VIRIATO CANCÃO DE FOGO - O FILHO DA NOITE

VIRIATO CANCÃO DE FOGO

O FILHO DA NOITE

No tempo da escravidão

Era comum os navios

Até de poucos calados

Enfrentarem desafios

Carregando negros bravos

Na corrente, como escravos,

Cruzando os mares bravios.

Foi num desses desafios

Que no Brasil aportou

Um desses navios negreiros

Que da África chegou,

Do Congo, precisamente,

Carregando um contingente

De negros para o labor.

Logo chegava um senhor

De engenhos, selecionando

O tanto que precisava,

Comprava e ia levando

Com feitores bem armados

Que os conduzia amarrados

Léguas e léguas andando.

Enquanto estavam tirando

Os negros pra o seu destino

Lá no porão do navio

Descobriram um menino

Que não foi capturado,

Estava desacompanhado

Perdido, em desatino.

Enfim, levaram o menino

Com os companheiros seus

Para as fazendas dos Cunhas

Na região de São Mateus

Onde haviam africanos,

Congoleses, angolanos,

Que cultuavam seus deus.

E foi crescendo entre os seus

Ligeiro igualmente um gato

Pouco entrava na senzala,

Dormia sempre no mato

Perguntaram o nome seu

De pronto ele respondeu:

«Eu me chamo Viriato.»

Feitor, capitão do mato,

No começo proibia

Que ele dormisse fora

Porém ele insistia

Em dormir ali por perto

Num local a céu aberto

Onde todo mundo via.

Dificilmente sorria

Não era muito de rir

Perguntado de onde veio

Como foi parar ali,

Para aumentar a intriga

Dizia, «Foi da barriga

Da noite que eu nascí.»

Foi ficando por ali

Feitor foi lhe dando trégua

Quando já estava taludo

Deu de garra de uma égua

Tratou de se escafeder

Pois queria conhecer

Benedito Meia Légua.

Bem longe largou a égua

Para rastro não deixar

Sumiu pelo matagal

Meia Légua a procurar

Seguindo pelo roteiro

Que lhe deu um companheiro,

Até seu povo encontrar.

Meia Légua a investigar

Tudo do seu paradeiro

Só dizia que chegou

Num grande navio negreiro

Não lembrava dos seus pais

Se os teve não soube mais

Da família o seu roteiro.

Seu instinto de guerreiro

Meia Légua conquistou

O iniciou na Cabula

Aos mestres se aliou

Aprendeu a capoeira

E na arte da rasteira

Logo se aperfeiçoou.

Bom guerreiro se tornou

Veloz, firme e decidido

Viriato Cancão de Fogo

Lhe deram esse apelido,

Nasceu como num açoite

Pela barriga da noite

Da África um filho perdido.

Por haver desenvolvido

O seu olhar de cancão

Aperfeiçoou a prática

De andar na escuridão

Entrava onde queria

E sem problema saía

Dando uma de espião.

Garantiu essa função

Porque conseguia entrar

Nas fazendas mais seguras

E a tudo investigar

Colhendo informações

Onde haviam provisões

Para depois se atacar.

Aprendeu a guerrear

Praticando no escuro

A técnica da capoeira

Que assim era mais seguro

Criou um grupo perfeito

Pra lutar de qualquer jeito

Até em cima de muro.

Assim era mais seguro

Proteger negro fugido

Acompanhava nas sombras

Os escravos foragidos

Que pra quilombo fugia

Levando com garantia

Para o local escolhido.

Se algum negro fugido

Se sentisse encurralado

E gritasse por socorro

Era fato comprovado

O espírito de Viriato

Punia capitão do mato,

Salvava o aprisionado.

E foi ficando afastado

Andando na escuridão

Vez por outra aparecia

Para dar satisfação

Assim, toda sua gente,

Do mais fraco ao mais valente,

Tinham sua proteção.

O grupo da escuridão

Assim ficou conhecido

O bando que ele formou

Pois só andava escondido

Evitando a luz do dia

Só de noite o bando agia

Pelo mais desprotegido.

E assim, vivendo escondido,

Enfim desapareceu

Ninguém sabe quando, como,

De que forma ele morreu,

O certo é que sucumbiu,

Ou seja, ele sumiu

Da forma que apareceu.

Porém o legado seu

Obteve resultado

Porque levou a Cabula

Pra o meio do povo amado

Essa prática se impôs

Até para os Caialôs

Que são os não iniciados.

O ensinamento deixado

Por ele não se acabou

Pois o grupo de elite

Que com esforço criou

Atuou durante anos

Provocando os soberanos

Que a seu povo castigou.

Com ele se perpetuou

A mítica do desagrado

Sempre que havia fuga

O seu nome era lembrado

Por quem estava se salvando

Dessa forma o elevando

Ao status de Encantado.

Descendentes do passado

Não lembram dele hoje em dia

Mas ainda há quem venere

Seus feitos com alegria

Tido como protetor

Até no que se chamou

Mesa de Santa Maria.

Crato-CE, 27 de Fevereiro de 2022

SÉRIE ESCRAVIDÃO - VOLUME 22

Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 19/11/2022
Código do texto: T7653320
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