ANASTÁCIA - MÁRTIR DA ESCRAVIDÃO

A Escrava Anastácia

Personagem popular

De devoção religiosa

Para o Brasil cultuar

Se é uma crença brasileira

Ou história verdadeira

Eu vou em versos narrar.

Há quem chegue a duvidar

Dos registros nos anais

Já que não existem provas,

Relíquias materiais

Mas Anastácia existiu

Naquele antigo Brasil

Que hoje não existe mais.

Lá pelas Minas Gerais

A sua saga começa

Pois lá foi seu nascimento

Numa rotina pregressa

De miséria e escravidão

De tortura e de prisão

Numa vida controversa.

Toda história começa

No dia nove de abril

Mil setecentos quarenta

Se aproxima do Brasil

Um grande navio negreiro

Pra servir ao brasileiro

E logo aporta no Rio.

Meses e meses a fio

Esse navio «Madalena»

Cruzou o Oceano Atlântico

Trazendo uma carga plena

De escravos em seu porão

Cento e doze no montão,

Pra vender em Barbacena.

E entre essa centena

De negros capturados

Na região congolesa

Para serem escravizados

Vendidos como animal

Vinha uma família real

De um distante reinado.

O reino denominado

Galanga, pela negrada,

Tinha sido devassado

A tribo capturada

Trazida por desaforo

Para a extração de ouro

Em região considerada.

Essa tribo chefiada

Por Chico Rei, afamado,

E sua esposa Delmira

Deu um problema danado,

Pois ela, muito formosa,

Deixa o branco em polvorosa

Pelo seu andar gingado.

Devido a seu rebolado

Delmira foi a revés

Desviada do marido

E seus súditos fiéis

Sendo muito disputada

Terminou sendo comprada

Valendo um conto de réis.

Separada dos fiéis

Foi grande o desgosto seu

Violada por um branco

Que em seguida lhe vendeu

Causando muita falácia

Deu a luz a Anastácia

Na cidade de Pompeu.

Depois desapareceu

Se embrenhou nos matagais

Inconformada com a sorte

Deixou a filha pra trás

Em meio a grande agonia

Foi ressurgir na Bahia

E não voltou nunca mais.

Sozinha nos matagais

Anastácia é encontrada

Com poucos dias de vida

Pelo branco foi levada

E entregue a uma ama

Pra depois virar mucama

Na casa grande afamada.

Cresceu bonita e mimada

Mulata de olhos azuis

No termo mulher bonita

Seu atributo faz jus

Mas o filho de um feitor

Com fama de sedutor

A Anastácia seduz.

A história se reproduz

A pureza se perdeu

O que aconteceu com a mãe

Com a filha aconteceu

Mas ela com altivez

Ao tarado não deu vez

Aos encantos não cedeu.

Ele não se convenceu

Porque ela o desprezou

Mas era uma escrava

E ele filho de feitor

Ela foi sacrificada,

Perseguida, torturada

Até que ele a violentou.

Anastácia não deixou

De sustentar a altivez

E aquela dignidade

Que a natureza lhe fez

Resistiu aos opressores

Pois todos dominadores

Queriam ter sua vez.

Em pouco mais de um mês

Ela foi seviciada

Por brancos de toda espécie

Que a ela tinha chegada

A pobre negra sofria

Mas ainda se defendia

Com os dentes e com unhadas.

Ela arrancou com dentada

O dedo de um senhor

Ou parte dele talvez

A situação piorou

Todo aquele sacrifício

Foi pouco para o suplício

Que em sua vida começou.

O potentado mandou

Suas unhas arrancar

Colocaram-lhe uma máscara

No rosto a lhe machucar

Toda em ferro talhada

E só era retirada

Quando ia se alimentar.

Sem ninguém pra lhe ajudar

Ela ficou condenada

A usar aquela máscara

Toda de ferro e pesada

Os brancos se divertiam

Por ali todos que a viam

Caíam na gargalhada.

E também a mulherada

Vivam incentivando

A permanência da máscara

Que a escrava estava usando

Por causa da sua beleza

Dada pela natureza

A todos incomodando.

