faço
Da poesia que rimou
Do cangaço no Sertão
De Virgulino Lampião
Á cultura popular
Com forró, xote e baião
( 7 )
As coisas que tem pra cá
Meche com a imaginação
Mas está a faltar
Em parte da população
Que desconhece a cultura raiz
Do Sertão desse país
Ou o povo brasileiro
Distante do Nordeste Brasileiro
Onde tudo se formou primeiro
E no Brasil foi pioneiro
( 8 )
Sou Cabra da Peste
Na forma de representar
Pois aqui no Nordeste
Manda a cultura popular
Com forró e xaxado
Nordestino é apaixonado
Segue o ofício, o legado
Canta repente, xote e baião
Desperta a emoção
Com aboio do Sertão
( 9 )
Canta uma toada
Em dias de Vaquejada
Seguindo a estação
Dos dias de apartação
Sou Vaqueiro do Sertão
Visto meu gibão
Guardo comigo água, farinha
Rapadura e requeijão
É preciso andar na linha
Contra essa sequidão
( 10 )
Sou Cabra da Peste
Nascido no Nordeste
Esse foi o meu destino
Pelejando desde menino
Pra viver neste Sertão
Como todo Nordestino
Que do trabalho ganha o pão
Muda a rota e o destino
Numa outra região
Sai do corpo de menino
Pra fazer revolução
( 11 )
Nesse mundo imparcial
Onde tudo é desigual
Só sendo brava gente
Por um mundo mais descente
Onde direito possa ser igual
Sem desigualdade social
Contra um mundo anormal
Que tudo seja normal
Jamais seja indiferente
Como pede esse repente
( 12 )
Sou Cabra da Peste
No jeito de falar
Aqui no Nordeste
Tudo pode variar
Meu cordel é completo
Seguindo o dialeto
Dessas bandas de cá
E o papo fica reto
Pelas bandas de lá
É o jeito mais concreto
( 13 )
Na hora de improvisar
Mando meu verso assim
Solto um “oxente bichim”
Neste folheto “pai d’egua”
Sempre tem um “arre égua”
Sem ficar muito “avexado”
Sou um cabra “arrochado”
Nesse calor da “bixiga”
Não arrume intriga
Coma sem fazer “figa”
( 14 )
Sou Cabra da Peste
Sou lá do Sertão
Da Região Nordeste
Faço improvisação
Bem longe daqui
No Sertão do Cariri
Do Vaqueiro arrochando o nó
No Sertão do Seridó
Ou de cara com a jurema
Na Serra da Borborema
( 15 )
Ou da árvore com resina
No Raso da Catarina
Da beleza do Velho Chico
No Vale do São Francisco
Expirando a beleza
Da Depressão Sertaneja
Ou há léguas dali
No Maranhão e Piauí
Ou do Sertão aos carrascais
Nas veredas de Minas Gerais
( 16 )
Sou Cabra da Peste
Vim de lá do Nordeste
Terra de Ariano Suassuna,
Patativa do Assaré
Sou poeta em São Bento Uma
Sou um cabra de fé
Aqui tracei meus planos
Lendo Graciliano Ramos,
João Cabral de Melo Neto,
João Guimarães Rosa
( 17 )
Sou poeta completo
Na arte do mote e glosa
Com poesia narro
Leandro Gomes de Barros
O poeta pioneiro
Da cultura popular
No Brasil foi o primeiro
Nessa arte de rimar
Do Nordeste Brasileiro
Hoje está em todo lugar
( 18 )
Sou Cabra da Peste
Não há nada que conteste
Nossa cultura popular
Do Sertão á Beira- Mar
Correu toda nação
É preciso relatar
O fluxo da migração
E a cultura alcançar
Parte da população
Como forma de resgatar
( 19 )
A cultura do Sertão
Fica aqui essa lição
