SEU ZÉ CARLOS: O VIZINHO DO INTERIOR

Seu Zé Carlos foi meu vizinho

Quando eu morava no interior

Nos meus tempos de criança

Foi que conheci este senhor

Que já sendo bem velhinho

Criava muitos passarinhos

E também era caçador.

Era comum vê-lo indo pro mato

Caçar com o seu cachorro

Levando uma carabina no ombro

Usando bota e chapéu de couro

Como um cangaceiro do sertão

Seu Zé Carlos parecia lampião

Indo em busca de tesouro.

O tesouro de Seu Zé Carlos era ribaçãs

Tejus, preás e outros animais

Que ele trazia pra rua

Depois de dias nos matagais

Dentro do seu bisaco

E histórias paranormais.

Essas histórias que ele trazia

Das suas andanças pelo mato

Seu Zé Carlos nos contava

Nos deixando assustados

Ao mesmo tempo que nós

Ficávamos fascinado.

Ele contava as histórias à noite

Na calçada da sua casa

A luz da lua nos banhando

Eu e meus amigos escutava

Seus contos de mal assombro

Que causava gelo no lombo

E os pelos do corpo arrepiava.

Naqueles tempos de infância

Medo todo moleque tinha

Dum Sapirico do mato

Chamado Maria Florzinha

Que fazia os galhos de chicote

E espancava de um bote

Quem a visse sozinha.

Nós o ouvíamos narrar

Suas peripécias de caçador:

“Tava eu e o meu cachorro

Quando umas galhas se balançou

Um teju saiu de dentro delas

E o cachorro disparou.

Ele correu atrás do Teju

Desaparecendo nos marmeleiro

Ouvi latidos doloridos

Uma pergunta me veio:

Será se foi uma cobra

Que mordeu ele em cheio?

Cobra coisa nenhuma!

Vi que a coisa foi pior!

Quando ele saiu do mato

Cheio de marcas de cipó

Saiu latindo e se arrastando

Sua pele estava sagrando

Aquilo me causou a maior dó.

Quando Maria Florzinha vê um fraco

Ela não economiza maldade

Meu cachorro não estaria vivo

S’Ele fosse um cão covarde

Mas por algum milagre de Deus

A sua vida se estendeu

Porque escapou do abate.”

Quando terminava uma história

Seu Zé Carlos emendava outra

Ouvindo Eu e meus amigos

Abríamos de espanto a boca

Quando o fenômeno paranormal

Era descrito por sua pessoa.

“Outro dia eu vinha de noite

Na estrada do sítio de Diminhas

Passando num pé de barriguda

De bicicleta bem na noitinha

Uma pressão no bagageiro

Quase parou ela todinha.”

Olhei pra trás e não vi ninguém

Sentado no bagageiro

O céu estava taciturno

Um frio na espinha veio

O vento soprava a barriguda

A escuridão era crua

Quase entrei em devaneio.”

Continuei pedalando com força

Como se arrastasse uma tonelada

Saí das sombras da barriguda

E como vapor d´água

O peso sumiu da bicicleta

E acelerei como fera

Até parar aqui em casa.”

Seu Zé Carlos também gostava de contar

As suas experiências de vida

“Conheci um tal de Jackson

Antes de fazer fama como artista

Lá em campina Grande

Terra cultural da Paraíba.

Lhe vendo bater uma caixa na feira

Vestido de brega cavalheiro

Fui até uma lojinha e comprei

Um instrumento e dei-lo

Que logo o consagrou

Como Jackson do Pandeiro!”

Seu Zé Carlos se gabava

Por ter sido a causa

Do sobrenome desse artista

“O pandeiro lhe consagrava

Quando lhe dei o instrumento

Ele tocou por um momento

Enquanto as pessoas parava.

Jackson do pandeiro!

Todos começaram a gritar

Enquanto magia ele fazia

Lançando sons no ar

Um radialista hipnotizado

Ouvindo aquilo fascinado

Disse: muito show ele fará!”

