BELCHIOR - O ARTISTA E SEU TEMPO
Talento descomunal
E esmero de esteta
No processo criativo
Da limpa obra seleta,
Denotam que Belchior
Foi muito mais que um cantor,
Um menestrel, um poeta!...
O artista sobralense
Viera ao mundo inspirado,
Vestiu cada melodia
Com poema rebuscado.
Compôs, tocou, cantou bem,
Claras virtudes de quem
Nasce plurifacetado.
Conhecia do repente
O teor e a magia.
De suas composições
Emerge filosofia
Dando glamour e suporte,
E um leve e sutil aporte
Dos lírios da cantoria.
Debulhou ainda jovem
A espiga do repente,
Rasgando versos na feira,
Com arrojo pertinente.
O que sorveu nessa fase,
Servira-lhe como base
Para o letrista eloquente.
Criativo e espontâneo,
Muito tenaz desde broto,
Estudou música coral
E piano inda garoto.
Teve por estrela-guia:
Nora Ney, Ângela Maria
E o astro Cauby Peixoto.
No labirinto das artes
Caminhara entusiástico,
Plasmando com simetria
O seu trabalho fantástico,
Pois além de trovador,
O eclético Belchior
Fizera-se artista plástico.
Tinha elegância de príncipe,
Postura de um espartano,
Simplicidade de um monge,
Lapidadas, ano a ano.
Ilustram o seu boletim,
O italiano, o latim
E canto gregoriano.
Profundo conhecedor
Da cultura nordestina,
Obtivera em escola
De padres, mais disciplina.
Pisou em flor e espinho,
Foi professor de cursinho
E aluno de medicina.
Curso dos mais disputados
De nível superior,
Medicina dá status
E money, mas Belchior
No quarto ano declina
Da lide da medicina
Para o sonho de cantor.
Abandona a faculdade
E caminha ao Deus-dará,
Junta-se a outros jovens
Músicos que havia cá,
Todos de muito talento,
Donde aflora o movimento
Pessoal do Ceará.
Mudou-se então para o Rio
Buscando um futuro belo,
Caminhando com a sorte,
Quase em frequente duelo;
Com talento e voz de aboio,
Teve o necessário apoio
Do parceiro Jorge Mello.
Em setenta e um, traçando
Da obra prima o esboço,
Uma injeção de alento
Provocara-lhe alvoroço,
Quando vence um festival
De nível nacional,
A canção Hora do Almoço.
Ao ganhar o festival,
Com o êxito faz um pacto,
E a carreira ainda tímida,
tem seu primeiro impacto.
Com a canção que ganhou,
Como cantor estreou
Na gravação de um compacto.
Ainda em setenta um
Outra vitória viria,
Um festival em Brasília
Fagner arrebataria,
Com Mucuripe, um primor!
A letra de Belchior,
De Fagner a melodia.
No ano setenta e dois
A sorte se descortina
Evidenciando que
O sucesso é sua sina,
Mucuripe foi gravada
Na voz doce e afinada
Da cantora Elis Regina.
Mudou-se para São Paulo
Com a obra vigorosa,
Diamantes extraídos
Da mente prodigiosa.
Adentra a MPB
Com o primeiro LP
Nominado MOTE E GLOSA.
Em setenta e cinco, Elis
Grava Como nossos pais,
Velha roupa colorida,
E impulsiona mais
O grande compositor,
Que também como cantor
Consta entre os maiorais.
Gravara em setenta e seis
A essência verdadeira
Das criações modeladas
Em sua obra altaneira.
O disco ALUCINAÇÃO,
Dera maior projeção
Ao astro em sua carreira.
Compôs canções para alguns
Filmes de curta metragem.
O disco Alucinação
provocou a decolagem.
O sucesso se repete
No ano setenta e sete,
Com o CORAÇÃO SELVAGEM.
Em ERA UMA VEZ UM HOMEM
E SEU TEMPO. Magistral!
