VIDA NO INTERIOR E A SOBREVIDA NA CIDADE (Cordel)
Seu doutor me dê licença
Preste atenção, por favor,
Não sou daqui da cidade
Venho lá do interior
Não sou um homem letrado
Cuidava bem do roçado
Por ser bom agricultor
Lá eu preparava o solo
Cuidava bem do meu chão
Nas primeiras trovoadas
Finalzinho do verão
Já montava uma palhoça
Passava o dia na roça
Cuidando da plantação
Tinha sementes guardadas
De amendoim e feijão
Em março eu plantava o milho
Pra comer no São João
Tinha de tudo um pouquinho
E zelava com carinho
Pra render a produção
E naquela vizinhança
Todo mundo se ajudava
E por ser todos parentes
O respeito não faltava
Na colheita do feijão
Já fazia um mutirão
Que em festa terminava
Todos lá plantavam fumo
Pra vender no fim do ano
Era o que dava mais lucro
Se não sofresse algum dano
Fazendo a exportação
Pra servir de produção
Para o charuto cubano
Tem que ter disposição
Para poder enfrentar
Pôr a semente no solo
Já começar irrigar
E plantá-la no canteiro
Trabalhando o ano inteiro
Até o fumo “curar”.
Trabalhar de sol a sol
No domingo e feriado
A mulher também ajuda
Os filhos seguem do lado
Botar folha no varal
Tem gente que passa mal
Por ficar embriagado
Na hora de destalar
Mulheres vão ao salão
Destalam folha por folha
Fazendo um monte no chão
Depois pega uma por uma
Bota no chão e arruma
Pra fazer “enrolação”
Segue o fumo pra balança
Já deixa tudo “pesado”
Cada “bola” tem cem quilos
O peso é padronizado
E disso ninguém discorda
Um homem lá faz a corda
Deixando o fumo “enrolado”.
Da “balaia” pro “sari”
Segue para o quarador
Um galpão especial
Que chamam de “curador”
Quando o fumo tá “curado”
Por ali desconfiado
Chega o atravessador.
Coloca preço indecente
Desqualifica o produto
Fala que paga melhor
Ali naquele reduto
Mas tudo é enrolação
Pois é na exportação
Que ele enrola o “matuto”.
Agora nesse lugar
Uma empresa se instalou
E comprou todas as terras
Dizendo que indenizou
Veio falando em progresso
Para nós foi um regresso
Que só tristeza deixou
O valor que recebi
Me deixou sem opção
Mudar aqui pra cidade
Foi a minha sugestão
Não estou nada contente
Minha vida no presente
Só me traz decepção.
Não tenho mais minha roça
E nem onde trabalhar
Vivo só fazendo bicos
Ninguém quer me contratar
Sigo sofrendo calado
Infeliz, amargurado
Relatando o meu penar
Eu aconselho aos meus filhos
Que não vivam de ilusão
Sigam de mim os exemplos
Por eu ter convicção
Eu falo e não me confundo
Nada é melhor nesse mundo
Do que ter educação.
Por isso é bom estudar
Buscar uma formação
Ter a carteira assinada
Investir na profissão
Pra se livrar da “enxada”
Não ter a mão calejada
Nem sofrer desilusão.