ESPERANÇA GARCIA - A ESCRAVA ADVOGADA
Na província brasileira
De São José do Piauí
Aconteceu esse fato
Que eu versejo e deixo aqui
Uma história verdadeira
Que até a Estação Mangueira
Fez questão de exibir.
No Estado do Piauí
Também tinha escravidão
Como tinha os Jesuítas
Praticando a religião
Eles tinham uma herdade
Com escravos de verdade
Porém com moderação.
Mesmo sendo a escravidão
Um sistema prisional
No Piauí era branda
Um pouco mais racional
Escravo só trabalhava
Mas dinheiro não ganhava,
Era a lei colonial.
Mas o trabalho braçal
Era bem mais moderado
Negro podia aprender
Se doente, receitado
Orientações benditas
Dadas pelos Jesuítas
Que haviam naquele Estado.
Negro era batizado
Ganhando um nome na pia
E levando o sobrenome
Do dono a que pertencia
Nesse tempo escravagista
Na fazenda dos Jesuítas
Nasce Esperança Garcia.
Era só mais uma cria
Nascida numa senzala
Mas os padres jesuítas
Na intenção de educá-la
A levaram pra vivenda
Que era a sede da fazenda
Com a mãe pra amamentá-la.
A tiraram da senzala
Mas ela sempre voltava
Com os negros convivia
Com os padres estudava
Muitas aulas assistia
E tudo que ela aprendia
Aos seus irmãos ensinava.
Essa fazenda formava
Pequena propriedade
Cultivada pelos padres
E escravos em liberdade
Tornou-se ao evoluir
Nazaré do Piauí
Uma pequena cidade.
Mas os padres, na verdade
Como era natural
Intrigava os poderosos
Com seu estilo normal
E sem discurso, sem guerra
Foram expulsos da terra
Pelo Marquês de Pombal.
Esse foi um grande mal
Aos escravos da fazenda
Sem os padres jesuítas
Começou a reprimenda
Voltam a ser acorrentados
Separados e levados
Cada um para uma vivenda.
Houve até luta e contenda
Intriga e muitas questões
Sem os padres jesuítas
Chegaram outros patrões
Que de negros se apossava
Acorrentava e levava
Para outras regiões.
Para a Fazenda Algodões
Esperança foi levada
Aos nove anos de idade
Da família separada
Sem poder mais estudar
Foi pra o eito trabalhar
Cresceu no cabo da enxada
Sempre era muito humilhada
Porque sabia falar
Diferente dos feitores
E vivia a ensinar
Tudo que tinha aprendido
Mas ensinava escondido
Sem branco desconfiar.
Cresceu naquele lugar
Sempre ensinando escondido
Tornou-se uma linda moça
Logo arranjou um marido
Pouco tempo se passou
E depois que engravidou
O seu homem foi vendido.
Mas ela de rosto erguido
Não se deixava abater
Teve a filha na senzala
Sem ninguém a socorrer
Criou a filha no peito
E a levava pra o eito
Para ninguém a vender.
Como ela sabia ler
E tinha educação
Foi levada com a filha
Pra casa do capitão
Antônio Couto Vieira
Para ser a bordadeira
Da mulher do capitão.
Porém a humilhação
A ela continuava
Sofria violência física
No lugar onde chegava
Reclamava ao capitão
Abusos e humilhação
Mas ele não se importava.
Por ser mulher forte e brava
Resolve então emitir
Uma carta ao presidente
De São José do Piauí
Contando o que ela sofria
Pois ela não merecia
E para ele intervir.
Também resolver pedir
Em uma nova redação
Enviada ao governador
Capitania do Maranhão
Gonçalo Castro Botelho
Pedindo a ele um conselho
Um alento, uma solução.
Na casa do capitão
Só viviam a humilhar
A ela e sua filhinha
Por isso queria voltar
Para a Fazenda Algodões
Dos seus antigos patrões
Pois seu povo estava lá.
Mas não quis nem esperar
Resposta do que pediu
Com um escravo angolano
E sua filha sumiu
Na floresta escura e fria
E de Esperança Garcia
Falar nunca mais se ouviu.
Até que se descobriu
De Esperança o paradeiro
Em uma lista de escravo
Ela e o seu companheiro
Ignácio o angolano
Na região de Floriano
E foram no seu roteiro.
Esperança e o companheiro
Formaram uma união
E tinham já sete filhos
Nessa fazenda em questão
Quando foram lhes buscar
Ela não quis retornar
À casa do capitão.
Mas o encontro em questão
Era pra comparecer
À capital da província
Para se estabelecer
O Presidente, satisfeito,
Atendendo ao seu pleito
Queria lhe proteger.
E também reconhecer
Que o ofício tornaria
A primeira petição
Que uma escrava fazia
Na história daquele Estado
Sendo assim considerado
Ato de advocacia.
Sendo Esperança Garcia
Em ofício registrada
No Estado do Piauí
A primeira advogada
Saindo do Piauí
Até a Sapucaí
Num samba homenageada.
Explicando essa parada
A Escola Estação Primeira
Em dois mil e dezenove
Com o enredo da Mangueira
Mostra Esperança Garcia
Sendo da advocacia
No Piauí pioneira.
A História Afro-brasileira
Relembra a todo momento
Essa página literária
Como sendo um documento
No Estado ela venerada
Sempre homenageada
E tem até monumento.
Existia um movimento
No Estado do Piauí
Na Capital Teresina
O Memorial Zumbi
Em dois mil e dezessete
Uma reforma compete
Mudar o nome dali.
E o Memorial Zumbi
Doravante mudaria
O nome de fundação
E então se chamaria
Por mérito e merecimento
O nome do monumento
Para Esperança Garcia.
Outro registro seria
No Estado, se bem me lembro
Dia da Consciência Negra
Seria seis de Setembro
Feriado estadual
Ao passo que o federal
É em vinte de Novembro.
A data seis de Setembro
É o dia da petição
De Esperança Garcia
Denunciando o capitão
Pedindo alento e conselho
A Gonçalo L. Botelho
Governo do Maranhão.
Está feita a narração
Transformada em poesia
De mais uma escrava negra
Que o Brasil não conhecia
Mas o Piauí Conhece
E até hoje enaltece
A Esperança Garcia.
Salvador, 11 de Fevereiro de 2021
SÉRIE ESCRAVIDÃO - VOLUME 2