Contém Medo de Avião,
Retórica Sentimental,
Tudo outra vez, e ainda
Brasileiramente linda,
Voz da América, Espacial...
Comentário a respeito
De John, está no roteiro,
Medo de avião II,
Da qual Gil é o parceiro;
Outra canção, com alinho,
Construída com Toquinho:
Meu cordial brasileiro.
Álbuns consistentes deram
À obra mais espessura,
UM CONCERTO A PALO SECO,
ELOGIO DA LOUCURA,
Uns melhores, nenhum rústico,
Refinado, ao vivo, acústico,
Todos têm grande leitura!
CENAS DO PRÓXIMO CAPÍTULO,
BAIHUNO, VÍCIO ELEGANTE,
Tem, OBJETO DIRETO,
Conteúdo fascinante.
Todo sujo de batom
Deu em MELODRAMA o tom.
Nenhuma desimportante!
Álbum UM CONCERTO BÁRBARO
Acústico, contendo mais
Hits de sua carreira:
Galos, noites e quintais,
Divina comédia humana,
Tudo outra vez, que bacana!
Linda Os profissionais!
Vários álbuns de sucesso...
Alguns, pouco conhecidos...
Mas todos com melodias
E textos bem construídos.
Canções com mais aparato
Estão em AUTORRETRATO
E em TODOS OS SENTIDOS.
Em seu traço a poesia
Era franca e espontânea,
Não compôs, em seu trajeto,
Uma peça momentânea.
Pinçada com graça e lógica,
De sua obra antológica
Saiu muita coletânea.
De sua lavra com Jorge
Mello, uma está marcada,
É justamente Notícia
De terra civilizada.
Tem outras composições,
Dos dois noutras estações
Da profícua caminhada.
Cristais brotados da verve
De Toquinho e Belchior:
Signo Estrelado, Copla
Do Cavalo Morsamor,
Alegoria das aves
E outras canções suaves
Tecidas com esplendor.
Inda compôs com Toquinho
E nos deixou de herança,
A Salmo 78
E Os doze pares de França.
Agradável melodia
E o favo da poesia
Estão na nossa lembrança.
Produzira em vários gêneros
Com grande e forte expressão,
MPB, country rock,
Folk rock, blues, baião...
Em toda canção fazia
Enxerto de poesia
Para dar mais emoção.
Nos textos reflexivos
A constante identidade,
Sinal característico
De sua autenticidade.
Na construção dialética
Fez uma obra profética
De perenal validade.
Ao por do sol da jornada,
Novo projeto esquadrinha:
PESSOAL DO CEARÁ,
E determinado alinha
Um álbum bonito e bom,
Belchior cantando com
Ednardo e Amelinha.
Enamorado das letras,
Compunha com fluidez
Em português e, também,
Introduzia o francês
Em suas canções, enfim,
O espanhol, o latim,
Italiano e inglês.
Notável, mas acessível,
Despojado e fraternal.
Um artista cearense
Que se fez universal.
Sua obra necessária
Já se faz cinquentenária,
Mas continua atual.
Expressou em suas músicas
Questões existenciais,
Os versos muito inspirados
Brilham como nossos pais,
Também atestam seu dom,
Todo sujo de batom,
Galos, noites e quintais...
Pequeno mapa do tempo
Serviu para orientar
De que lado nasce o sol
No Mucuripe a brilhar.
Com canções à mulher brinda:
Brasileiramente linda,
Princesa do meu lugar.
Com o coração selvagem
E o medo de avião,
Meu cordial brasileiro
Tomou outra direção.
E o sujeito de sorte
Perdera o medo da morte
Em sua alucinação.
Quis e fez tudo outra vez
Nos descaminhos da vida,
Até desbotar a sua
Velha roupa colorida;
E em estradas Paralelas,
Fez canções e pintou telas,
Deixando a missão cumprida.