Viagem de cordel
Hoje acordei cordelista,
Pus cedinho a mão na pena,
Fiz uma reza pequena,
Passei o céu em revista,
Sobiei pro taxista,
Motorista inda novato,
Um piauiense nato
Que faz ponto na esquina,
E saí de Teresina,
Pra São Raimundo Nonato.
Levei um frango e um pato,
Tijolo de rapadura,
Manga rosa, já madura,
Pasta de dente e sapato,
Um poema de Torquato
E um tango de Gardel,
Uns versinhos de cordel
Que fiz ainda menino,
Um cachorro e um felino,
Farinha d'água e pastel.
Levei cachaça a granel,
Torresmo, carne de sol,
Linha de pesca e anzol,
Duas garrafas de mel.
Não esqueci do pincel,
Pois sou metido a pintor,
E levo, pra onde for,
Tela de quadro e moldura,
Lanterna, pra noite escura,
E o diploma de doutor.
Peço perdão ao leitor,
Se é que alguém me leu!
É que furou o pneu,
Também fundiu o motor.
Bem antes do sol se pôr,
Arriou a bateria,
Da lustrosa lataria,
No início da viagem.
Não sei se por sacanagem,
Ou por pura ironia.
A viagem, quem diria,
Nunca saiu do papel,
Deste pobre menestrel
Que, além da pescaria,
Queimou a fotografia...
O motorista sumiu!
Ninguém sabe, ninguém viu,
Onde anda o taxista,
Mas no meu ponto de vista,
Foi-se à puta-que-pariu.