Anastácia suportando

O fatídico instrumento

Por duros e longos anos

De dor e de sofrimento

Como se, premeditada

Fôra sua sorte lançada

Desde o seu nascimento.

E assim nesse sofrimento

Doente e debilitada

Já velha na flor da idade

Para o Rio foi levada

Sua existência sofrida

Não resistiu e a vida

Perdeu o fio da meada.

Sendo a máscara retirada

Com o fim do seu calvário

Seu rosto desfigurado

Deixa o povo temerário

De ser por Deus castigado,

Seu corpo foi sepultado

Na Igreja do Rosário.

Completando seu fadário

Como Deus determinou

A igreja foi destruída

Por um fogo que a queimou

Registro virou fumaça

E da Escrava Anastácia

Só a lembrança ficou.

Mas o povo a consagrou

Como santa verdadeira

Na religiosidade

Da raça afro-brasileira

Hoje ela ainda é lembrada

Venerada e cultuada

Por esta nação inteira.

Esta história é verdadeira

Contada em várias versões

Seja nos cultos católicos

Ou em outras religiões

Seja nos barcos pesqueiros

Nos candomblés e terreiros

Nas capitais e sertões.

Em uma dessas versões

Após o descobrimento

Do Brasil que aconteceu

No ano mil e quinhentos

Necessário se fazia

Mão de obra que agiria

No seu desenvolvimento.

Surgiu então o momento

Dos grandes navios negreiros

Que aprisionavam na África

Os pobres negros ordeiros

Que eram aprisionados

Nos tais navios transportados

Vendidos aos brasileiros.

Esses navios negreiros

Faziam esse sururu

Na Guiné, Congo e Angola

Perseguindo escravo nu

E entre muita falácia

Veio a escrava Anastácia

Uma princesa bantu.

Era grande o vandevul

Que faziam com a negrada

Mas essa de Anastácia

É uma conversa fiada

De imprensa fofoqueira,

A história verdadeira

É a que já foi contada.

Há história registrada

De milagres que ocorreram

Com escravos e outra gente

Que a ela recorreram

Por doenças incuráveis

E outras pestes termináveis

Que enfim desapareceram.

Outras curas ocorreram

Ao longo dos tempos idos

Registros religiosos

De milagres ocorridos.

E além de curar doenças

Também existem ciências

De outros casos resolvidos.

Mas foi tudo destruído

Por fogo ou por fanatismo

De entidades que praticam

O costume do egoísmo

E os fantasmas do passado

Foram todos apagados

Hoje só existe modismo.

Amante do saudosismo

Eu prefiro cultivar

As histórias do passado

Que o tempo teima em apagar

E eu faço seguir adiante

Com o milagre importante

Que eu vou em versos narrar.

Quando ela estava a usar

A máscara do sacrifício

O filho do fazendeiro

Caiu de um precipício

Sem médico pra lhe curar

E vendo a morte chegar

Vivia em grande suplício.

Nesse tempo era difícil

Os recursos de um doutor

Recorreram a Anastácia

Que o branco maltratou

Com sevícia, com tortura

E ela com sua candura

Ao moço branco curou.

Fazendeiro se espantou

Com o milagre acontecido

Pelo suplício da negra

Declarou-se arrependido

Preparou-lhe a alforria

Mas logo ela falecia

De tanto já ter sofrido.

Fazendeiro arrependido

Sentiu também seu calvário

Deu-lhe um velório decente

Ficou muito temerário

Que os deuses lhes castigassem

E mandou que a sepultassem

Na Igreja do Rosário.

E assim termina um calvário

De mágoa e de ingratidão

Uma história verdadeira

Cheia de dor e opressão

Como outros que ocorreram

Suplícios que aconteceram

No tempo da escravidão.

Injustiça e opressão

À mulher sempre existiu

Agora os tempos são outros

A coisa se dividiu

A mulher ganhou poder

E eu acabei de escrever

Mais um "Coisas do Brasil".

Porto Velho, 27/01/2014

SÉRIE ESCRAVIDÃO - VOLUME 8

Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 18/11/2022
Código do texto: T7652763
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