Viagem de cordel

Hoje acordei cordelista,

Pus cedinho a mão na pena,

Fiz uma reza pequena,

Passei o céu em revista,

Sobiei pro taxista,

Motorista inda novato,

Um piauiense nato

Que faz ponto na esquina,

E saí de Teresina,

Pra São Raimundo Nonato.

 

Levei um frango e um pato,

Tijolo de rapadura,

Manga rosa, já madura,

Pasta de dente e sapato,

Um poema de Torquato

E um tango de Gardel,

Uns versinhos de cordel

Que fiz ainda menino,

Um cachorro e um felino,

Farinha d'água e pastel.

 

Levei cachaça a granel,

Torresmo, carne de sol,

Linha de pesca e anzol,

Duas garrafas de mel.

Não esqueci do pincel,

Pois sou metido a pintor,

E levo, pra onde for,

Tela de quadro e moldura,

Lanterna, pra noite escura,

E o diploma de doutor.

 

Peço perdão ao leitor,

Se é que alguém me leu!

É que furou o pneu,

Também fundiu o motor.

Bem antes do sol se pôr,

Arriou a bateria,

Da lustrosa lataria,

No início da viagem.

Não sei se por sacanagem,

Ou por pura ironia.

 

A viagem, quem diria,

Nunca saiu do papel,

Deste pobre menestrel

Que, além da pescaria,

Queimou a fotografia...

O motorista sumiu!

Ninguém sabe, ninguém viu,

Onde anda o taxista,

Mas no meu ponto de vista,

Foi-se à puta-que-pariu.

Herculano Alencar
Enviado por Herculano Alencar em 05/03/2022
Reeditado em 19/11/2024
Código do texto: T7465791
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