Se seu Zé Carlos naquele dia

Não tivesse feito a ação

De ir na lojinha comprar

O pandeiro em questão

Talvez Jackson do Pandeiro

Não virasse ídolo na nação.

Seu Zé Carlos também colecionava

Histórias sobre seus passarinhos

Graúna e Galo de Campina

Concriz e Caboclinho

Dentre outros qu’ele criava

Com o maior carinho.

“Um dia quando cheguei em casa

Abri a porta e escutei

Uns baque alto de panela

Rumo até a cozinha andei

Chegando lá vi meu Graúna

Pelado do pescoço à bunda

E um gato perto avistei.

A boca do gato tava cheia de pena

O bico do Graúna melado de sangue

Os dois olhos do gato sangravam

Seu miado era agoniante

A gaiola estava quebrada

Os sinais eram de luta rara

Que houvera há pouco instante.”

Seu Zé Carlos apesar de velho

Não reagia com tranquilidade

As situações que atingia

O que lhe trazia felicidade

“Fiz uma coisa com o gato

Que foi mais do que maldade.”

Seus passarinhos eram preciosos

Eles cantavam sem parar

Seja na manhã do dia

Na tarde ou no luar

Ou até mesmo na madrugada

Eles não paravam de cantar.

Uma vez uma pessoa

Foi lá e quis comprar

Um Graúna por dez mil reais

Seu Zé Carlos fez se recusar

“Independente do valor

Dizia não ao comprador

E não deixei ele levar.”

Ele também tinha uma moto

Vermelha e que brilhava

Seu Zé Carlos limpava ela

E as vezes nela andava

Pela cidade do Teixeira

Exceto em noites cheias

Porque não apreciava.

Seu Zé Carlos morava sozinho

Era um Senhor aposentado

A família que possuía

As vezes ia visita-lo

Colorindo alguns aspectos

Do seu espírito solitário.

O muro da casa de Seu Zé Carlos

Também era do seu filhão

Que morava numa casa antípoda

A do seu pai ancião

As duas casas partilhavam

Um muro não grandão.

Ele defendia mais à esquerda

Do que o fundador do PT

Lula pra ele era um Deus

E nem adiantava debater

Seu Zé Carlos com unhas e dentes

Dizia que este presidente

Foi o melhor que chegou a ter.

Ele também acreditava em Deus

Assim como o Papa Francisco

Muito Seu Zé carlos falava

Sobre as grandes lições de Cristo

“Foi sem discurso e com ações

Que Jesus mobilizou multidões

A usarem bem o livro arbítrio.”

Na época do São João

Meu pai fazia uma fogueira

Diante de casa e nós usava

Durante a noite inteira

Pra acender foguetões

E lança-los nas estrelas.

Seu Zé Carlos participava

Com o seu alegre coração

Vendo eu e outras crianças

Correndo em circulação

Tendo no centro a fogueira:

Grande símbolo do São João.

Nos dias de feira ele me mandava

Ir lá comprar carne cozida de bode

Lá na barraca de Dona Neusa

Que parecia um trenode

Ele me dava uma vasilha

Junto com grana lá eu ia

Ligeiro igual Dom Quixote.

Outra vez eu criava um Sagui

Até que este desapareceu

Seu Zé Carlos bateu na porta

E na janela apareceu

Segurando meu macaquinho

Bem forte no seu pescocinho

E arrogantemente me deu.

Seu Zé Carlos me encantava

Com suas opiniões e histórias

Apesar disso a vida dele

Não era uma perfeita aurora

Os sinais do fim velhice chega

Quando a morte bate na porta.

E o toc toc dessa visita

Eu era adulto quando comecei a escutar

Passei de frente a casa dele

E o vi na sala de estar

Sentado e sufocado

Como dificuldades de respirar.

Corri até a casa do seu filho:

E lhe contei de Seu Zé Carlos

Ele chamou outras pessoas

E socorro foi prestado

Ao seu pai que afinal

Respirava muito mal

E estava debilitado.

