NEGRO RUGÉRIO - O REI DA FARINHA

NEGRO RUGÉRIO

O REI DA FARINHA

No tempo da escravidão

Muitos quilombos surgiam

De negros insatisfeitos

Que das senzalas fugiam

E ferozmente caçados

No tronco eram torturados,

Porém muitos conseguiam.

Dos escravos que fugiam

Sem serem capturados

Se agrupavam no mato

Em local desabitado

Onde ninguém se atrevia

A fazer uma travessia,

Pois era muito arriscado.

Nesses locais agrupados

Após grande penitência

Organizavam um quilombo

Pra oferecer resistência

Se fossem importunados,

E ali faziam roçados

Pra sua sobrevivência.

Mesmo com deficiência

Conseguiam cultivar

Principalmente mandioca,

Milho pra fazer fubá,

Caça em abundância tinha

E fabricavam farinha

Pra poder se alimentar.

Conseguiam até criar

Vez por outra uma vaquinha

Capturada em rebanhos

De alguma fazenda vizinha

Assim também procedia

Com animais de montaria,

Peru, criação, galinha.

O Espirito Santo continha

Vários quilombos formados

Devido às grandes montanhas

E locais bem escarpados

Propícios pra se esconder,

E para sobreviver

Manter pequenos roçados.

Desses quilombos formados

Um deles se destacou

Reuniu os quilombolas

E a todos organizou

Elegendo liderança

Sob sua ordenança

E a coisa funcionou.

Um deles se destacou

Entre outros líderes que tinha

Por acolher fugitivos

Que de muito longe vinha

Junto a ele se abrigar

E assim conseguiu montar

Uma casa de farinha.

De todo quilombo vinha

A raiz que produzia

Pra transformar em farinha

No sistema parceria

No trabalho a se unir

Chegaram a produzir

Cinquenta sacas por dia.

O chefe deles vendia

Para toda a região,

Até Dona Rita Cunha

Que era mãe de barão

Chegou a ser uma parceira

Comprando a fornada inteira

A preço de ocasião.

O Líder da região

Negro Rugério chamado

Vendia tudo mais barato

Do que o preço do mercado

Com isso ela se calava

E nunca os denunciava

Deixando-os sossegados.

O dinheiro arrecadado

Era todo dividido

Com os quilombos parceiros

Que haviam produzido

Assim todos ganhariam

Cada vez mais produziam

Mesmo plantando escondido.

Comércio bem sucedido

Serviu até pra ajudar

Os meninos quilombolas

Começarem a estudar

Com outras classes misturadas

De maneira disfarçada

Chegando até se formar

Logo passaram a chamar

Rugério, O Rei da Farinha

Como atravessadora

Dona Rita também vinha

Sempre lhes auxiliando

Seu produto transportando

Pela região vizinha.

O comércio de farinha

Logo incomodaria

Os grandes comerciantes

Da alta aristocracia

Que perdia no mercado

O monopólio formado

Como a nobreza queria.

Pois Dona Rita vivia

Combatendo ma exploração

E era muita temida

Pois era a mãe do Barão

De Aymorés o preferido,

Do Imperador e querido

Em todo aquelo sertão.

Os negros da região,

Escravos e alforriados

Confiavam em Rugério

Como um líder afamado

Que a todos protegia;

Vez em quando um se feria

E por ele era cuidado.

Rugério e outro aliado

Líder na sua região

Benedito Meia Légua

Pra manter a tradição

Vinda da terra africana

De uma seita angolana

Criaram uma religião.

Deram-lhe um nome, então,

De Cabula, entre os seus,

Com luta, oração e dança

Tendo o Banto como um deus

Passando a ser venerada

Em senzalas praticada

Na região de São Mateus.

Disseminada entre os seus

A Cabula se espalhou

Saindo do Espírito Santo

Na Bahia se alastrou

Com os negros praticando

E terminou nomeando

Um bairro em Salvador.

Voltando ao seu fundador,

Rugério, o da farinhada,

Escravo de Rita Cunha

Que fugiu de sua guarda

Porém ela o libertou

Porque muito mais ganhou

Sendo sua aliada,

Porém o fim da jornada

Pra Dona Rita chegou

Rugério ficou sozinho

Seu comercio desandou

Quando a polícia surgiu

Seu quilombo descobriu

E seu engenho queimou.

Quem não morreu se entregou

Com raríssima exceção

Alguns fugir conseguiram

Se embrenhando no sertão

Rugério seguiu lutando

Com seu povo praticando

A sua religião.

Cabula hoje é tradição

Entre a raça brasileira

Descendente dos escravos

Que ostentam essa bandeira

Nos cultos afros, no axé,

Na umbanda, no candomblé,

Nas rodas de capoeira.

Rugério formou fileira

Quando desapareceu

Sua farinha acabou-se

Mas ele permaneceu

Na Cabula com requinte;

No início do século vinte

Finalmente ele morreu.

Maceió, 14 de Março de 2022

SÉRIE ESCRAVIDÃO - VOLUME 23

Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 19/11/2022
Código do texto: T7653324
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