BESOURO - A LENDA DA CAPOEIRA
Ao contrário do que dizem
Do que se ouve falar
Negro Besouro existiu,
Não é lenda popular,
Baiano de nascimento
Veloz igualmente o vento,
Difícil de se encontrar.
A sua história é vulgar
Mas merece ser lembrada
Devido ao seu misticismo,
Uma vida permeada
Quase sempre perseguida
Pra defender sua vida
Se valia da pernada.
Não se sabe quase nada
Dessa lendária figura
João Grosso e Maria Aifa
Eram os pais da criatura
Manoel Henrique Pereira
Foi o rei da capoeira
Com sua enorme estatura.
Segundo a Literatura
No século mil e oitocentos
No ano noventa e oito
Veio ao mundo esse rebento
Seus pais eram ex-escravos
Mas eram fortes e bravos
E o receberam a contento.
Local de seu nascimento
Cidade de Santo Amaro
Que é da Purificação
Na Bahia, lugar raro
Pequeno porém decente
Com um povo inteligente
E um custo de vida caro.
Lá mesmo em Santo Amaro
Teve sua lição primeira
De passos com Mestre Alípio
Ex-escravo capoeira
E foi se aprimorando
Mais e mais se destacando
Em lutas na bagaceira.
Na ginga da capoeira
Ele se aprimorou
Rua do Trapiche de Baixo
Onde ele começou
Obediente e atento
Aos bons ensinamentos
De Alípio, o professor.
Depois que se aprimorou
Não conseguiu mais parar
Qualquer que fosse a encrenca
Não sabia recuar
Cada vez mais destemido
Ganhou logo o apelido
De Besouro Mangangá.
A alcunha veio a calhar
Pela sua habilidade
Certa vez num entrevero
Com os «homi» da autoridade
Se escafedeu do litígio
Sumiu sem deixar vestígio
Deixando perplexidade.
Um homem da autoridade
Vendo um companheiro olhando
Pra o nada lhe perguntou:
«Viu quem estamos procurando?»
O outro apenas sussurou:
«Vi quando ele virou
Besouro e saiu voando.»
Besouro se aprimorando
Cada vez mais aprendia
No facão ou na navalha
Ninguém mais o surpreendia
Nas lutas sempre ganhava,
Quanto mais se aprimorava
Mas sua fama crescia.
No Jogo Santa Maria
Era o mais afiado
Teve muitos seguidores
Mas só um foi comprovado
Cobra Verde, seu parente
Capoeirista valente
Que herdou o seu gingado.
Do Mestre herdou o legado
Que levou pra vida inteira,
Nunca quisesse ganhar
Dinheiro com a capoeira
Usasse na dança ou luta
E até mesmo em disputa
Que fosse por brincadeira.
Muita história verdadeira
É pelo povo contada
Como existe muita lenda
Causos, conversa fiada,
Sobre as lutas de besouro
Chamado «Cordão de Ouro»
Nas rodas de batucada.
Até mesmo nas calçadas
Sobre Henrique conversando
Conta-se que ele virava
Besouro e saía voando
Quando se via perseguido,
Deixando o povo aturdido
Pelos cantos procurando.
Dezoito anos completando
Para o Exército ele entrou
Sempre muito comportado
Mostrou ser bom servidor
Pelos colegas querido
E também o preferido
Pelo seu superior.
Certo dia ele avistou
Entre trecos confiscados
Um bonito berimbau
E ficou emocionado
Tentou com ele ficar
Requereu tentando usar
Sua patente de soldado.
Teve o pedido negado
Em menos de um segundo
O chefe de tão nervoso
Ficou quase moribundo,
Findou dizendo, afinal,
Que aquele berimbau
Era só pra vagabundo.
Besouro tinha profundo
Amor pela capoeira
Com as palavras do chefe
Deu-lhe logo uma rasteira
Ali naquele momento
Que o pobre do sargento
Deu com a cara na poeira.
Mas Besouro fez besteira
Tendo o sargento agredido
Vários homens o pegaram
E o soldado foi detido
O Exército o expulsou
E ainda o considerou
Um delinqüente atrevido.
