MARIANA CRIOULA - A PRETA DE ESTIMAÇÃO

Dou um balanço na História

Com a minha inspiração

Pra versejar mais um fato

Do tempo da escravidão

Falando de uma mucama

A Crioula Mariana

A preta de estimação.

No tempo da escravidão

Quem era negro sofria

Não havia sentimento

Pois negro não existia

Como gente, era verdade,

Era só propriedade,

Branco comprava e vendia.

A compra se dividia

Em negro reprodutor

Boas negras parideiras

Para enriquecer senhor

Aumentar a produção

E as pretas de estimação

Com quem se fazia amor.

A esposa do senhor

As escravas escolhia

Pra servir na Casa Grande

Essas tinham regalia

Eram as arrumadeiras

Cozinheiras, bordadeiras

E damas de companhia.

Naquele tempo existia

O café em abundância

Por isso os navios negreiros

Chegavam com mais constância

Levas de negro chegava

Se vendia, se comprava

Sempre com mais relevância.

Em uma rica estância

Das fazendas a maior

Manoel Francisco Xavier

Que era o capitão-mor

Tinha um casal de escravos

Dos mais fortes e mais bravos

Que valiam ouro em pó.

Esses o capitão-mor

Por nada negociava

Mariana Crioula, a negra,

Na Casa Grande morava

A «preta de estimação»

Da mulher do capitão

Que muito lhe estimava.

O marido trabalhava

No eito com os escravos

Era forte como um touro

O mais valente entre os bravos

Por ser dela separado

Vivia inconformado

E estava sempre em conchavo.

Enquanto a mulher do escravo

Cujo nome era José

Gozava de regalias

De Francisca Xavier

Esposa do capitão

O marido cavava o chão

Na lavoura de café.

Houve um grande «rapapé»

Nas fazendas da região

Mais de trezentos escravos

Fugiram na rebelião

Com alguns capturados,

José foi assassinado

Durante a fuga em questão.

A esposa do capitão

Nessa revolta perdeu

Sua preta de estimação

Que sabendo o que ocorreu

Na luta e que seu marido

Também havia morrido

Juntou-se com o povo seu.

Mariana se enfureceu

Lutando o quanto podia

Juntou-se com Manoel Congo

Dos escravos a chefia

Onde essa dupla passava

Mais escravos libertava

Mais a revolta crescia.

Apesar da rebeldia

O grupo foi dominado

Manoel Congo e Mariana

Foram logo delatados

Por uma comissão que tinha

Como o rei e a rainha

Do grupo de sublevados.

Trezentos capturados

Durante essa rebeldia

Só em Paty dos Alferes

Onde era a freguesia

Do tal grupo rebelado

Dali seriam levados

E uma corte os julgaria.

O julgamento seria

Em Vassouras, povoado

A que Paty dos Alferes

Estava subordinado.

Pra ser julgados no evento

Haviam mais de trezentos,

Só dezesseis condenados.

Nas ruas do povoado

O povo se aglomerava

Para ver os condenados

Que no momento chegava

Ouviram uma negra dizer

Que preferia morrer

A voltar a ser escrava.

Com o brado dessa brava

Ojerizando a senzala

A multidão reunida

Quis partir para linchá-la

Mas Francisca Xavier

Do capitão Xavier

Interviu para salvá-la.

Quem condenava a senzala

Gritando na multidão

Era Mariana Crioula

A preta de estimação

Que por já ser protegida

Ficou devendo sua vida

À mulher do capitão.

E foi devido a essa ação

Que as mulheres condenadas

Com o apelo da Crioula

Deixaram de ser julgadas

Voltando para as senzalas.

Ao invés de condená-las

Tiveram as vidas poupadas.

Mesmo sem serem julgadas

Mariana em desespero

Teve que ficar presente

Para ver seu companheiro

Manoel Congo ser julgado

E ali mesmo enforcado

Ao lado de outros parceiros.

Era assim que os brasileiros

Tratavam a escravidão

Negro trabalhava muito

Sem receber um tostão

Comendo angu estragado

E dormindo acorrentados

Estirados pelo chão.

Perdoem a dissertação

Mas não dar para evitar

Esse assunto tão insano.

Eu só queria narrar

A história de uma escrava

Imponente, forte e brava

Mas tive que dissertar.

Preconceito ainda há

Em qualquer repartição

Devido essa chaga herdada

Do tempo da escravidão

Onde o branco era normal,

Negro era só animal

De comercialização.

Dormiam na escuridão

Na senzala infectada

Uma rústica construção

Da Casa Grande afastada

Vivendo como animal,

Nascem pra ser serviçal,

Não tinham alma nem nada.

Se fosse a causa apurada

Hoje, no tempo atual,

O sofrimento do negro

Padecendo todo mal

O branco que impunha algema

Sem ter pudor, sem ter pena

Ante o escravo, era o animal.

Essa fama infernal

Que o homem branco criou

Desonra a sociedade

Desvirtua o seu valor

Pois o branco que escraviza

Não vale o chão onde pisa,

Não honra o nome Senhor.

Ainda bem que acabou

Esse episódio banal

Só falta acabar as cotas

Pra voltar tudo ao normal

Se os direitos são iguais,

Pra que ter menos e mais

Podendo ser tudo igual?

Mas vou voltar afinal

Onde fiz a narração

De uma escrava e prosseguir

Fazendo dissertação

Preciso retroceder

Pois ainda quero fazer

De Mariana a descrição.

No início a escravidão

Era com gente africana

Desde a colonização

Bem antes de Mariana

E aqui foram procriando

No Brasil foram gerando

Uma raça soberana.

A Crioula Mariana

Foi nascida no Brasil

E já tinha trinta anos

Quando a revolta eclodiu

Filiação desconhecida

Ainda criança vendida

Como antes existiu.

De uma senzala saiu

Para outro canto qualquer

Até chegar à herdade

Do Capitão Xavier

Por ser bonita e prendada

Da senzala foi tirada

E presenteada à mulher.

Francisca Elisa Xavier

Esposa do Capitão

Tinha em Mariana Crioula

Confidência e devoção.

A escrava teve vitória

E eu conclui a história

Da Preta de Estimação.

Aracaju, 08 de Fevereiro de 2021

SÉRIE ESCRAVIDÃO - VOLUME 15

Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 18/11/2022
Código do texto: T7653017
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