Seu Zé Carlos foi levado

De carro pro hospital

E só uma semana depois

Vi-lo sentado no quintal

Da casa da sua filha

Que agora lhe acolhia

Em tempo integral.

Ele me agradeceu

Pela minha boa ação

“Ainda bem que você

Agiu rápido trovão

Lhe agradecer pelo feito

É minha obrigação.”

E depois começou a falar

Sobre a sua nova vida:

“Agora estou melhor

Porque tenho companhia

Com minha filha e meus netos

Sinto aqui uma harmonia”

Seu Zé Carlos parecia feliz

Igual criança da terceira idade

Só que duas semanas depois

Vi ele sem serenidade

Na casa vizinha a minha

Que pássaros não mais tinha

Além doutras raridades.

“A minha filha me traiu

Enquanto eu morava lá

Agindo pelas minhas costas

Ela veio até cá

E pegou minhas mobílias

E vendeu várias à vista

Só algumas aqui está.”

Ele falava indignado

Pelo recente acontecimento

No seu rosto eu avistava

Uma expressão de desalento

Ter sido traído pela filha

Era-lhe razão de tormento.

“Mas do pior fiquei sabendo

Quando fui no banco do Brasil

E vi que na minha poupança

Faltava alguns mil

O gerente disse que quem sacou

Foi uma mulherio.

Esta sendo a minha filha

Que não tinha ordem pra isso

Logo processei o Banco

Porque ele responsabilizo

De autorizar a traidora

A sacar dinheiro à toa

Dando a ele um sumiço.

Estou revoltado com isso

Depois do que eu fiz

Ajudei o meu neto

A deixar de ser infeliz

Dei dignidade pra ele

Ao dá a moto pra ele

Trabalhar como sempre quis.”

Dias depois ouvi seu Filho

Falando pra Seu Zé Carlos

“O Senhor não tem mais nada”

Essas palavras atravessaram

As frestas da parede

E até meus ouvidos chegaram.

Imaginei Seu Zé Carlos

Sentado numa poltrona

Pensando em problemas

Que o tempo não soluciona

Porque somente ele poderia

Achar o valor da incógnita.

Tornou difícil ver Seu Zé Carlos

Fora da sua residência

As poucas vezes que o via

Não enxergava luminescência

Como uma estrela apagada

Seu Zé Carlos não mais estava

Com irradiante consciência.

Depois desses dias eu não mais

Vi Seu Zé Carlos

Logo depois que me mudei

Do Teixeira pra São Paulo

Meu irmão que em SP morava

Logo pra Teixeira voltava

Pra passar um intervalo.

Quando ele voltou pra São Paulo

Me contou sobre o Teixeira

“Andei muito de bicicleta

Subindo e descendo ladeira

Irei sentir falta do sítio

Onde lá os sapos gorjeia.”

Até que perguntei a ele

Sobre o velho caçador

“Quem? Seu Zé Carlos?”

A minha cabeça confirmou

“Ele vivia mais solitário

Do que um espinho sem flor.

Eu tentei conversar com ele

Mas logo fiz me afastar

Seu Zé Carlos mais parecia

Uma alma perdida num mar

De ressentimento guardado

Pela filha que fez enganá-lo

Sem que ele lhe fosse perdoar.”

Ser velho e rancoroso já é ruim

Ser velho e sem sabedoria é pior

Ouvi essas palavras do meu irmão

Me fez pensar no velho do Seridó

Num Seu Zé Carlos com aflição

Que por negar dá seu perdão

Já não desfrutava do melhor.

Havendo uns dias passados

Em São Paulo eu morando

Lá em Teixeira era de manhã

E aqui o dia foi começando

Na sala vi minha família

Instantes depois lhes ouvia

Lerem o celular noticiando:

Seu Zé Carlos nosso vizinho

Ocorreu de morrer hoje cedinho

Na casa onde tava morando.

Santo André, 20 de Janeiro de 2022

Helenilson Martins
Enviado por Helenilson Martins em 20/01/2022
Reeditado em 20/01/2022
Código do texto: T7433343
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