NO TEMPO DOS CORONÉIS

ADENDO AO POEMA - cordel baseado nas memórias de José Lins do Rego, in "MENINO DE ENGENHO", edit. Livraria José Olympio, Rio, 1976, 22ª edição.

NO TEMPO DOS CORONÉIS

I

No tempo dos "coronéis"

todo o Nordeste tremia;

eram eras bem cruéis,

todo mundo obedecia

ao senhor mui poderoso,

fazendeiro belicoso

que fazia o que queria.

I I

Regia com mão de ferro

aquelas secas paragens.

Se preciso usava o "berro",

balas pediam passagem...

lhe temia o Sertão,

comandando a vastidão

de canaviais, pastagens.

I I I

Nos conta o José Lins

sobre seu avô amado

que viveu lá nos confins

da Paraíba -- arretado --

dominando as eleições

e dirigindo as ações

pra favorecer seu lado.

I V

A situação dos escravos

era sempre mui cruel,

com feitores muito bravos

chicoteando a granel...

cavavam de sol a sol

só saindo ao arrebol,

sob inclemência do céu.

V

Mesmo se estava chovendo

lá viam êles roçando;

misérias que íam vivendo,

as espantavam cantando.

Cansados, com fome e frio,

voltavam do "milhario"

para a senzala, rezando.

V I

"Buliram" co'a mulatinha

do "coroné" "Zé Paulino"...

"embucharam" a pretinha

que contou, "falando fino":

-- "Pois foi o "Chico" Pereira

que ficou "de brincadeira"

lá no Rio, sol a pino".

V I I

Se poz o "Chico" no tronco,

que jurou ser inocente:

-- "Sou malandro, não sou bronco,

mente aquela indecente...

que me furem de facão,

eu morro aqui nesse chão

mas não caso co'a "serpente" !

V I I I

O coronel, muito sério,

trouxe a Bíblia Sagrada:

-- "Que se finde esse mistério,

conte a verdade, mais nada" !

A mãe, vendo o Livro Santo,

caiu de joelhos, em pranto:

-- "Minta e serás condenada" !

I X

Maria Pia tremeu,

viu sua alma no Inferno.

Um grande grito ela deu

antevendo o fogo eterno:

-- "Por Deus, que eu não sou maluca...

que "me comeu" foi "seu Juca",

vosso irmão... que usa terno" !

X

Há muitas outras estórias

-- como a do escravo metido -- (*1)

guardadas pela memória

desde tempo muito antigo:

ao "Major" deu seu recado

de modo muito abusado

e teve lá seu castigo.

X I

O comprou de outra Fazenda

e chegou "levando esporro" !

Surrado -- por reprimenda --

êle gritou por socorro !

-- "Mas, batam "só desse lado"

pois "do outro" o desgraçado

já foi feito... negro-fôrro !

X I I

É tempo pra ser lembrado,

nunca, jamais esquecido

porque o Negro -- maltratado,

detestado, mal querido,

construíu nossa Nação !

Sequer CONSIDERAÇÃO

dela não tem merecido !

"NATO" AZEVEDO

(6/dez. 2021, 20hs)

OBS: (*1) - segundo Lins do Rego

o negro do recado era feitor em

outra fazenda. Usava botas e gra-

vata e viera prevenir o major URSO-

LINO que seu gado estava invadindo

o canavial da fazenda vizinha. Perten-

cia o capataz a 2 senhores e um deles

dera inédita "alforria" de "sua parte"

para o "meio cativo". (pag. 89)