Temos muito que aprender
Sobre a nossa região
É preciso conhecer
Mais de apartação
De Vaqueiro do Gibão
Que vive a fazer
O aboio com entonação
Mostrando sua canção
( 20 )
Sou Cabra da Peste
Vim de lá do Nordeste
Sou Cabra forte
Sou matuto do norte
Vaquejada é o meu esporte
Sou Vaqueiro do Sertão
Minha farda é um gibão
Seja inverno ou verão
Levo nossa tradição
Em dias de apartação
( 21 )
Veloz como gato
Ligeiro como rato
O gibão é o meu aparato
Pra pegar o boi no mato
Já corri no Juazeiro
Pelo Nordeste inteiro
Também nas bandas do Crato
A maior satisfação
É quando visto meu gibão
Aboiando no Sertão
( 22 )
Sou Cabra da Peste
Vencendo a seca no Nordeste
Em dia quente e noite fria
Matando um leão por dia
Pra quebrar a monotonia
Faço versos com alegria
Divulgando o meu Sertão
No correr da estação
Sonhando em vestir gibão
Em dias de apartação
( 23 )
Convivi com a sequidão
Nessa seca do Nordeste
Como larva de vulcão
Mas não tira a reação
De um Cabra da Peste
Resistente como aroeira
Rápido como ratoeira
Nesta terra Nordesteira
Numa só bagaceira
Poetiza a noite inteira
( 24 )
Sou Cabra da Peste
Vim de lá do Nordeste
Do Vale do Peruaçu
Onde se tem urubu
Zoa abelha uruçu
Cava buraco o tatu
Tem lagarto teiú
Sou também do Crato
Das pegas de boi no mato
Sou Vaqueiro do Gibão
( 25 )
Cuidando da apartação
Nas quebradas do Sertão
Sou lá do Pajeú
Terra de Lampião
Onde canta o anu
Do dialeto do Sertão
Onde besta é jacu
Sou das bandas do Sergipe
Da Chapada do Araripe
Onde o céu é azul
( 26 )
Sou Cabra da Peste
Dessas bandas do Nordeste
Onde se fala ‘tu’
Do Piauí e Maranhão
A terra do babaçu
Na improvisação
Uso colher e cuia
É o jeito de viver
Nas bandas do Urucuia
Guimarães Rosa em seu dizer
( 27 )
Lugar onde o boi berra
Esse cordel nunca erra
As coisas do Nordeste Brasileiro
Distante do Brasil
Mas no Sertão inteiro
Esse universo varonil
Nas terras do candeeiro
Onde matuto é sanfoneiro
Tem cordel em luzeiro
E maxixe no maxixeiro
( 28 )
Sou Cabra da Peste
Lá das bandas do Xingó
Vou seguindo o Nordeste
Com destino a Mossoró
Essa banda Nordesteira
Que sucumbiu Jararaca
Vê o canto do ariri
Pelas bandas do Cariri
Ou nas bandas de riba
Com destino a Paraíba
( 29 )
Em época de dias caros
No Parque dos Dinossauros
E chegar até no final
Daquele mar de sal
Fazendo um auto-recorte
Do Rio Grande do Norte
Chegando as terras secas
Do Parque da Mata Seca
Que de patente inicial
É um parque estadual
( 30 )
Sou Cabra da Peste
Nascido no Nordeste
Naqueles carrascais
Do Sertão de Minas Gerais
Onde apresento aqui
O Vale do Jequitaí
Onde Caatinga é declamada
Por este poeta aqui
Balneário da Lapa Pintada
É a beleza daqui
( 31 )
Das quebradas do Sertão
Que aqui versejei
Se teve reação
Desde já eu não sei
Mas termino esse cordel
Cumprindo meu papel
Mandando versos daqui
E também versos de lá
É o jeito de distinguir
Nossa cultura popular
( 32 )
Moisés Aboiador - Poeta de Literatura de Cordel de Jequitaí no Norte de Minas.