Seu Lunga
Muita gente no Brasil
Ainda não viu
Muito menos ouviu
Falar de Seu Lunga
Pois o cúmulo da tolerância
É viver nessa resmunga
Pensando que o velho
Levava as coisas na ignorância
Pra acabar com esse lero-lero
Seu Lunga era um cabra
( 1 )
Lá de Juazeiro do Norte
Sua história nunca acaba
É resistente igual madeira forte
Eita cabra da língua afiada
Não deixava escapar nada
Diante de tanta gente desmantelada
Dando manota
Entrando com pergunta idiota
No seu estabelecimento
Seu Lunga abriu a sua loja
( 2 )
E no mesmo momento
Entra um cabra desatento
Andando pela loja
Procurando machado pra comprar
O cabra já vai perguntando:
Aqui vende machado?
Seu Lunga sempre a desconfiar
Da clientela que estava chegando
Responde: vendo sim, vai levar?
O velho era danado
( 3 )
Só vendia o machado
Pensando que iria levar
Machado com cabo
O cabra responde:
Só levo machado com cabo
Dentro da venda
Seu Lunga já tinha anunciado:
Vendo machado sem cabo
Afim de não arrumar contenda
Sem ser indiferente
( 4 )
O velho responde ao cliente:
O que está escrito ali?
O cliente responde:
Vendo machado sem cabo
Seu Lunga imediatamente responde:
Você está vendo que aqui
Só vendo machado sem cabo
Onde tu viu machado com cabo
Com o tumulto ali
Gerado, o cabra responde:
( 5 )
Vou levar o machado
E pergunta: Como se chama a madeira
Que se coloca cabo no machado
Seu Lunga responde:
Vai no mato que tu acha
O cliente já sai nas carreiras
Depois de falar tanta asneira
Triste com a resposta que recebeu
Como era moda no Nordeste
Seu Lunga tinha um fusca ano 77
( 6 )
Certa vez ele resolveu sair
No final de semana de fusca
Pelas ruas de Juazeiro do Norte
E exatamente ali
Seu carro resolver quebrar
O velho estava sem sorte
E logo aparece um cabra
Que lhe veio a perguntar:
Tu vai embora a pé Seu Lunga
Seu Lunga responde:
( 7 )
Não! Vou com as duas pernas
Logo o cabra resmunga
Triste com a resposta que recebeu
A ponto de receber uma resposta daquelas
Que ninguém gostaria de receber
Foi assim que Seu Lunga conheceu
Muitos jornalistas
Que mesmo sem merecer
Deu muita manota
Por ter escolhido a risca
( 8 )
As perguntas mais idiotas
Pra entrevistar o velho
Era muito lero-lero
E desmantelo que só
Dava dó
Dessa turma da capital
Era risada de passar mal
Com a resposta genial
Do cabra de Juazeiro do Norte
Nas entrevistas feitas sem corte
( 9 )
E vindo lá de Fortaleza
Pedindo gentileza
Sempre aparecia Lena Oxa
Repórter de uma grande emissora
Do estado do Ceará
Dizendo: Poxa...
Seu Lunga como é bom te entrevistar
Tu acredita que eu vim lá de Fortaleza
Só pra conhecer o senhor
Seu Lunga teve o favor
( 10 )
De responder à repórter dizendo:
Você está perdendo seu tempo
Vindo aqui no Juazeiro me entrevistar
Tanta coisa aqui pra tu visitar
Tu vem logo na minha loja
Quando alguém vem aqui
Certamente alguma coisa vai comprar
Se tu não veio comprar nada
O que tu veio caçar aqui?
Evitando ficar calada
( 11 )
Logo responde a repórter:
Nossa Seu Lunga
O senhor é muito ignorante
Enquanto o povo ficava com cara de poste
Com as respostas do cabra
O velho imediatamente resmunga
E devolve a repórter ali presente
A seguinte resposta:
Moça aqui é uma loja
Não um programa de fofoca
( 12 )
Deixando a mulher com a cara torta
Que ela imediatamente desaloja
Indo embora com a resposta que recebeu
Lena Oxa gostava de entrevistar Seu Lunga
Que ela não saia do Juazeiro
Nos tempos em que viveu
O velho foi um resmunga
Rebatendo no Ceará inteiro
As perguntas idiotas da repórter
E dos seus colegas de profissão
( 13 )
Virou febre no Sertão
Os vídeos de vários repórteres
Entrevistando o velho do Juazeiro
E pra dá ibope
Só fazendo pergunta idiota
Pra acender esse braseiro
Parecia um batalhão do bope
Na porta da loja de Seu Lunga
Observando as respostas afiadas
E na ponta da língua desse Cabra
( 14 )
Seu Lunga estava em sua loja
Numa tarde ensolarada
E logo avistou novamente
Lena Oxa acompanhada de dois turistas
Indo em sua direção
Realmente
Aquele monte de turistas
Não queriam conhecer o Juazeiro não
Mas sim o velho da televisão
Derrepente chega à repórter
( 15 )
E os dois turistas
Que estavam visitando Juazeiro do Norte
Num tom bem otimista
