O TUMULTUADO ROMANCE DE JUVINA E DAGOBERTO
Toda criação vem com seus encargos
Os escritores escrevem os causos
Intérpretes incorporam aplausos
Vocábulos tantos deles, amargos
Ficam descontentes pelos embargos
Desta colocação vou me safar
Romanceiro nato venha tocar
Neste som de matéria tão pretensa
Quando sofrido coração não pensa
Tem problema por não saber amar.
Os personagens enfrentam atritos
Descumprindo destinos e dilemas
Trocam farpas e vitimam sistemas
Alguns complexos pra serem escritos
Na tábua dos meus versos favoritos
O Cordel Brasileiro vai mostrar
Tumultuada paixão popular
Sinceras estrofes na diferença
Quando sofrido coração não pensa
Tem problema por não saber amar.
Naquele lindo sertão paraibano
O cabra violeiro Dagoberto
Vendo sua lamparina mais perto
Tenta padecer do seu desengano
Em pleno momento não soberano
Revendo serras nem ousa passar
Faz reflexão buscando se chegar
Amou Juvina sem ter recompensa
Quando sofrido coração não pensa
Tem problema por não saber amar.
No viver famigerado das manhas
Vence quem determina ser astuto
Que bravamente tem sangue matuto
Nas gaitadas suaves das entranhas
Falta-lhes respeito nestas façanhas
Um cidadão se ver num amargar
O silêncio de quem quer enxergar
É fogo pungente que traz querença
Quando sofrido coração não pensa
Tem problema por não saber amar.
Na madeira rachada duma cama
Tem insônia nesta fiel cretina
Causado pela pessoa Juvina
Que lhe deixou plantado numa lama
Aquela que se transformou vil dama
Porém, não consegue se conformar
Um bobo só tem prazo pra chorar
Ilusões que não se juntam sabença
Quando sofrido coração não pensa
Tem problema por não saber amar.
Acordou cansado quase sem gosto
Com trovões e chuva por todo pasto
Fartura na mesa vai ter pro gasto
Faz seu café e ver chegar agosto
Bebe no pote matando desgosto
Para ninguém ver o ódio plantar
Calado, sem força pra caminhar
Pediu para Deus uma licença
Quando sofrido coração não pensa
Tem problema por não saber amar.
Como canário que não tem alpiste
O moço fraco se tornou gaiola
Dedilhando sua bela viola
Quem tentou fugir na frente desiste
Da confusão que terrível insiste
Para nunca permitir se calar
Nem mesmo falando pode zombar
É se cuidar na convalescença
Quando sofrido coração não pensa
Tem problema por não saber amar.
Velhos morrendo no clamor da peste
Dagoberto no remédio do mato
Sobreviver é fisgar como gato
Pra ter simpatia com Mãe Celeste
Curandeira lá do gentil agreste
Nas vaidades negaram conectar
Tantas falas quiseram deletar
Isto é a pureza da nascença
Quando sofrido coração não pensa
Tem problema por não saber amar.
Juvina foi certamente guerreira
Que perambulou como sertaneja
Por vezes sem ter tudo que deseja
Tratando conversação verdadeira
Bom que se diga que não deu bobeira
Nas angústias da seca lamentar
Indo tantos, outros querem largar
A peleja é a mesma que prensa
Quando sofrido coração não pensa
Tem problema por não saber amar.
Olhando para casa que nasceu
O cheiro de bode brotou saudade
Esperou voltar pra sua metade
Só que seu possível amor morreu
Ela ver que quase tudo perdeu
É religiosa, vai ter que rezar
Sozinha nas igrejas a penar
Real finalidade da sentença
Quando sofrido coração não pensa
Tem problema por não saber amar.
Nas pregações padres tendem dizer
Algo que permanece na memória
Os ingênuos levam na trajetória
Fazem tanta gente reconhecer
Toda citação tem um perecer:
- Deixem o raio solar penetrar
No juízo de quem só faz louvar
Para não tolerar mais a descrença!
Quando sofrido coração não pensa
Tem problema por não saber amar.
Juvina é de papai moribundo
No platônico planejou seus sonhos
Botou pra cima desejos medonhos
Se dizendo ter aflições no mundo
Para não perceber temor profundo
Pratica não querer mais planejar
Enfraquecendo seu modo falar
Despedaçando vida bem intensa
Quando sofrido coração não pensa
Tem problema por não saber amar.
Sem ter noção daquilo que passava
Dagoberto sem fé, fora de trilho
Esquenta vontade de ter seu brilho
Pela moça que nem pestanejava
Olha pro tempo que não contemplava
Enquanto Juvina neste lugar
Seu retorno é para provocar
Causando paixões e também ofensa
Quando sofrido coração não pensa
Tem problema por não saber amar.
Beleza de quadril com estrutura
Cantada pelos nobres passarinhos
Guardava segredos dos seus carinhos
Portanto, se propõe fazer loucura
Não como fez Dagoberto Ventura
Que foi pros penhascos pra se jogar
Diante dos riscos, nem quis pular
Feito tragédia que se faz extensa
Quando sofrido coração não pensa
Tem problema por não saber amar.
Possuindo virtudes sedutora
Que só lhe prometeram alegria
Num recanto da sala ficaria
Agarrada na porta benfeitora
Afirmando de forma duradoura:
- Homens são péssimos no disfarçar
Se distanciam em vez de lutar
Como manchetes de qualquer imprensa!
Quando sofrido coração não pensa
Tem problema por não saber amar.
A jovem pagou sem ser prepotente
Não pretendia dar satisfação
Preferia botar nó na razão
Foi de vento sutil, intransigente
No seu riso perspicaz ascendente
Tinha medo para não desabar
Seus modos bons faziam estranhar
Trazendo casual onipresença
Quando sofrido coração não pensa
Tem problema por não saber amar.
