ARAUCÁRIA - UMA LENDA PARANAENSE
Histórias que o povo inventa
Desde que a ninguém ofenda
Seja estória de trancoso
De fuxico ou de contenda
Seja mentira ou piada
Se insistir em ser contada
Termina virando lenda.
Seja soneto ou emenda
Verdade ou invencionice
O interior do Brasil
Tem muito disse-me-disse
Contado por regiaão
Que atinge a população
De acordo com sua crendice.
Sei que parece tolice
As estórias que eu conto
Mas escuto o que me contam
E vou direto ao ponto
Do povo a soberania
E transformo em poesia
Até ver um cordel pronto.
Cada canto tem um conto
Pra se ouvir, pra se estudar
Eu aproveito o ensejo
De estar sempre a viajar
Em cada enseada ou ponta
Escuto o que o povo conta
E trato de versejar.
Do Estado do Paraná
Eu trago essa narrativa
Antiga como os nativos
Mas continua bem viva
Ostentando sua grandeza
Bela como a Natureza
Cuja beleza me priva.
De acordo com a narrativa
Havia na região
Duas tribos inimigas
Que estavam sempre em questão
Na divisa era um impasse,
Se uma a outra ultrapassasse
Estava armada a confusão.
Aquela população
Não se unia por nada
Limite na criação
Mais limite na caçada
Porém nunca guerreavam
Pois sempre se respeitavam
Numa harmonia forçada.
Se uma equipe da caçada
Em uma caça atirasse
Mas a caça não morresse
Simplesmente baleasse
E fugisse ainda com vida
Estava a caça perdida
Se a fronteira atravessasse.
Criando a sorte um impasse
Cupido fez sua treta
Assim como aconteceu
Com Romeu e Julieta,
Quando o amor acontece
O destino a trama tece
E não há quem se intrometa.
Mas nesse caso a mutreta
Não estava bem urdida
Só havia amor de um lado
Era uma causa perdida
O jovem índio penava
Pois a jovem que ele amava
Já era comprometida.
Era ela a filha querida
Do cacique seu rival
Que estava prometida
Pra se casar afinal
Com um bravo companheiro
Da tribo o melhor guerreiro
Jovem sincero e leal.
Formava um belo casal
Nessa tribo sempre unida
Ela era a curandeira
Do pajé a preferida
Por penitência ou castigo
Desconhecia o inimigo
Por quem era tão querida.
Por ela ele dava a vida
Estava disposto a lutar
Pela jovem curandeira
Do outro lado de lá
Sonhava com o displante
De matar o seu amante
E com ela se casar.
Vivia a espreitar
Todos passos que ela dava
As duas tribos rivais
Nada disso suspeitava
Mas o jovem insistindo
Estava sempre a seguindo
Quando ela caminhava.
Certo dia quando estava
A sua amada a seguir
Oculto entre a ramagem
Viu uma onça surgir
Em cima de um serrote
Pronta para dar o bote
Sem a índia descobrir.
Ele teve que agir
Matando a onça a flechada
A pintada caiu morta
Bem nos pés de sua amada
Ela surtou sem demora
Na surpresa dessa hora
Caiu no chão desmaiada.
Ele sem pensar em nada
Atravessou a fronteira
E conseguiu levantar
Nos braços a curandeira
Viu que tinha ultrapassado
E voltou para o seu lado
Em destemida carreira.
Os irmãos da curandeira
Vinham tomando chegada
Avistaram o inimigo
Com a índia desmaiada
Sem saber do ocorrido
Pensaram que tinha sido
Pelo índio assassinada.
Mataram o índio a flechada
Ela também atingida
Pelas flechas do seu povo
Rolou pelo chão sem vida
Eles cruzaram a fronteira
E levaram a companheira
Pra sua tribo querida.
A outra tribo decidida
Não pensou em revidar
Mas foi ter com o inimigo
Na intenção de explicar
Que a jovem desmaiou
E o jovem a carregou
Somente pra lhe salvar.
Voltaram ao mesmo lugar
Do entrevero passado
Encontraram a onça morta
O caso foi explicado
Houve um tratado de paz
Não brigaram nunca mais
E viveram lado a lado.
O jovem foi sepultado
Bem na linha da fronteira
Onde também sepultaram
O corpo da curandeira
O jovem noivo chorava
E todo dia regava
A cova da companheira.
Nasceu uma bela roseira
Onde ela foi sepultada
Com matizes bem azuis
Folhas em ponta delgada
Lembrando gotas de água
Ou lágrimas pela mágoa
De ter sido assassinada.
Na outra cova encostada
Também havia nascido
Uma planta diferente
Formato desconhecido
Lembrando flecha espetada
Como a forma inusitada
Que o jovem tinha morrido.
A flor que havia nascido
Na cova da curandeira
Sombreava a outra planta
Fazendo-a crescer ligeira
Tornou-se árvore gigante
Com estrutura elegante
E uma copa altaneira.
Parecia uma palmeira
Com flecha ao invés de palma
A roseira do seu lado
Minguava tranquila e calma
Até ficar rente ao chão
Da rosa só um botão
Da curandeira era a alma.
Aquela árvore sem palma
Bem conhecida no Sul
Ganhou como companheira
Um lindo pássaro azul
Com um bico muito potente
Um canto bem estridente
E maior que um Sanhaçú.
Conta essa lenda do Sul
De forma imaginária
Que a ave chamaram Gralha
E a árvore Araucária
Que viraram namorados
Após serem assassinados
Nessa tragédia lendária.
O fruto da Araucária
O conhecido pinhão
Parece gotas de sangue
Depois de cair no chão
É da gralha o alimento
Que aproveita o momento
E refloresta a região.
Gralha azul semeia o chão
Pra depois se alimentar
Mas esquece o esconderijo
Faz a função de plantar
O pinheiro renomado
Como também é chamado
No Estado do Paraná.
Hoje o pinheiro por lá
Tem status de nobreza
Está na bandeira do Estado
É símbolo de realeza
E time de futebol
E em todo aquele arrebol
Exibe sua beleza.
A gralha azul com certeza
É outro símbolo altaneiro
Do Estado e do futebol
E aqui termino o roteiro
Sem soneto e sem emenda
Versejei mais uma lenda
Do meu torrão brasileiro.
São Luis, 09 de Setembro de 2018
SÉRIE LENDAS BRASILEIRAS - VOLUME 32