Nossa história
Dona Rosa e Chicola
Deram seu depoimento
Do Quilombo Livramento
Achei bonita a história
Para não sair da memória
Aqui vou compartilhar
Se o seguidor apreciar
É só curtir e se inscrever
Para nosso côco não morrer
Nem nossa cultura acabar.
Naquela época de breu
Chicola e Rosa relatam
Ninguém tinha ouro ou prata
Vivia das graças de Deus
Para sustentar os seus
Saiam pra trabalhar
Antes do sol despontar
E voltava ao anoitecer
Para o coco não morrer
E o Livramento acabar.
Umas casinhas de pedra
Agave na comueira
Desce e sobe ladeira
Meiota numa bodega
Uma dança sem esfrega
Pelo povo do lugar
Até o piso afundar
Ou a gente esmorecer
Para o coco não morrer
E o Livramento acabar
Silin e samba na roda
Chapéu e uma alpargata
Mistura negro e mulata
Veste a chita como moda
O cinto era uma corda
Pra calça não arriar
A saia no calcanhar
Apertada ou godê
Para o coco não morrer
E o Livramento acabar
As meninas, um encanto!
Pegando água na lagoa
Usam lenço por coroa
Esbanjam um sorriso santo
As pequenas com espanto
Correm pro colo mamar
Se apregam até secar
E por lá se proteger
Para o coco não morrer
E o Livramento acabar
Trabalhando de sol à sol
Homem, menino e mulher
Alguns catando café
Num saco feito um aió
O balaio de cipó
Urupemba e caçuá
Azeite pra alumiar
Em Princesa iam vender
Para o côco não morrer
E o Livramento acabar.
"Pensa que o cidadão
Recebia algum dinheiro
Trabalhava o dia inteiro
Apenas pelo quião
Meia cuia de feijão
Pra o outro dia escapar
E o almoço não faltar
Só São José a nos valer”
Para o côco não morrer
E o Livramento acabar
Fazia o angu de milho
Era esse o dicumê
Pra a gente sobreviver
E alimentar os filhos
Ninguém era andarilho
Dava para escapar
Vivia pra trabalhar
E trabalhava pra viver
Para o coco não morrer
E o Livramento acabar
O povo pegava caminho
Trabalhava em todo canto
Tataíra, Espirito Santo
Saco, Barbalho e Marinho
Saía de casa cedinho
Com Deus a abençoar
E na hora de voltar
Já ia escurecer
para o côco não morrer
E o Livramento acabar.
Uma batalha danada
Fazendo verso e mangando
Tirando reza e entoando
Cantando, dando gaitada
Eita galera animada
E o povo a espiar
Era só nós nem ligar
E o ritmo não perder
Para o côco não morrer
E o Livramento acabar.
O hino do padroeiro
Todos sabiam de cor
Afinava o gogó
Em casa ou no terreiro
São José, o carpinteiro
Vamos homenagear
A imagem entronizar
Para a reza acontecer
Para o coco não morrer
E o Livramento acabar
Sem capela pro Divino
Fazia a celebração
Lá no velho casarão
Que era de Felismino
Gente grande e menino
Com respeito iam rezar
A ladainha cantar
E a Deus agradecer
Para o côco não morrer
E o Livramento acabar
E na batalha da roça
Zé Gago mandava em tudo
Tinha voz com todo mundo
Da casa grande à palhoça
Os outros levavam coça
Para na linha andar
E quem viesse pra cá
Tinha muito que aprender
Para o coco não morrer
E o Livramento acabar.
Luís Homi juntamente
Os dois eram bem direito
O povo tinha respeito
E assim antigamente
Livramento era diferente
Com Zé Gago a comandar
Nosso querido lugar
Para a paz permanecer
E o coco não morrer
Nem o Livramento acabar
Tinha a famosa parteira
Maria Preta Deodato
Usava meizinha do mato
Pra curar de sua maneira
Passava três noites inteiras
Até a mulher descansar
Ia pra todo lugar
Para a vida acontecer
Para o coco não morrer
E o Livramento acabar
Viveu muito nesse chão
No seu ofício amado
Fazia tudo de agrado
Depois de uma oração
Atendia a região
E só Deus para pagar
O povo vinha chamar
De manhã ao entardecer
Para o côco não morrer
E o Livramento acabar.
