DONA MILITANA

 (UMA ROMANCEIRA INESQUECÍVEL)

 

 

 

Meu Bom Deus, Pai do Universo

Venha aqui me orientar

Para que eu, rimando em versos,

Possa em meu cordel contar

A história de uma dama

Que todo o Brasil conclama

Romanceira Potiguar.

 

No alto do Canaã,

São Gonçalo do Amarante,

Eu conheci Militana

Do Medieval amante,

Cantando o que herdou do pai.

Da minha mente não sai

O seu vozerio cantante.

 

Os romances decorados:

Ibéricos, medievais,

Com histórias principescas

Populares que, ademais,

Se não fosse a romanceira

A cultura brasileira

Já não os teria mais.

 

No avançar do século vinte

Em março de vinte e cinco,

Nasceu Dona Militana

Sem belas roupas, nem brinco.

Seu pai não deixava usar,

Nem a deixava cantar.

Proibindo-a, com afinco.

 

Santo Antônio dos Barreiros

Que hoje é do Potengi,

É sua terra natal.

Aprendeu cantar ali.

Como seu pai não deixava

Que cantasse, ela guardava.

Disse-me: ─ Assim aprendi.

 

Atanásio Salustino

Do Nascimento, seu pai,

Figura Ilustre folclórica

De São Gonçalo. E lhe sai

Militana sendo herdeira,

Tornando-se a romanceira

Que o Brasil, conhecer, vai.

 

Porém Dona Militana

Só foi mesmo aparecer

Em público quando Deífilo

Gurgel, vindo a conhecer

O seu cantar, abismado,

Não pôde deixar de lado

O que acabara de ver.

 

─ Ela é fora de série!

Afirma o mesmo, encantado.

─ O folclore brasileiro

Estaria desfalcado

Sem o belo romanceio

De Militana. E anseio

Que valor lhe seja dado.

 

Alguns romances vieram,

Na era medieval,

Da Espanha. Não existem

Aqui nem em Portugal.

Seu pai, na roça, cantava

E ela, atrás, escutava,

No meio do algodoal.

 

Assim, decorou romances

De vinganças e de amor;

De príncipes, reis e princesas,

Duques, plebeias; de horror;

Num formato original,

Ou quase, do medieval,

Num canto e quase louvor.

 

Também cantava modinhas,

Coco, xácaras e moirão;

Toadas-de-boi, aboios,

Fandango... E o coração

De quem lhe ouvia o cantar

Lhe seguia a batucar

Transbordando de emoção.

 

Numa forma diferente

De contar velhas histórias,

Militana ia cantando

Suas antigas memórias

Que herdou do seu velho pai

E que de herança lhe cai.

A ela, glórias e glórias!

 

─ Ela equivale a um elo

Perdido que se encontrou

Com a Europa das cruzadas.

Foi Tarik quem falou.

Uma fonte elementar

Da cultura popular

Que alguém, um dia, abordou

 

Ela fez um especial

Com artistas nacionais:

Lázaro Ramos e Elba

Ramalho. Mas desiguais

Injustos, os tratamentos.

Inclusive, os pagamentos

Não os recebeu jamais.

 

Em um, nove, nove dois

Foi destaque nacional,

Com o CD triplo “Cantares”

Representando Natal

Em um projeto altaneiro.

São Paulo e Rio de Janeiro

Notam o seu cabedal.

 

Ao ser lançado o CD

Luxuoso e requintado,

Contracenou com Antônio

Da Nóbrega, considerado

Um Bardo da poesia

Nordestina. Uma iguaria

Do Medieval herdado.

 

Teve apoio da Fundação  

Cultural Hélio Galvão

Tendo Candinha Bezerra

Em parceria, se vão

Com ela ao Rio e São Paulo, 

Igualmente ao jovem Saulo

Viram somente ilusão.

 

Em um, nove, nove, oito

No “Festejando Cascudo”

Em São Paulo estava ela

Participando de tudo;

Já no Alberto Maranhão

Com mais participação

E mais e mais conteúdo.

 

O Elomar - em Vitória

Da Conquista, na Bahia,

Inspirado em Militana

Aos seus cantares se alia

A África, a Europa e o Nordeste

Do Brasil junta e reveste

Com o novo som que cria.

 

Músico exótico e criativo,

No cantar de Militana

Inspira-se pra criar

A sua música baiana.

De Vitória da Conquista

É Elomar, grande artista

Que ao Rio Grande se irmana.

 

Dona Militana encanta

Ao velho, ao jovem, à criança.

Quem a escuta cantando

Dos seus cantares não cansa.

São narrações de encantados,

De príncipes, de reinados

Que o medieval alcança.

 

Repertório variado

Sua cuca carregava

Como um belo arquivo vivo

Que, com saber, delegava

Mostrando aos estudiosos

E também aos curiosos.

Seus saberes não negava.

 

Na sua simplicidade,

A fama não lhe subiu

À cabeça. Na verdade,

“Se foi famosa, não viu”!

Meu canto me dá prazer!

Dizia, a nos fornecer

O que do seu pai ouviu.

 

Alexandro Gurgel

O Jornalista, dizia

No ano dois mil e quatro:

O povo bem que devia

Unir-se para cobrar,

Pra Militana o lugar

Que ela bem merecia.

 

Cada crítico e jornalista,

Dos melhores que havia,

Renderam-se aos encantos

Dessa artista que dizia

Que se sentia esquecida

Por quem lhe prometeu vida

Melhor, e nada fazia.

 

Já em idade avançada

E com crises de pressão

Certo dia Militana,

Abrindo o seu coração,

Mostrou-se, visivelmente,

Desgostosa, descontente,

Cortando a voz de emoção.

 

Numa visita de alunos

Da UFRN, falou,

De uma forma ressentida

Que o que alguém comentou

Sobre projetos firmados

Em casa e noutros estados,

Pouco pra ela sobrou.   

 

Maria José do Oiteiro

Como era conhecida

Tinha um acervo cultural

Do Medieval trazida.

O que deixou deve estar

Pra cultura popular

Como o ouro pra jazida.

 

A nossa dama se foi

Mas não será esquecida.

As suas canções gravadas

Nos alegrarão a vida

E as dos nossos descendentes

Se eles forem conscientes

Do quanto ela é merecida.

 

E é vendo a necessidade

De mostrá-la para o mundo

Que, convidada a um trabalho,

Não hesitei um segundo:

O mundo vai conhecê-la,

Em versos vou descrevê-la,

Com meu carinho profundo.

 

Espero que o “Grande Deus

Da Cultura” possa ver

O que foi escrito aqui

E busque mais conhecer

Das sabenças potiguares.

E Posseidon, deus dos mares,

Clareie o nosso entender.

 

Para Dona Militana

Mando a minha saudação,

Lá onde está, junto ao Pai,

Em permanente oração.

Cancioneira potiguar,

Quem teu trabalho adentrar

Sentirá veneração.

 

 

 

 

segunda versão, após sua partida.

Natal/RN – janeiro de 2020.