Do desespero se faz a tristeza
Quanto mais triste for vem sofrimento
São torpedos dos gritos de lamento
Atirados nos mares da certeza
Dos restantes gravetos da defesa
Não deixaram Dagoberto lembrar
De mais nada que se faça gostar
Levou vantagem o Mané Proença
Quando sofrido coração não pensa
Tem problema por não saber amar.
Juvina lhe convém ser mais esperta
Flerta com Mané pra se divertir
Dagoberto quis apenas sumir
Na modesta realidade certa
Soletrando letra que é incerta
A coragem braba quis inflamar
Era macho, nem podia negar
Não toparia nenhuma dispensa
Quando sofrido coração não pensa
Tem problema por não saber amar.
Diante da frágil insensatez
Juvina com este tal infeliz
Deram a pele pela cicatriz
Pisando bem fundo sem altivez
Perdendo de vez toda timidez
Desta gente que falha sem tramar
Não se compara, nem vai se topar
Seja neste torrão, como Florença
Quando sofrido coração não pensa
Tem problema por não saber amar.
As idades de faixas inconstantes
Andam sem construírem magnitudes
O Dagoberto não tem atitudes
Destas que discordam do ser amantes
Esquecer é caminho dos distantes
Tem seu preço querer recomeçar
Nestes traços do sensibilizar
Tem a saúde letal, hipertensa
Quando sofrido coração não pensa
Tem problema por não saber amar.
No barro vermelho que moravam
Populares derrubando tribuna
Tanta quentura cedendo fortuna
Palavras más se multiplicavam
Os verbos frágeis continuavam
Aconchegos não podem explicar
Tampouco pra Terra valorizar
Comunicação condiz desavença
Quando sofrido coração não pensa
Tem problema por não saber amar.
Os desentendimentos matadouros
Na vasta natureza se constroem
Egoístas apenas se destroem
Como tirar água dos bebedouros
Dos quais surgem os terríveis tesouros
A mulher credita seu discordar
Nem sequer apostou reconquistar
Com tanto calor, há indiferença
Quando sofrido coração não pensa
Tem problema por não saber amar.
Quem se cala perde grandes amores
Ligados num cordão sem ter guarida
São compensados na tosca ferida
Terão que colher os seus dissabores
Cravada nas ciladas dos tremores
Histórias trágicas vão recontar
Quem faz conto quer sempre libertar
E deixa bela paisagem mais tensa
Quando sofrido coração não pensa
Tem problema por não saber amar.
São livres na fuga sem tentativa
Tresloucados com posturas brutais?
São disciplinadamente formais
Nas lúdicas sem ter alternativa
Construindo questões na subjetiva?
Agregados vão poder enfrentar
Processos dos atos de separar
Para resgatar a bendita bença?
Quando sofrido coração não pensa
Tem problema por não saber amar.
Liberdade como pregou Jesus
Os dois possuem e não compreendem
Outros se perderam e nem pretendem
Nesses corpos amorosos sem luz
Todos carregam a pesada cruz
Como chaga que tentaram pregar
No pé de si mesmo foi se travar
Só que manchados nada lhes compensa
Quando sofrido coração não pensa
Tem problema por não saber amar.
Em cada recinto desprotegido
Perdidos na multidão dos sermões
Devotos sublimes destes sertões
É carro de boi trotando zunido
Dagoberto geme num alarido
Fechou seus olhos para relembrar
Juvina meiga querendo beijar
Precisa de pouco que lhe convença
Quando sofrido coração não pensa
Tem problema por não saber amar.
Todas as ações serão responsáveis
Nas idas e voltas deste casal
É como se tudo fosse normal
Foram imbuídos dos intratáveis
Que sobram ilusões não mais palpáveis
Por todos sentidos vão se rasgar
Só mesmo lástima fez habitar
Fragilidade da negação densa
Quando sofrido coração não pensa
Tem problema por não saber amar.
Cada vez mais a dupla sem expor
Vai mal e no próprio passo tropeça
Ter diálogo não mais interessa
Sem escolha cada qual se calou
E fica remoendo do que ficou
As horas longas terão que lidar
Nenhum compromisso vai reclamar
Dagoberto tem a visão suspensa
Quando sofrido coração não pensa
Tem problema por não saber amar.
Ambos viviam dessas agonias
Desprezam o mormaço do sereno
Brigam por um sentimento pequeno
Mesclando diversas melancolias
Juvina no compasso das folias
Retrucou tantas vezes se casar
Dagoberto perde seu respirar
Na porteira verde de cor imensa
Quando sofrido coração não pensa
Tem problema por não saber amar.
Cristãos falantes sem dó de pecado
Vegetam em milhares de desprezo
Dois solitários na cela sem preso
Se fazem ignorantes do passado
Ostentando transmitir o recado
Dagoberto necessita cessar
Tendo que ser capaz de controlar
Porque é terminal sua doença
Quando sofrido coração não pensa
Tem problema por não saber amar.
Antes da vinda da tremenda morte
O Dagoberto recorda miragens
No leito final colhendo visagens
Juvina proclamava não ter sorte
Melhor fosse morar do lado Norte
Ciente que lá não deve gritar
Tentando é difícil escutar
Martirizada com as incelença
Quando sofrido coração não pensa
Tem problema por não saber amar.
Findamos décimas deste romance
Narrando fatos dessa falsa lenda
Os desencontros são chaves de fenda
Furando parafuso sem alcance
Dagoberto num caixão teve chance
Ouvir Juvina tão linda cantar
Homenagem justa de se prestar
Para viajar nos ares da crença
Quando sofrido coração não pensa
Tem problema por não saber amar.