A VOZ DO MANDACARU - LÉO POETA
A VOZ DO MANDACARÚ
O Cereus Jamacaru
É meu nome de batismo,
Mandacaru apelido
Sem ofensa e sem racismo.
Sou folclore e imaginário
Um personagem lendário,
Talvez, me falte gracejo.
Mas, eu integro a cultura,
Representando a bravura
Do meu povo sertanejo.
Na caatinga fustigante
Eu domino essa paisagem,
Quando o sol consome o verde
Eu pareço uma miragem.
E da seca esturricante
Eu sou o verso ficante
Do poema do verão,
Sou o verdume que sobra
Desta exuberante obra
Denominada sertão.
Talvez não me vejas forte,
Muito embora podereis.
Mas, porém eu faço parte
Das obras de nossos reis,
Do senhor da criação
E nosso rei do baião
Que me cantou lindamente,
Dando valor ao meu nome
Na esperança que a fome
Jamais se faça presente.
Sou da idade do tempo,
Quem tem a vegetação,
Só quem sabe meus segredos
Vê a minha floração
Que se entrega para lua
Bem despida, toda nua,
Logo depois do poente
E como quem marcou hora,
Ao ver o romper da aurora
Esconde-se do sol quente.
Sou esperança guardada,
Quase que despercebida,
Quando é longa a estiagem
Minha seiva salva a vida.
Nas curas artesanais
Curo problemas renais,
Bronquite e até lundu.
Gralha Cancã faz morada,
Nunca reclamou de nada
Na tez do mandacaru.
Sou a estrela que brilha
Depois da seca feroz,
Quando o verão se prolonga
Supero até o aveloz.
Sou camelo enraizado,
Rei do solo castigado
Pela força da quentura.
Sou personagem de verso
Comigo não tem regresso,
Faço parte da cultura.
Quando a seca devorante
Deixa no solo a poeira,
Eu sou mestre da caatinga,
Sobram eu e a catingueira;
Quando o vigor esmorece,
O meu verde prevalece
Feito um recado divino.
Seja no agreste ou sertão,
Eis que sou a salvação
Para o povo nordestino.
Quando a pastagem acaba
Eu mato a fome do gado,
Queimam o espinho no fogo
Após cortar de machado.
A minha flor escondida
É esperança de vida
Que dá fruto majestoso,
Com potência e proteína,
Ajudando a medicina
Num auxílio vigoroso.
Eu sou igualzinho a fé
Que o sertanejo sustenta,
Supero adversidade
Não há seca nem tormenta
Capaz de me derrotar,
Mesmo depois de queimar
Me cortando na raiz;
Se o tempo vai melhorando
Eu me refaço brotando
Pondo pra fora o nariz.
Eu já servi de agulha,
Furei cabeça de prego,
Já machuquei inocente,
Isso é verdade, eu não nego,
Porém, lhe digo em defesa,
Que é da minha natureza
Ter um espinho gigante
Servindo de armadura
Compondo minha estrutura
E me tornando elegante.
Ajudo a recuperar
Nosso solo degradado,
Servindo até como cerca
Para separar o gado.
Alimento os animais
Retenho sais minerais
Fruto da captação;
Meu líquido acumulado
Ficando em mim bem guardado
Não sofre evaporação.
Minha cútis é tão grossa
Que me deixa protegido,
Sobrevivo a longas secas
Neste solo ressequido.
Sou símbolo absoluto
O melhor substituto
Depois que a pastagem morre
Sou igual ao nordestino
Que encara o seu destino,
De meu verde se socorre.