RESPOSTA A BENTO LUÍS

Na minha pequenina cidade, Pacoti, no interior do Ceará, tem um senhor de mais de oitenta anos -Bento Luís de Brito, pouco letrado, mas de uma capacidade enorme de fazer cordel. Seus versos são corrigidos por filhos ou netos, o que não lhe tira o enorme talento criativo na arte do cordel.

Faço questão de mencionar isso, para mostrar a capacidade dele e de outros poetas, que fazem cordel, cuja métrica e ritmo são determinados de ouvido, pois desconhecem completamente a técnica literária, e a própria gramática, ou seja, acentuam as sílabas pelo ritmo. Numa décima, por exemplo, cordel de dez versos, a acentuação gramatical fica mais ou menos assim:

MARACÁ, MACARÁ, MARACATU, isto é, a síbala forte fica na terceira, sexta e décima e a métrica, as dez sílabas poéticas, e feita também de ouvido, pois não conhece nem a separação silábica do verso de acordo com a técnica.

Portanto, aqui faço-lhe uma pequena homenagem, publicando os versos dele, que são os primeiros de cada estoque, onde ele me provoca, sendo os nove restantes de cada estoque de minha autoria respondendo-o.

Obrigado Henrique camarada

mas não sei se tu já também soubeste

depois de uma pisa que me deste

Passei a ser uma pessoa mais amada

Pois antes pensava ser afamada

E tratava mal qualquer cidadão

Destratava o amigo e o irmão

Reconheço hoje o meu lugar

Com você aprendi e vou ensinar

E agora realmente sou cristão.

Ta na hora do jeito que eu queria

E o povo reconhece fraqueza

desse poeta que vai pra profundeza

não tem choro e nem tem Ave Maria

vai ser grande mesmo sua agonia

só vou ter pena de seus familiares

que vão chorar por todos lugares

essa queda do seu Bento querido,

que se achou mesmo muito sabido.

Falou mal de mim sem ligar pra azares.

Eu dou choque e tu sofre uma agonia

Pra ver teu fim na poesia popular,

e de mim nunca vai vim a falar.

Isso seria uma grande covardia

como poeta não tem qualquer serventia.

É melhor não cantar neste terreiro,

e voltar para ser mesmo barbeiro,

porque nunca foi mesmo cordelista,

ainda pensa que é um repentista.

Bater mais não vou. Sou um cavalheiro.

Passa um ano dormindo sem ver nada

depois que de mim muito apanhar,

e pra não mais falar vou arrancar

tua língua e jogar lá na quebrada

para se lembrar deste camarada,

não tem nunca medo de cara feia,

e tem muito sangue correndo na veia,

que no cordel é um grande artista

de qualquer um arranca a sua crista.

Se brincar eu lhe meto na cadeia.

Não me assusta fazendo esta zoada

que espalha pelas ruas da cidade.

Mas, eu não respeito nem sua idade.

E vou lhe cobrir de muita pancada,

e é agora nesta minha toada.

E não vai nunca mais fazer cordel,

se meter com este bom menestrel.

Depois da pisa mando pro espaço,

bem picado e feito um chumaço,

enrolado num maço de papel.

No debate, se você for capaz,

eu até vou lhe dar mais uma chance:

se prepare, aprenda e descanse,

por que esta é última, não tem mais.

Mas você terá que ser bom rapaz.

E de mim não andar falando mau

porque se souber vou meter-lhe pau.

Desta vez não terei nenhuma pena,

porque sua língua é que lhe envenena.

E aí você não volta ao normal.

Que o doido rodando bebendo gás,

tem que ir direto pro sanatório.

Se morrer não passa no purgatório.

Vai a alma direto pro satanás.

Até que isso muito me satisfaz,

porque o sujeito ruim da sua laia,

e que vive mesmo na gandaia,

e parente do Raimundo Ribeiro

não vai cantar de galo no terreiro.

Se brincar, faço você vestir saia.

Pois aqui eu acabo a sua fama,

porque sou eu o dono do pedaço,

e um poeta como você eu traço,

perde tudo que tem.Fica na lama.

Vai embora e deixa até quem ama.

Ou lá no meio da rua falando só.

Abestado parecendo um bocó.

Fica sem saber até de onde vem,

vai perder ainda a freguesia também.

Se comer merda diz é pão-de-ló

Come barro misturado com lama,

e acha que é doce de banana

que está gostoso como mel da cana.

Mete medo até em quem o ama.

Não vai saber nem se deitar na cama.

Porque vai ficar mesmo abirobado

Tal e qual o vizinho do seu lado,

um que comia até sapo e barata,

certa vez comeu mesmo uma gata.

Disso tudo eu sei que está lembrado.