Chega uma mulher de São Paulo
E um cabra lá de Pernambuco
Já foram se apresentado
Aproveitando o embalo
Que o movimento era pouco
Na loja de Seu Lunga
Lena Oxa já chega perguntando:
( 16 )
Boa tarde! Seu Lunga
O velho resmunga: Boa Tarde
Seu Lunga vendo o povo se aproximando
Ouve a seguinte resposta:
Seu Lunga esses dois turistas
Veio ao Juazeiro só pra conhecer o senhor
Seu Lunga imediatamente responde:
Vocês dois não tem o que fazer não
Responde à turista: mais que ignorância senhor
O velho responde:
( 17 )
Ignorância é entrar na minha loja
E não comprar nada
Se sentido ignorada
Imediatamente a turista desaloja
Retrucando Seu Lunga:
Agente vem aqui conhecê-lo
E o senhor nos trata dessa maneira
O velho resmunga:
Total desmantelo
Foi à senhora fazer a besteira
( 18 )
De gastar o seu dinheiro à toa
Saindo de São Paulo
Até o Juazeiro
Vim em minha loja
E não levar nada
Por que senhora não ficou por lá
Rapidamente a mulher desaloja
Depois de ter sido ignorada
Com a resposta que recebeu
Naquele mesmo dia
Seu Lunga conheceu
( 19 )
Um rapaz que insistia
Em um dia
Ir ao Juazeiro
Só pra conhecer Seu Lunga
E não foi que o cabra
Enfrentou uma seca braba
Viajando 500 quilômetros
Do Pernambuco ao Ceará
Se esquentando nos termômetros
Para seu destino chegar
( 20 )
Que era loja de Seu Lunga
O rapaz imediatamente é apresentado
E logo dá às boas vindas dizendo;
Seu Lunga!
Eu viajei 500 Km do Pernambuco
Até o Juazeiro pra conhecer o senhor
O senhor não vai ficar alegre não
O velho responde: eu não
Ficaria se você viesse
Pra compra alguma coisa
( 21 )
O rapaz responde: se eu pudesse
Com certeza eu compraria alguma coisa
Mas eu vim aqui pra te conhecer
Imediatamente Lena Oxa pergunta:
Seu Lunga o senhor não vai ficar alegre?
O moço veio lá de Pernambuco só pra te vê
Cansado de tanta manota
E tanta pergunta idiota
Seu Lunga responde:
Besta foi ele de viajar até aqui
( 22 )
Gastando gasolina à toa
É igual mercadoria que não vende
Se eu ficar aqui
De conversa e na boa
Posso ter o mesmo prejuízo que ele
Pois se eu fosse ele
Pegava o caminho de volta
Depois de dá tanta manota
Só tenho uma coisa pra te falar
Inocentemente o rapaz responde: o que?
( 23 )
Seu Lunga responde:
Por que você não ficou por lá
Dava pra crê
Que com essa resposta
O rapaz saiu com a cara torta
Indo embora com a resposta que recebeu
Nesse mundo de entretenimento
Seu Lunga conviveu
No seu estabelecimento
Com uma gama de reportagens
( 24 )
Feitas com o pessoal
Lá do Sul do país
E na camaradagem
Virava coisa normal
Na terra do chafariz
Cabra lá de São Paulo
Dando manota
Fazendo pergunta idiota
Certa vez chegou um repórter perguntando:
Seu Lunga sou de uma rede de televisão
( 25 )
Lá de São Paulo
E o senhor é muito conhecido por lá
E viemos aqui no Sertão
Pra te entrevistar
Seu Lunga retruca:
Posso te falar uma coisa?
Responde o repórter: sim
Por que você não ficou por lá
Foi perca de tempo você vim
Pra essas bandas de cá
( 26 )
Você vai comprar alguma coisa?
Responde o cabra: eu não
Pois aqui é uma venda
Não um programa de televisão
Sem querer arrumar contenda
O rapaz sai todo zangado
Com resposta que recebeu
Seu Lunga era danado
Quem o conheceu
Sabia que o sistema era bruto
( 27 )
Sempre rendeu um bom cordel matuto
Certa vez seu carro quebrou
E ele tratou de levá-lo pra oficina
Quando Seu Lunga chegou
O mecânico foi logo perguntando:
Trouxe o carro pra consertar foi?
O velho foi logo respondendo:
Não! Trouxe ele só pra conhecer a oficina
Ele vive falando dela não sabia?
Toda hora quer vim conhecer aqui
( 28 )
Vendo que a conversa não seria curta
O mecânico retruca:
Seu Lunga esse seu carro ronca muito?
Seu Lunga devolve:
E eu que sei! Eu não durmo com ele
O velho parecia um revolver
Atirando as perguntas idiotas
Que faziam pra ele
Depois de tanta pergunta idiota
E muita gente dando manota
( 29 )
Eu encerro este cordel
Como poeta menestrel
Falando de uma figura forte
Lá do Juazeiro do Norte
Daqui de Minas Gerais
Apresento a Cultura Popular
Lá no estado do Ceará
Do Sertão aos Carrascais
As histórias desse lugar
Ninguém esquece jamais
( 30 )
Moisés Aboiador - Poeta de Literatura de Cordel de Jequitaí no Norte de Minas.