Sem munição!

Antonio de Zé Morais

um cabra conversador

e o maior leva e traz

que havia no interior

Não guardava segredo

e mentia sem medo

nos causos da cidade

Que o povo todo dizia

que inté Judas perderia

Na disputa da ruindade.

Pensa num rei dos boato,

pois ninguém lhe escapava

De todos dizia um fato

e se não tinha, inventava!

Mentir era o seu vício

se brincar, nem padre Ciço

enterrado em Juazeiro

podia descansar em paz

pois com sua língua sagaz

armava um circo inteiro!

Conta-se que o caboco

certo dia assim contou

que a esposa de Tinoco

que era coronel major

tava traindo o marido

e até cabo envolvido

tinha nessa presepada.

Que o Tinoco Major

dos corno era o maior

ganhava de disparada!

A conversa não tardou

de se espalhar nos cantos

O povo até desconfiou

que Tonho tava inventando

Mas sabe como que é

se tem abelha tem mé

E não faltou linguarudo

que o causo aumentasse

erguesse dedo e apontasse

que o urso era Zé Raimundo.

Disse intonce o Tinoco:

Rapaz, cumé que pode?

Tonho parece que é louco

eu quieto, ele sacode

cum monte de invenção

Chica tá numa aflição.

Ah, vou dar-lhe uma pisa!

Quer ver se não aprende

a respeitar a patente

Agora se ele se ajuíza!

Mas aí Chico Pedrosa

o dono lá do boteco

puxou com ele prosa

e maquinaro junto um treco

O major achou sensato

e decidiram pôr o fato

em plena execução.

Ia ser na mercearia

Onde Tonho sempre ia

tomar cana com limão!

E o dia amanheceu

com o sol já na quentura.

E Tonho Morais apareceu

já falando diabruras

Que o padre usava calcinha

lá na batina escondidinha

Era só prestar atenção

que se o cabra espiasse

era capaz que notasse

A renda de vermelhão

Foi quando de repente

se ouviu o camburão

Desceu de lá o tenente

juntamente um capitão

Deram voz de captura

e colocaram na viatura

que cantou logo os pneu.

E o povo assim que ouviu

não deu outra, concluiu:

Agora Tonho se perdeu!

E levaram o desgraçado

lá perto de um oitão.

Deixaram ele amarrado

e com a venda no zoião.

Nisso chegou o major

e com voz de locutor

declarou Tonho culpado

de crime de conspiração

e portanto a punição

Era de ser fuzilado!

E Tonho chorava e tremia

gritando que nem coitado.

Que pelo amor de Maria

ele teria mais cuidado!

E o Tinoco só falava

que na lei não constava

mais nenhuma apelação.

Só restava cumprir a lei

e um pelotão de três

Daria início à execução.

E se juntaram os soldados

em posição de atirar!

Tonho chorando, coitado,

começou logo a rezar.

Tinoco disse: é no três!

Contou tudo de uma vez

E entonce os soldado

estouraram uns rojão

desses de São João

E Tonho caiu desmaiado!

E acordaram o vivente

cum tapão bem na fuça

E o major foi contundente

Em lhe dar uma carapuça

Disse: Tonho, deixa de ruindade!

Da próxima é de verdade

E presta bem atenção

que na próxima mentira

eu vou treinar minha mira

No meio dos teu cunhão!

Aí Tonho pediu perdão

inda bateu continença

Foi saindo pelo oitão

pedindo com licença

Chegou fininho no bar

e foi logo se sentar

sem querer muita conversa

e o povo perguntaram

pronde foi que o levaram

E que cara branca era essa!

Disse Tonho o seguinte:

Rapaz, pensa nua vergonha!

O exército perdeu o requinte,

tá uma pobreza medonha!

O major veio me contar

com dois zóio a chorar

Que só falta passar fome!

Pois todo o pelotão

não tem sequer munição

nem pra fuzilar um home!