E o que é que me falta fazer mais?

Expulsar você rápido daqui

Pra bem longe, lá pro Paramoti.

Pra cidade é um bem que se faz

para esta geração e as demais.

Para nunca mais se meter comigo,

e ficar pensando sair sem castigo.

Porque foi grande seu atrevimento

de falar mal de mim todo momento.

Você achou um grande inimigo.

Henrique não acredita em mim,

e diz que sou um cara mentiroso,

porque no cordel não sou talentoso.

Escrevo mesmo pouco e muito ruim,

que não viu cordel tão fraco assim,

tem mais é que deixar a profissão

não ficar perturbando um cidadão

que comigo ele nunca mesmo se meteu

muito menos ainda ele aprendeu.

Além de mentiroso um falastrão.

Que levei a serra pro sertão

Como se acreditar nessa história?

Ele está é querendo mesmo glória!

E não levou uma serra de mão,

tudo não passa de pabulação.

Ele nunca saiu nem do Alto do Bode,

e o povo leva ele a pagode.

Tudo que diz é só grande mentira,

e despertou até mesmo minha ira.

Eu espero que não me incomode.

Com farinha arroz e macarrão

vou comer um saboroso churrasco

depois disso eu vou mesmo e te lasco.

Vou te dar surra pra cair no chão

no cordel não tem qualquer condição,

de enfrentar esse grande menestrel,

que de ti vai fazer sarapatel.

Cordelista que faz mesmo alarde,

tanto apanha que o couro arde.

Para se livrar da dor, passe mel.

E levando um pedaço de toucinho,

eu fiz um bom e gostoso torresmo

que te dei pra matar tua fome mesmo,

porque quero te matar bem gordinho

vou fazer, porém, bem devagarinho.

Eu não tenho pena de um sujeito

que me faltou muito com o respeito.

A inveja é seu maior problema,

vive mesmo armando um esquema

pra ver se um dia me pega de jeito.

O Henrique agora leva fim.

Isso um dia vai até acontecer.

Você morre antes, não vai saber,

porque como poeta é muito ruim.

E não é mesmo páreo para mim.

Você não é páreo nem pra o Batista,

que lhe deu uma pisa, arrancou a crista.

É melhor fechar essa sua matraca,

porque quanto mais você me ataca,

mais eu cresço. Sou um grande artista.

Para viver ele não é capaz

de mentir e de inventar história.

Vou mandar cordel com dedicatória,

a contar tudo que fiz e não faz,

nem que peça ajuda ao Satanás.

Pois precisa de dom, criatividade,

e também ter lá boa capacidade,

não ficar a dizer tanta besteira,

depois sair com vergonha, na carreira.

E pra isso você não tem idade.

Se fugir eu mesmo vou atrás,

mesmo que se esconda lá pelas Pombas

vou jogar lá em você muitas bombas,

‘té pedir perdão, dizendo, rapaz:

eu prometo aqui não volto mais.

Porque tudo que fiz foi brincadeira,

e agora reconheço a besteira.

Enfrentar você tem que ser do bom.

O que eu fiz mesmo foi sair do tom.

Me metendo nesta grande fogueira.

Eu pegando levo pra cadeia,

se você de novo aqui voltar,

mas antes disso vou ainda te açoitar

pra deixar de falar da vida alheia,

só quem bate sou eu, não é de meia.

Preso vai ficar o resto da vida,

pra deixar de seu uma pessoa atrevida.

Você se meteu onde não foi chamado.

Pra você deixar de ser abusado,

te mato da carne faço cozida.

Pra deixar de falar da vida alheia

vou dar em você uma grande surra,

depois de Pacoti o povo empurra.

Isso se você escapar da cadeia

de levar um grande molho de peia.

Quanto mais apanha menos aprende,

e a todos no Pacoti ainda ofende.

Deixe essa mania, isso é coisa feia.

E o que é que me falta fazer mais?

Eu somente expulsar você daqui,

o melhor que se faz por Pacoti.

Isso muito mesmo me satisfaz,

Pois você é pior que o Satanás.

Vive só mesmo pra fazer o mal.

Nunca fez o bem a um seu igual.

Não sei pra que ao mundo você veio.

Tudo que faz é ruim e muito feio.

Acho que você é um anormal.

Mas agora só pra finalizar,

todos os seus versos foram glosados.

Isto é, todos foram respostados.

No cordel estou para ensinar,

Aqui e em qualquer outro lugar.

Se você quiser ser meu aprendiz

É só ler todos os versos que fiz.

Talvez nos próximos duzentos anos,

e tirando todos os seus enganos,

você tenha aprendido um triz.

HENRIQUE CÉSAR PINHEIRO

MAIO/2007