Uma vez desprotegido
Arquitetou novo plano
Foi trabalhar em fazendas
Do recôncavo baiano
Sempre amigo, onde chegava
Todos o cumprimentava
Chamando-o de soberano.
Tratava os outros por mano,
Era sempre respeitado
No lugar onde passava
Ensinava o seu legado
Trabalhava pra ganhar
Ganhava pára ajudar
Alguém mais necessitado.
Certo dia, no mercado,
Na banca de um cidadão
Quis provar um amendoim
Sentiu um tapa na mão
O sujeito ainda disse
Pra não mexer e saísse
De perto do seu balcão..
Sem sair da educação
Besouro falou assim:
«Sabe com quem está falando?»
Virou-lhe as costas, enfim,
E convidou os presentes
Que estivesse à sua frente
Pra comer amendoim.
Num instante levou fim
O amendoim do lugar
O homem esbravejando
Começou a reclamar
Mas logo parou tremendo
Depois que ficou sabendo
Que aquele era o Mangangá.
Vendo o produto acabar
Ao dono se dirigiu
Perguntou quanto devia
O homem quase caiu
Porém lhe disse o valor.
Besouro nada falou,
Pagou a conta e saiu.
Depois ele conseguiu
Emprego em um engenho
Lá mesmo em Santo Amaro
Com um patrão muito ferrenho
Que além de não pagar
Costumava maltratar
Gente por mal desempenho.
Esse senhor de engenho
Pra não pagar tinha um plano
Dizia que o pagamento
Quebrou pra São Caetano
Assim ele não pagava.
Quem contestasse apanhava,
Era um regime tirano.
Mas dessa vez o fulano
Pegou a pessoa errada,
Besouro sabendo disso
Chegou na data marcada
Pra receber o pagamento,
O outro, com fingimento
Disse: «Não lhe sobrou nada.»
A sua grana ganhada
Quebrou pra São Caetano
Besouro lhe respondeu,
«Pois agora, seu tirano,
É sua vez de quebrar
Porque eu vou te deixar
Igual a um farrapo humano.»
E agarrou o fulano
Jogou com a cara no chão
Batia com força, dizendo,
«A mim tu num rouba não,
Pois saiba que eu sou Besouro
Mangangá Cordão de Ouro
Que não gosta de ladrão.».
O outro pediu perdão
Dizendo, «Vou lhe pagar,
Por favor, não bata mais,
Se puder me perdoar
Eu pago aos seus companheiros
Pra São Caetano, dinheiro
Aqui não vai mais quebrar.
Besouro foi trabalhar
Na fazenda do Memeu
Um fazendeiro encrenqueiro
Junto com um filho seu
Que um dia, por desaforo,
Foram bater em Besouro,
Besouro foi quem bateu.
O homem se surpreendeu
Com o negro na contenda
Resolve então transferi-lo
Para sua outra fazenda,
Uma recomendação
Besouro levou na mão,
Mas era uma encomenda.
Depois daquela contenda
O homem jurou vingança
Mandou que o assassinassem
Lá na Fazenda Esperança,
Besouro não sabia ler
E transportou sem querer
A sua própria matança.
E na Fazenda Esperança
Quando o dia clareou
Quarenta homens armados
De Besouro se acercou
Todos eles dispararam
Novamente continuaram
Nenhum deles lhe acertou.
Um tal Quibaca chegou
No meio do zum zum zum
O atingiu pelas costas
Com uma faca de tucum
Interrompendo a disputa
E assim terminou a luta
De quarenta contra um.
Besouro no zum zum zum
Mesmo ferido fugiu
Deitado numa canoa
Escorregou pelo rio
Corpo quente feito brasa
Indo até a Santa Casa
Mas aí não resistiu.
O seu corpo sucumbiu
Besouro morreu de fato
Com vinte e sete de idade
No ano de vinte e quatro
No dia oito de julho
Sendo até hoje o orgulho
Dos capoeiristas natos.
Juntando estórias e fatos
Negro Besouro existiu
Era um sujeito honrado
Mas era preto e servil,
Tinha que morrer assim.
E eu concluí, por fim,
Mais uma Lenda do Brasil.
Parintins-AM, 16 de Outubro de 2022
SÉRIE LENDAS BRASILEIRAS - VOLUME 38