Rezador e benzedeira
Era os doutores daqui
Do Cinzeiro ao Calugi
Curava de toda maneira
Aranha, espinhela, coceira
E mal olhado tirar
Pra o povo que precisar
Se o menino adoecer
Para o coco não morrer
E o Livramento acabar
Vento caído, sezão
Coser fratura no pé
Veneno de cobra e até
Tinha também oração
Pra Zanga e constipação
Pra barriga desinchar
E também para sarar
Se algum bicho morder
Para o côco não morrer
E o Livramento acabar.
A gente tinha uma só
Japoneza ou alpargata
Para trabalhar na Mata
Ia descalço sem dó
Só usava para forró
Ou ir à missa rezar
Se acaso alguém mangar
A gente não queria saber
Para o côco não morrer
E o Livramento acabar.
O povo ia pra a cidade
Com o calçado na mão
E a lapa era no chão
Naquela simplicidade
Era nossa realidade
Só Deus para ajudar
E os pés a calejar
Era assim nosso viver
Para o coco não morrer
E o Livramento acabar.
Aqui o de mais sagrado
Era nas festas de março
O povo apressava o passo
Para não chegar atrasado
Vinha gente de todo lado
Conosco a festejar
E os nove dias rezar
Dançar côco e beber
Para o côco não morrer
E o Livramento acabar.
A festa era uma beleza
Juntava aquela queira
Dos Patos, subiam a ladeira
De Triunfo e de Princesa
Todos tinha uma certeza
Nossos dons prestigiar
A tradição do lugar
Era linda de se ver
Para o côco não morrer
E o Livramento acabar.
Gente a cavalo e a pé
Para ver a cutilada
Que também era chamada
De grupo “isquenta muié”
Pífano, zabumba e até
Sanfona pra animar
Triângulo não podia faltar
Para o ofício acontecer
E o côco não morrer
E o Lvramento acabar.
Os moradores dançando
Debaixo de uma latada
Naquela farra danada
E seu Zé Gago animando
A noite toda tocando
Sanfona, zabumba e ganzá
A ordem era parar
Somente no amanhecer
Para o coco não morrer
E o Livramento acabar
Nos dias de pisar côco
De roda e umbigada
Os homens na embolada
Cantava de ficar rouco
Zé Bolinha dançava côco
E Zé de Rosa Marçá
Birô e seu Zé Piá
Batiam o pé pra valer
Para o côco não morrer
E o Livramento acabar.
Quinzinho com sua amada
Chicola, a cantadeira
Pisavam a noite inteira
Com as outras camaradas
Todos na mesma pisada
Até o chão se rachar
O murrão a alumiar
Naquele escurecer
Para o coco não morrer
E o Livramento acabar
Tudo era animação
Pra gente quebrar o côco
Seja pra fazer reboco
Ou para apilar o chão
De casinhas feito então
Das pedra daqui do lugar
Uma bicada tomar
Pra gente se aquecer
Para o coco não morrer
E o Livramento acabar.
Uma pinga pra dormir
Raizada pra dor de dente
O inverno vinha em frente
Uma dose pra se cobrir
Pra gente não passar fri
Bebia pra esquentar
Mais uma pra se deitar
Velar morto, se entreter
Para o coco não morrer
Nem o Livramento acabar.
Aqui de tudo se via
Hoje só resta saudade
Com essa modernidade
Queremos que hoje em dia
Conheçam a alegria
Da cultura do lugar
E o povo conscientizar
Pra a história não se perder
E o coco não morrer
Nem Livramento acabar.
A tradição resgatada
Na associação e escola
Lúcia e Paula de Chicola
Tiveram essa empreitada
Trazendo para a criançada
A cultura valorizar
Ao Brasil compartilhar
Ensinar e aprender
Para a história não morrer
Nem o Côco acabar.
Essa história recomeço
E trago aqui para vocês
Pois desde dois mil e três
Transformo tudo em verso
Quem leu até aqui - peço
Queira também divulgar
Para meu trabalho mostrar
E esse povo conhecer
Para o côco não morrer
Nem nossa cultura acabar.