A MULHER QUE VIROU COBRA - UMA LENDA CAPIXABA

Essa história aconteceu

No tempo da escravidão

No Estado Espírito Santo

Local de muita opressão

Onde conta nos legados

Escravos mortos, queimados

Com dolo e sem compaixão.

São Mateus, uma região

De muito despenhadeiro

O Coronel Mateus Cunha

Abastado fazendeiro

De imensos canaviais

Também muitos cafezais

Além de muito dinheiro.

Esse rico fazendeiro

De muitos contos de réis

Tinha outras propriedades

Na Serra dos Aymorés

Mantinha em seu apogeu

Índio, negro, europeu

E nordestino a revés.

O Barão de Aymorés

Proprietário de escravos

Era irmão de Mateus Cunha

Dos irmãos era o mais bravo

Se a história não erra

Dono das fazendas Serra

E Cachoeira do Cravo.

A mãe também tinha escravo

E escravas como criadas

Morava na Casa Grande

Com as noras aliadas

Juntas em fazenda

Depois em outra vivenda

Moradias alternadas.

Rita Cunha, apelidada

A velha sem coração

Era mãe de Mateus Gomes

E Antônio Cunha, o barão

Os seus dois filhos queridos

E moravam reunidos

Na mais perfeita união.

A esposa do barão

Dona Theodózia Vieira

Das três a mais comedida

Com a criadagem inteira

Não tinha gesto opressor

E nem mandava feitor

Bater por qualquer besteira.

Tinha também a terceira

Das três era a mais ferina

A Francelina Cardoso

Conhecida Dona Lina

Matreira como raposa

De Mateus segunda esposa,

Casou-se quase menina.

Essa Dona Francelina

Das três a mais irritante,

Ainda existem vestígios

De sua tumba gigante

Num cemitério perdido

Próximo ao local conhecido

Como Pedra do Elefante.

Essa mulher irritante

Era perversa, era má,

Judiava dos escravos

E fez questão de jogar

No Sítio Boa Esperança

O filhinho de Constância

No forno para queimar.

Fez questão de acusar

A sogra, também malvada

De ter queimado a criança

Mas a história mal contada

Logrou o argumento seu

Mas tudo se resolveu

E a verdade deu em nada.

Precisou ser retirada

De junto do povo seu,

Com medo de represália

O marido a escondeu

Onde Constância não ia

E escravo não sabia

Do menino que morreu.

Por ali permaneceu

Distante de sua gente

Depois, passado algum tempo,

A mulher ficou doente

Morreu de um tremendo mal,

E depois do funeral

Transformou-se em serpente.

Era uma cobra potente

Que assombrava os moradores

Do local Serra de Cima

E também dos arredores,

Todo mal que fez em vida

Era agora repetida

Praticando mais horrores.

Segundo os moradores

Na Cachoeira do Cravo

Ela batia em criança

Aterrorizava escravo,

Quando estavam trabalhando

Ao ver a cobra chegando

Começava o desagravo.

A debandada de escravo

No meio dos cafezais

Nas residências, senzalas,

Também nos canaviais

Teve gente que correu,

Sumiu, desapareceu,

Perdido nos carrascais.

Até em Minas Gerais

Essa serpente chegou

Praticando atrocidades

Ate que um bispo chegou

E seu túmulo benzeu,

Ela desapareceu

E nunca mais retornou.

O bispo recomendou

Que o povo tivesse fé

Mantivessem suas portas

Fechadas pra o Cricaré

E as janelas serrassem

Pois se a serpente voltasse

Não deixava nada em pé.

Pertinho do Cricaré

Tinha a Vila Barracão

Que hoje é Nova Venécia

Mas naquela ocasião

A serpente ali morava

E onde mais atuava

Causando devastação.

Outra recomendação

Era pra ninguém olhar

Aquelas águas barrentas

Que desciam para o mar

Pois a mulher prepotente

Virada agora serpente

Ainda estaria lá.

Sem ninguém pra atazanar

A serpente desistia

Então nas águas barrentas

Numa enchente ela descia

E se em nada esbarrar

Alcançaria o mar

E lá desaparecia.

A história permanecia

No povo da região

Por muitos e muitos anos

Até a civilização

Alterar a nossa história

E na Ilha de Vitória

Guardaram recordação.

As lendas por região

É coisa que não se acaba

Seja de escravo, de índio,

De senzala ou de taba,

Em temas bem controversos

E eu contei com meus versos

Uma lenda capixaba.

Teresina, 26 de Fevereiro de 2022

SÉRIE LENDAS BRASILEIRAS - VOLUME 37

Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 20/11/2022
Código do texto: T7654471
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